Qual o problema com o cabelo natural Afro?

Luiz Valério P. Trindade
4 min readNov 26, 2022
© Pexels, El Gringo Photo

A resposta clara e direta para a pergunta-título deste artigo é: nenhum problema. Apresento a resposta assim logo de cara porque, em tempos de redes sociais, muitas pessoas consideram como “textão” qualquer mensagem com mais de 240 caracteres e, por conseguinte, longos demais para serem lidos. Assim, não corro o risco de, na eventualidade de algumas pessoas não lerem o texto na íntegra, pelo menos não tiram conclusões precipitadas por conta do título.

Pois bem, feita esta necessária consideração introdutória, posso dizer que há muitos anos observo que, bem diferente do que ocorre com pessoas negras, o estilo de penteado ou corte de cabelo de pessoas brancas possui total aceitação social. Eles(as) podem adotar cabelos arrepiados, cortados de forma intencionalmente irregular, clareados artificialmente, em estilo moicano, despenteados, e por aí afora.

O fato é que, não importa a variação ou o grau de “rebeldia” do estilo de penteado ou de corte em relação a estilos mais tradicionais e conservadores, invariavelmente, são considerados fashion e até mesmo “de vanguarda”.

Por outro lado, quando pessoas negras decidem adotar o estilo de cabelo natural Afro (popularmente conhecidos como Black Power), isso se torna motivo de espanto, rejeição, desaprovação social, e mais grave ainda, motivo de escárnio e chacota.

Isso, sem contar é claro, aquelas pessoas que pedem pra tocar no cabelo pra “sentir como é”. Como assim? Tocar meu cabelo pra que? Na verdade, é como se estivessem dizendo que o cabelo natural Afro é tão exótico e “fora de padrão” que suscita uma espécie de curiosidade científica que só pode ser aplacada pelo tato.

Fonte: Pinterest

Portanto, daí surge o questionamento-título deste artigo: qual o problema com o cabelo natural Afro?

Reitero que a resposta é: nenhum; porque o problema reside não no cabelo em si, mas sim na forma preconceituosa e excludente que a sociedade brasileira o enxerga.

A identidade nacional brasileira foi construída na virada do século 19 para o século 20 em cima de ideologias eurocêntricas de supervalorização da branquitude como padrão único e universal de humanidade, beleza, inteligência, modernidade e uma série de outros atributos de ordem positiva. Em contrapartida, um enorme leque de atributos de ordem negativa foi associado à negritude.

Como consequência desse processo, foi preciso desqualificar e deslegitimar outras possibilidades de padrões estéticos, de tal forma a reforçar, confirmar e naturalizar o padrão estético hegemônico nacional calcado na branquitude.

Com o passar do tempo, estes valores foram sendo transmitidos de uma geração pra outra, se consolidando no imaginário coletivo e estão presentes no âmago das reações negativas já mencionadas no que diz respeito ao cabelo natural Afro (tanto de mulheres quanto de homens negros).

Além disso, um outro aspecto bastante peculiar neste contexto, consiste no que se chama de apropriação cultural, onde em diversas circunstâncias, se pode ver pessoas brancas adotando o uso de certos tipos de tranças, adereços, apliques e turbantes cuja raízes estão fortemente associadas à negritude.

No entanto, ao incorporarem estes estilos, as pessoas brancas não estão sujeitas às mesmas rejeições, chacotas e críticas enfrentadas por pessoas negras. É verdade que alguns podem até não apreciar completamente. Contudo, mais uma vez, elas são encaradas como fashion ou “de vanguarda”. Isso inclusive me remete a um trecho da música Negro Drama dos Racionais MC, que diz “Seu filho quer ser preto, há, que ironia”.

Fonte: Pinterest

Sendo assim, enquanto a aceitação social de pessoas brancas nos mais variados espaços se mantém praticamente inabalados independentemente de seu estilo de cabelo, o mesmo não ocorre com pessoas negras.

Para confirmar esta argumentação, basta percorrer as redes sociais para encontrar facilmente dezenas e até centenas de relatos de pais e mães de crianças negras que foram (ou continuam a ser) humilhadas e/ou maltratadas na escola por conta de seu cabelo.

Quantos comediantes e programas humorísticos de televisão já ridicularizaram (ou ainda o fazem) o cabelo natural Afro? Inúmeros e não é de hoje.

Existem também inúmeros casos de pessoas negras sutilmente barradas de processos seletivos de emprego por conta de seu cabelo “fora de padrão” ou até mesmo induzidas a cortá-lo, alisá-lo ou prendê-lo para continuar no emprego e manter a “boa aparência”. A mensagem subliminar embutida neste tipo de atitude sugere que a presença negra naquele espaço é, digamos, até potencialemente aceita, mas o cabelo natural Afro suscita um “excesso” de negritude além do que podem admitir.

Enfim, estou certo de que o(a) leitor(a) será capaz de mapear e identificar diversas outras situações análogas não listadas neste artigo.

De qualquer forma, o problema não está no cabelo natural Afro, mas sim em ideologias racistas e preconceituosas ainda vigentes na sociedade brasileira e que estão profundamente enraizadas até o último fio de cabelo de muitas pessoas. Ou como diz o cantor e compositor Chico César, “respeitem meus cabelos, brancos”.

Por fim, para quem se interessa ou se interessou pela temática abordada neste artigo e gostaria de conhecer um pouco mais, deixo a seguir algumas sugestões de bibliografia que ajudarão na expansão de seu conhecimento.

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