A fauna do primeiro turno

Luis-Sergio Santos
3 min readOct 21, 2014

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A pesquisa de intenção de voto em primeiro turno nos dá uma visão bem mais realista da diversidade eleitoral, tanto do ponto de vista do eleitor quanto do ponto de vista dos candidatos e das candidatas.

No segundo turno, os eleitores são empurrados ao realinhamento e acabam convergindo para apoiar o nome que mais se aproxima do seu preferido, ou mesmo a votar por exclusão — dos males, o menor. O segundo turno tem um viés plebiscitário. Já o primeiro turno é mais autêntico ao revelar a diversidade da nossa fauna política mesmo daqueles que pontuam pouco na intenção de voto estimulada. Por isso, a candidata Luciana Genro tem razão, quando argumenta, em seu horário eleitoral, na defesa do voto não induzido, contra o chamado voto útil.

Em todos os candidatos à presidência da República neste 2014, encontramos ideias interessantes e que ganham amparo junto ao eleitor, mesmo em pequena proporção, mesmo as ideias mais raivosas, as mais utópicas ou as mais reacionárias — seja um reacionarismo de esquerda ou de direita. O grande mérito na pesquisa de intenção de voto em primeiro turno é mostrar que tem gosto pra tudo — tem eleitor que vota em todos os candidatos. Mesmo quem lidera a pesquisa, a presidente Dilma Rousseff, tem somente 38% da intenção de voto, como nos informa a pesquisa Ibope/Estado de S. Paulo/TV Globo divulgada na terça-feira, 23.

A absoluta maioria dos eleitores vota em outros candidatos e não em Dilma. E tem, ainda, os que não sabem em quem votar ou irão anular o voto. No segundo turno, este cenário se perde e o que vai prevalecer é a dicotomia eleitoral, o expurgo dos votos nulos e o expurgo dos ausentes. Somente os chamados votos válidos comporão o percentual final — teremos um expurgo significativo nesta composição.

E, assim como os eleitores migrarão no segundo turno, os partidos políticos derrotados em primeiro turno também poderão migrar mesmo que por motivos reais não confessáveis. Umberto Eco, o efervescente filósofo italiano, hoje com 82 anos, nos lembra que a democracia é um regime de Governo não perfeito mas é o menos ruim. Muitos políticos nos governam sem um consenso ou sem uma maioria eleitoral universal já que o que conta são os votos válidos. Mas é assim a regra do jogo: no segundo turno vale a maioria simples dos votos válidos, ou seja, a metade mais um.

Por isso, para ilustrar este artigo, coloco um gráfico em pizza, baseado nos dados do Ibope. Este gráfico traduz um instantâneo com margem de erro. Mas é uma referência importante pra mostrar como a nossa democracia eleitoral funciona.

Por isso, pregar o não voto ou o voto nulo, é estar jogando contra este modelo. Mesmo em uma conjuntura de voto não obrigatório.

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Publicado originalmente no jornal O Estado http://www.oestadoce.com.br/noticia/fauna-do-primeiro-turno

Originally published at www.revistafale.com.br. 26 de setembro de 2014 — ISSN 1809–3043

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Luis-Sergio Santos

Jornalista. Editor. Professor na Universidade Federal do Ceará. Autor da biografia Rui Facó — O Homem e sua Missão