Última carta de amor

Luiz Wagner
2 min readJan 10, 2017

Amor,

É provável que essa seja a última vez que te chamo assim, me referindo a você como a personificação desse sentimento, que posso dizer que foi você que me apresentou.

Sim, é uma despedida, nunca quis que tivéssemos uma, mas agora é preciso, acabou o nosso tempo áureo, e prefiro que isso termine enquanto as boas lembranças ainda são mais marcantes na minha mente quando penso em você.

Quero preservar a imagem do seu rosto vermelho no nosso primeiro encontro, quando eu disse que seus olhos verdes me lembravam a minha infância no jardim botânico do Rio, o seu olhar apaixonado nos primeiros meses, o primeiro “eu te amo”, que você me disse na cobertura do edifício Itália, quando eu quis conhecer os pontos mais altos de São Paulo, e você me acompanhou, escondendo seu medo de altura que te fez se agarrar em mim tremendo sempre que chegávamos no alto de um dos prédios, mas mesmo com pavor insistiu em continuar me acompanhando.

Lembro ainda de momentos mais específicos, simples, mas que me encantaram, como quando um senhor entrou no metrô distribuindo poesias de sua autoria e quando te entregou você leu, releu, por mais de cinco minutos e disse que tinha sido a coisa mais linda que já havia lido. Naquele momento soube o quão grato eu deveria ser por te ter na minha vida.

Mas, agora, coisas assim não acontecem mais entre a gente, seu olhar não é mais apaixonado, é um olhar de rotina, de quem se acostumou ao que está observando, nosso sexo se tornou mecânico, seus olhos verdes são marcas de algo bom que não existe mais, as vezes me lembram da minha infância carioca e, as vezes, a maioria delas, dos nossos bons momentos. E não é o tipo de lembrança nostálgica, mas sim triste, pelo sentimento de incapacidade de trazer isso de volta, e eu não posso suportar isso.

Certa vez você me mostrou uma música que tinha a frase “é amor até deixar de ser”, e foi isso com a gente, deixou de ser e só. Por isso é melhor partir agora, antes que eu me acostume a isso e comecemos a conviver como aqueles casais sem amor, sem fogo, sem nenhuma emoção, que estão juntos por comodidade. Talvez um dia a gente se encontre, tudo volte, a gente recomece, talvez. Sonhar não faz mal, pelo menos é o que dizem.

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