O navio mudou de rumo

Decisões que nos fazem amadurecer na jornada empreendedora

Luiz Gomes
11 min readJun 6, 2017
Quase 4 anos de uma imersão no mercado de logística me fizeram uma pessoa melhor, chegou a hora se seguir em frente.

Como empreender se tornou uma realidade?

Depois de anos como professor de matemática e muitas tentativas para encontrar a motivação que me fizesse lutar por um futuro em sala de aula, decidi que abriria as portas para novas oportunidades em caminhos até então desconhecidos. A imersão no ambiente de tecnologia foi o caminho escolhido, talvez tenha sido o caminho natural. Sempre me senti confortável em estruturar soluções de base tecnológica, não imaginava ter uma empresa, isso não passava pela minha cabeça.

O primeiro passo não seria fácil. No ambiente de negócios foi difícil enxergar aplicações dos conhecimentos adquiridos na graduação de matemática.

Como nos maps de Age of Empires, os caminhos a se seguir estavam no escuro.

Na busca pela motivação pessoal o termo startup caiu de pára-quedas nas minhas mãos, era massa conhecer mais sobre as grandes empresas de tecnologia e que elas [quase sempre] surgiam como startups nas garagens do Vale do Silício, uma visão meramente superficial sobre o contexto.

Num dos momentos de maiores dúvidas sobre o que fazer li o livro do “startup weekend”, mais que um estímulo para de alguma forma criar uma startup e empreender na resolução de um problema global, eu entendi os conceitos para desenvolver uma comunidade empreendedora e a força que se adquire quando pessoas são empoderadas para pensar, propor e agir.

Em 2013 decidi participar de uma edição do startup weekend na minha cidade, Recife. Sem muita pretensão queria entender como aquela coisa toda funcionava — hoje eu percebo que depositei no startup weekend um ponto de fuga para minhas dúvidas profissionais — .

Sem conhecer quase ninguém, mergulhei de cabeça nas 54 horas da edição, sem preconceitos, sem barreiras ou restrições, eu queria aprender tudo e conhecer o máximo de pessoas.

Meus conhecimentos prévios não influenciaram minha escolha sobre o time que iria trabalhar, optei por uma ideia que parecia difícil de resolver. Pensava “se participar da equipe com um problema realmente complexo, vou ser forçado a aprender mais que os outros”, no final do processo tínhamos a proposta de mudar o comportamento das empresas com demanda para compartilhar espaços em contêineres para importação e exportação.

O desafio para executar o negócio era grande, com variáveis diversas e propostas agressivas para mudar o comportamento das empresas, entendíamos que com algum esforço a Lotebox se tonaria viável. Isso me motivou de alguma forma.

O verdadeiro desafio é tirar uma ideia de negócio do papel

Durante o startup weekend só enxergava o quão bacana é empreender, não era fácil, mas a motivação das pessoas em executar suas ideias contagiava. Sempre gostei de ajudar pessoas a se desenvolverem, no final do startup weekend minha cabeça se dividiu: (1) Ajudar no desenvolvimento de novos empreendedores — queria participar de alguma forma de outras edições — e (2) Entrar de cabeça na Lotebox e passar pela jornada empreendedora, empreender é possível.

Dentro de uma startup é fácil desmistificar uma série de comportamentos que, de fora, parecem incríveis. Por todos os lados há pessoas que encaram startup como questão de status, é cool ser empreendedor — eu não fui excessão — . Nos primeiros dias da Lotebox vivemos um furacão de coisas que quase me iludiram, foi difícil manter os pés no chão.

Erro a não se repetir: tocar uma startup pode lhe iludir e confundir a realidade, não confie em tudo que vê ou escuta, seja crítico.

Sem nem saber o que a Lotebox de fato se propunha a resolver — quase não tínhamos validado a solução — , fomos selecionados para a edição de 2013 do TechCrunch Disrupt em San Francisco. Eventos para startups com menos de 100 dias pode gerar a falsa ilusão de que tudo começou bem, participação em evento tendem a não refletir a realidade.

Erro a não se repetir: no início de uma startup valorize as interações diretas com outros empreendedores, muita mídia nos primeiros dias vão tirar o foco do que realmente importe, alcançar o problem-solution fit.

Ainda dedicando poucas horas por semana na Lotebox fomos selecionados no Startup Chile, em Santiago. Ali tivemos a primeira decisão crítica, era necessário largar boa parte das atividades profissionais e dedicar tempo para tirar o negócio do papel — a startup estava exigindo nossa atenção, o que faz todo sentido — .

O que parecia ser um caminho tranquilo deixou claro que nesse meio tem os que só desejam o “selo de empreendedor” e os que estão realmente dispostos à se sacrificar pelo negócio.

Erro a não cometer: saber identificar quem tem potencial empreendedor para se associar não é uma tarefa fácil, mas uma decisão precipitada pode gerar frustração por ter uma startup ao lado de pessoas que vibram em outras frequências.

A vibração pela seleção no Startup Chile e a viagem para Santiago veio seguida da desistência de um membro do time que, por uma decisão profissional não conseguiu se dedicar à operação. Como resultado, perdemos a oportunidade de participar do programa. Tive que engolir o sapo e repetir por ai que tínhamos desistido do Chile, na verdade fomos expulsos pela desistência do representante… regras do jogo.

Meu primeiro fracasso foi na formação do time. Decidimos que a empresa seria formalizada com quem estava disposto à se dedicar ao negócio. Quem estava à passeio foi prontamente descartado, faria isso novamente.

Após a frustração do Startup Chile fomos selecionados no SEED-MG. Desta vez tínhamos “limpado” a equipe, sobrando apenas dois empreendedores, os quais deixaram sua zona de conforto pra trás e mudar para Belo Horizonte com objetivo de tirar [finalmente] a Lotebox do papel.

Quase 6 meses depois de iniciar a Lotebox não tínhamos software algum, apenas algumas folhas de papel quadriculado onde escrevi o processo que usaríamos para consolidar cargas.

Erro a não se repetir: tenha cuidado ao iniciar uma startup sem um perfil técnico no time fundador. O negócio vai exigir a criação de produtos para testes rápidos, depender de terceiros é um risco adicional.

Passar por diversos ecossistemas foi a melhor escola empreendedora

O SEED foi como voltar para a universidade. Com pouca experiência empreendendo eu precisava desenvolver os conceitos básicos, precisava entrar no timing para desenvolver uma startup, e consegui. Sou grato aos meses que passei em BH, nesse período colocamos os pés no chão e focamos naquilo que tinha de ser feito, aprender sobre o mercado, modelar uma solução mínima — mesmo que tenhamos pago para terceiros desenvolverem nosso MVP — , testar de alguma forma o impacto do produto, medir os resultados e aprender algo que nos permitisse seguir em frente.

Infelizmente os resultados não foram o que esperava, as dificuldades de ser ágil num mercado tradicional sem peças-chave no time, sem dinheiro e sem resultados para atrair as pessoas certas me fizeram querer desistir dali. Quando as coisas não estão bem é comum pessoas se aproximarem para potencializar o sentimento de que tudo está dando errado. Custou, mas hoje sei que a decisão de continuar e tentar fazer da Lotebox algo significante no mercado foi certa.

Imerso em BH, conheci vários empreendedores mais experientes, eles compartilharam lições aprendidas e o mindset necessário para olhar sua startup como empresa, com seriedade e profissionalismo. A empolgação de ter uma startup não era suficiente se não houvesse capacidade de transformar o sonho em negócio.

3 anos com a Lotebox tive a oportunidade de empreender em Santiago, BH, São Paulo, Vale do Silício (Sunnyvale) e Rotterdam. Em cada ecossistema amadureci os mais diversos aspectos como empreendedor, desde de ter foco no negócio até aprender com outros empreendedores e com o mercado. Lições ricas que uma graduação não dá, a necessidade de executar abre sua cabeça e lhe permite realizar coisas que não imaginaria ser possível.

Me considero um empreendedor maduro, pé no chão, pelos erros cometidos e pela capacidade de experimentar muitos caminhos em busca de respostas e resultados.

Não é fácil dormir sem saber o que será do seu negócio no dia seguinte. A vida de viagens também está longe de ser “passeios de férias”, dias com até 20 horas de trabalho, sem luxo ou qualquer tipo de facilidade. Tomo como exemplo o período no Vale, lá não houve espaço para privilégios, ou você se torna um case interessante ou se cuida para não ser engolido.

Erro a não se repetir: não espere que alguém pegue na sua mão para facilitar algum passo da jornada, risco não se delega, falha não se transfere, assuma os seus atos e siga em frente.

Não são só os cabelos brancos que te fazem maduro

As idas e vindas me fizeram aprender coisas novas com profissionais mais experientes, mas seja crítico, não aceite todo conselho que lhe derem, no Vale ouvi opiniões generalistas que não funcionavam no meu negócio, ouvi, filtrei e algumas eu descartei.

Cada startup ter sua particularidade, no caso da Lotebox estávamos desenvolvendo uma solução para simplificar o relacionamento das empresas com a logística. Um mercado cheio de vícios e acomodado com processos arcaicos, esse comportamento aumentou o desafio de construir e entregar um produto modulado que aumentasse a eficiência de trabalho.

Insistimos nos modelos de negócio “padrões”, validados por outras startups B2B acreditando se adequaria à realidade da Lotebox, mais uma falha.

Erro a não se repetir: deixe de lado os padrões e foque nos comportamentos do mercado, há uma série de caminhos que te farão dar o primeiro passo, então foque nisso e esqueça [no início] o que te fará escalar.

Somente com a internacionalização da empresa para Rotterdam que tivemos acesso a mentores que deram sugestões adequadas ao nosso negócio, afinal eles eram especialistas de comércio internacional.

Depois de muitos estudos, leituras e mapeamento de comportamentos consegui identificar similaridades no mercado que permitiram enxergar, priorizar, arquitetar e construir um ambiente digital adequado às necessidades comuns.

Os quase 4 meses em Rotterdam me fizeram enxergar quão grande a Lotebox pode ser, somos o passo seguinte na gestão de processos de transporte. O que nos fez assumir uma grande responsabilidade, estar sempre à frente de tudo que tá rolando no mercado.

Parecia que tudo estava indo bem, internacionalizamos a empresa, recebemos investimento, montamos um time técnico e implementamos uma cultura de trabalho remoto. Tantos ajustes na empresa me cegaram para algo fundamental, metas, métricas e resultados, mergulhei no produto até que senti o barco navegando sem rumo. Mesmo assim decidimos que o caminho era focar em provar nossa teoria com, pelo menos, um cliente pagante.

Erro a não se repetir: deixe os padrões de lado, o motor de uma startup são as vendas, então nunca deixe suas ações comercias sem registro de lições aprendidas, sem isso você se perde em pouco tempo.

Em duas semanas chegamos ao céu e fomos lançados no inferno pelo processo de vendas, uma empresa chinesa que importava matéria-prima do Brasil contratou a Lotebox para gerenciar sua demanda… para encurtar a história, tínhamos um primeiro cliente que nos pagaria alguns milhões de dólares, bingo!

Viajamos para a China, assinamos o contrato, comprometemos a grana do investimento e a empresa sumiu… lições aprendidas nisso? Quase nada, apenas sei que foi um baque sem tamanho.

Com esses altos e baixos, voltamos para o Brasil com uma série de ações descoordenadas, aumentamos o time comercial sem uma estratégias de venda mapeada para testes… era como correr o mais rápido possível num escuro completo, fazíamos muitas coisas esbarrando em situações desconhecidas, depois do grande baque, sentia um pequeno baque por dia.

Sobrecarregado com as muitas mudanças de produto pelas “necessidades do mercado” não percebi as deficiências no comercial, deixei a responsabilidade nas mãos do meu sócio.

Erro a não se repetir: as ações comerciais de uma startup são as mais importantes, independente do seu papel no time, não deixe de interferir e acompanhá-las, criando estratégias, medindo os resultados e armazenando lições aprendidas.

Quando dei por conta dessa situação vi o quão confuso o processo estava, na verdade não havia um processo, tão pouco metas ou métricas de resultados. Me reuni com todo o time no final de 2016 e tracei um plano para o 1º quarto de 2017, o objetivo era enxugar o pipeline de vendas, dai os mais de 100 contatos registrados foram enxugados para menos de 10 — com quem tínhamos alguma possibilidade de conversão — . Grandes empresas que, se fechadas, dariam tranquilidade para organizar a casa.

Resultado que fechamos o 1º trimestre de 2017 com dois contratos assinados. Senti pela primeira vez em 4 anos que tinha uma empresa nas mãos, fiquei realmente feliz por alguns dias.

Tem horas que o barco segue por outros caminhos

Eu imagino quão difícil é a separação num casamento, um relacionamento que é construído pela confiança. Assim também é uma sociedade, quando a confiança acaba, as relações profissionais acabam junto.

Desde o início desse ano que eu e meu sócio começamos a enxergar a Lotebox de forma diferente, nossas ações refletiam dentro da empresa e tornavam o ambiente cada vez mais confuso, a ponto de não saber para que lado estávamos dirigindo o negócio.

Como toda startup com alguns contratos ativos, uma série de problemas críticos de continuidade surjem e exigem cuidado na resolução. Durante os 3 primeiros meses do ano eu refleti sobre o futuro do negócio nesse contexto de divergência dos sócios, não um futuro positivo na forma que o negócio estava sendo executado. Havia apenas uma [dura] decisão para se tomar, deixar que a empresa seguisse por um dos lados.

Sem discutir quem estava certo ou errado, a Lotebox precisava seguir um caminho, independente de qual fosse. Minha primeira reação era assumir o negócio, como todo empreendedor, criei paixão pela empresa e sei do seu potencial, mas lembrei do que ouvi desde o início da jornada em 2013: — “não tenha apego”. Por mais racional que seja, não é fácil abrir mão de um sonho.

Tomei umas das decisões mais difíceis como empreendedor, abrir mão do empreendimento e buscar outros caminhos. Saí da operação da Lotebox, deixei que a empresa seguisse por um caminho fora do meu controle.

Arrependido? Mudaria muita coisa ao longo desse caminho, mas é fácil tirar 10 na prova quando se conhece as respostas. Claro que a sensação de "abandonar o barco" machuca, precisei ser frio e colocar o negócio antes das minhas vontades.

Minhas anotações, rede de relacionamento, experiências, lições aprendidas, erros e acertos… tudo que preciso para seguir em frente

Eu aprendi muito na jornada da Lotebox, amadureci, sei como é ter empresa e a assumir as responsabilidades. Errei muitas vezes, nos empreendimentos futuros (que virão!) não os repetirei. É assim que funciona, cada passo é uma lição aprendida, esse é o jogo.

Não somos criados para errar, tão pouco para admitir e expor nossos erros. É fácil listar erros que cometi (e fiz isso), mas não tem como seguir em frente sem o sentimento de ter tomado um banho de água fria. Insisto em dizer que empreender não é [e nunca será] uma brincadeira, você assume responsabilidades mesmo sem querer, toma decisões importantes e busca argumentos que façam pessoas acreditarem que a solução resolve algum problema.

É duro, mas a sugestão que dou para quem quer empreender ou está dando seus primeiros passos na jornada é:

Esteja preparado, o caminho lhe reservará algumas ingratas surpresas. Se no final do dia o saldo do aprendizado for positivo você deu um passo pra frente, se for negativo analise os porquês dos erros cometidos e, no dia seguinte, mude a direção ou estratégia. Não insista nos erros cometidos, nunca!

Startups tendem a ser “zoneadas”, tenho uma opinião que, de alguma forma, deve-se identificar as lições aprendidas e registrá-las. Isso não vai burocratizar seu trabalho, seu papel como fundador é pensar no futuro do negócio, logo é importante aprender com cada passo dado para evitar erros cíclicos.

E agora?

Não sei quais serão meu próximos passos, só sei que não deixarei de aprender, experimentar e compartilhar coisas novas. Em breve terei novidades!

Aproveitando…

Estou pensando num outro modelo para compartilhar algum conteúdo com as séries do Medium em Português, mas só funciona pra quem usa o app no tablet ou smartphone. https://goo.gl/chVz1P Sobre a mesa, o que acha?

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Luiz Gomes

Movido por desafios, estrategista e modelador. Faço o que acredito, promovo inovação através da interação de pessoas. - instagram.com/feed.do.luiz/