Guilty Pleasure: porque não faz sentido?

Gabriel Mac-Lins
3 min readFeb 5, 2022

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Consumir as produções que você gosta não deveria ser razão de vergonha.

Guilty pleasure é um termo em inglês, que traduzido de forma literal para o português brasileiro, significa “prazer culpado”. O Jargão é comumente utilizado na comunidade cinéfila para se referir a obras cinematográficas reprovadas pela crítica especializada ou pelo público em geral, mas que de alguma forma são prazerosas a alguns espectadores.

Normalmente, esse processo acontece com filmes que possuem grande apelo popular, contrastando com a opinião da crítica, que molda em algum nível a aceitação daquela obra por parte da comunidade. Tal conceito pode ser aplicado não só no universo dos filmes, como em diversas outras formas de produção cultural e de entretenimento. O reality show do momento, Big Brother Brasil, já foi guilty pleasure para muitos, servindo como um bom exemplo do que este texto propõe: questionar o sentido por trás da vergonha de se gostar de alguma forma de cultura e entretenimento.

Esse processo de formação do que é socialmente aceitável ou não, impacta diretamente na externalização da opinião daquele que destoa da maioria, ou dos que detêm os meios para determinar o que é um entretenimento de qualidade, e o que não é (meios esses que são majoritariamente elitistas, e consequentemente acabam servindo como ferramentas de controle cultural).

O cenário em apreço fica ainda mais complexo quando se considera a influência exercida pelo sistema econômico capitalista não só na mercantilização da arte e seu processo criativo, como também da percepção do indivíduo em relação às obras que ele consome. Em uma sociedade onde a produtividade é pregada de forma doentia, inclusive no dispêndio de tempo, nada mais natural do que a construção da ideia de que se deva consumir apenas coisas edificantes. Naturalmente doentio.

Outro ponto curioso, é que praticamente ninguém é livre dessa repressão social, inclusive quem a comete. Eventualmente cada um de nós já se encontrou nessa posição (como agentes ou como passivos). Gostamos de um filme, série ou programa televisivo que supostamente não deveríamos, e fomos achincalhados ou tivemos vergonha de gostar, ao invés de simplesmente aceitarmos a realidade, ou até mesmo defendermos nossa opinião. Aqui moram duas importantes questões que fomentam a utilização desse termo:

  1. A ilusão de que tudo o que nos agrada precisa estar intimamente ligado com temáticas filosóficas e engrandecedoras da alma ou intelecto, assim como devem possuir qualidade técnica primorosa para tal;
  2. E a necessidade questionável de que precisamos mascarar nossas opiniões (neste caso, usando a vergonha como balaclava), para sermos mais agradáveis à essa maioria, que, com o perdão da palavra, insiste em cagar regra sobre a experiência alheia.

Maioria essa que pode se apresentar tanto na figura do senso comum, quanto na crítica de cinema, tradicional ou não. O “espectador comum”, ao desdenhar nas redes sociais daqueles que se emocionaram assistindo Click (2006), ou deram boas risadas assistindo Mean Girls (Meninas Malvadas, 2004) também contribuem para essa conjuntura.

Ademais, como supramencionado, a crítica cinematográfica sempre tem o potencial de ser uma das protagonistas dessa sátira de mal gosto, quando exercida de forma leviana e excludente. Não é incomum observar o trabalho de críticos que ridicularizam parte do público por suas opiniões divergentes, e de quebra, indiretamente acabam moldando as mentes daqueles que admiram seu trabalho, a fazerem o mesmo. No fim das contas, a crítica que deveria incentivar as pessoas a valorizarem mais suas próprias experiências cinematográficas, desenvolvendo um senso crítico mais apurado, acaba por excluir da equação aqueles que vivem esse processo verdadeiramente, mas têm e preferem experiências diferentes.

Sendo assim, não importando de onde venha o escárnio, especialistas ou não, cedo ou tarde esse mesmo desdém invariavelmente retorna, pois nem todo dia somos profundos, e ainda que vivamos de aparências, ninguém é livre da sede de produtividade do sistema. Repressor ou reprimido, enquanto formos obrigados a sermos edificantes todo santo dia, ou seremos zoados, ou mentiremos sobre nossos prazeres.

O termo guilty pleasure não faz sentido porque os indivíduos não devem pautar suas experiências cinematográficas nas expectativas alheias, intentando agradar a quem prefere se preocupar mais com o outro do que consigo mesmo. Filmes fazem a vida valer a pena porque encontram em nós a potencialidade da diferença de anseios e vivências. Nem sempre queremos ou precisamos assistir dramas existencialistas, e haverão dias onde filmes com vampiros apaixonados, que reluzem feito diamantes no sol, serão suficientes para uma boa sessão.

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Gabriel Mac-Lins

Brasileiro, nortista, bacharel em Direito e um projeto de crítico de cinema. Amo filmes, vatapá, bolo moca, baião de dois, suco de cupuaçu e café com leite.