Fiscalização nos alojamentos das bases dos clubes do RS é inconstante

Órgãos regulamentadores dispersam a responsabilidade acerca da inspeção desses locais.

Madu Porto
Local e Esportivo 2020/1
6 min readJun 20, 2020

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Por Madu Porto e Nayara Souza

Segundo lugar no Prêmio Jornalismo do Ministério Público | Categoria Reportagem Universitária | 2020

Após o incêndio ocorrido no dia 8 de fevereiro de 2019 no centro de treinamento do time de base do Flamengo (Ninho do Urubu), no Rio de Janeiro, a preocupação com a segurança dos jovens moradores destes alojamentos intensificou-se. No Rio Grande do Sul, a responsabilidade pela fiscalização dos locais de moradia dos atletas dos clubes do estado é regional e descentralizada. Ao ser indagado sobre quais eram as condições do lugar onde morou por mais de um ano, o ex-jogador do Brasil de Pelotas, Leonardo Silva, de 21 anos, afirma: “digamos que dá para viver.”

De acordo com a Lei Pelé nº 9.615 de 24 de março de 1998, no artigo 29, parágrafo 2, ao jogador devem ser asseguradas instalações adequadas, higiene, segurança, assim como assistência à saúde física e psicológica. Além do Internacional e do Grêmio, outros times do estado como Brasil de Pelotas, São Borja, Santa Cruz e Brasil de Farroupilha oferecem alojamento para os atletas que não residem próximos aos centros de treinamento.

Tomaz Matos, de 21 anos, que hoje atua no Santa Cruz e que também já passou por alojamentos como o do Brasil de Farroupilha e do São Borja, conta que todas as instalações tinham ótimas condições. No entanto, afirma que durante seu tempo hospedado nos locais, não foram feitas vistorias, “mas todos os alojamentos tinham o alvará de liberação colado na porta de entrada.” Já Luis Marques, de 19 anos, jogador da base e morador do alojamento do Grêmio, alega ter todo o respaldo do time com vistorias recorrentes e acompanhamento adequado.

Segundo o Presidente do Centro Esportivo Santa Cruz, Luiz Eduardo de Carvalho, no local há um monitor residente que fica responsável pelo monitoramento e acompanhamento dos atletas. Sobre os cuidados contra incêndio, ele afirma que os alojamentos se encontram dentro das normas estabelecidas pelo Corpo de Bombeiros e destaca, “nossos alojamentos foram todos reformados em 2019, trocamos praticamente tudo”. O CT agora conta com sistema anti-choque, rede elétrica nova e fiações condizentes com a estrutura.

Já o coordenador das categorias de base do GE Brasil (Brasil de Pelotas), Fábio Borba, afirma que em suas equipes técnicas, todos passaram por um curso de primeiros socorros e que todo ano o local passa por vistoria. Ele afirma que “felizmente as condições do CT já eram muito boas. Mas mesmo assim, após o ocorrido no Ninho do Urubu, fizemos uma revisão nas instalações”.

O Sport Club Internacional conta que fiscaliza todos os alojamentos diariamente com o auxílio dos 8 monitores das instalações, da assistente social e da equipe de manutenção. A fiscalização pelos órgãos responsáveis é feita de acordo com a demanda, mas o clube ainda afirma: “quando encontramos algum problema é repassado imediatamente aos superiores.”

CT de Alvorada abriga os jovens da base do Internacional Foto: galeria do time

Segundo o promotor de Justiça da Promotoria Especializada do Torcedor, Leonardo Barrios, a fiscalização acontece de forma regionalizada, ou seja, no caso da Promotoria de Porto Alegre, ela acontece apenas na capital. Ao ser indagado sobre as vistorias, ele afirma que “tem um expediente tramitando sobre o assunto […], mas fiscalização periódica ou que a cada tanto tempo vai acontecer, isso não tem”. Além disso, o promotor destaca que caso seja vista alguma irregularidade, os clubes são notificados até que haja a adequação de acordo com as regras municipais e estaduais. Se isso não acontecer, o local é fechado, e a cobrança de possíveis multas cabe à prefeitura municipal.

Cuidados dos clubes em casos de emergência

O chefe do Setor de Fiscalização do 1º Batalhão de Bombeiro Militar (1º BBM), capitão José Maria de Lima Garcia do Nascimento, destaca que tais prevenções são de atuação compartilhada entre o poder público e ente privado. Segundo o capitão, “qualquer estabelecimento deve respeitar normas de segurança, isto inclui alojamentos de clubes de futebol. O local deve passar por um licenciamento perante o Corpo de Bombeiros.”

Sobre os equipamentos, ele afirma que dentre as exigências estão a verificação das saídas, iluminação e sinalização de emergências, extintores e brigada de incêndio. O capitão destaca que, para garantir a segurança do local e dos usuários, os proprietários e responsáveis técnicos tem o dever de manter a atenção para que as medidas de segurança funcionem como previsto em lei, e que sejam realizados treinamentos periódicos de como proceder em casos de urgência. Ele ainda ressalta que essa fiscalização pode partir de denúncias anônimas e de outros órgãos como a Prefeitura Municipal e o Ministério Público.

Na imagem, Leonardo Silva em sua trajetória pelo Brasil de Pelotas Foto: Jonathan Silva retirada do acervo pessoal do jogador

Leonardo Silva e Tomaz Matos afirmam que não receberam nenhum tipo de treinamento para casos de emergência. Já Luis Marques, jogador do Grêmio, alega ter recebido a capacitação necessária em situações de incêndio.

Procurados pela reportagem, a Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul e a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) afirmaram que não possuem gerência sobre assuntos referentes aos cuidados com as crianças e adolescentes que vivem nos alojamentos. A FGF destaca que este tema diz respeito aos clubes e aos órgãos de fiscalização. Já das solicitações feitas aos clubes de futebol, apenas três dos seis times responderam a entrevista.

Acompanhamento psicológico

Além dos cuidados com as instalações dos alojamentos, o acompanhamento psicológico com esses atletas é de grande importância, como afirma a psicóloga e doutora em Movimento Humano na Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rafaela Bertoldi: “esses jovens atletas encontram-se em fase de desenvolvimento tanto físico como emocional e quanto maior for a rede de apoio a esses atletas, mais recursos psicológicos o atleta vai ter para enfrentar a adversidade”.

Leonardo Silva, sobre a sua experiência no local, diz: “se eu for te contar cada dificuldade que é encontrada dentro de um alojamento, dava até pra fazer um livro”. A respeito do acompanhamento psicológico, ele confessa que já viu ex-colegas chorando por não aguentarem a angústia de estarem longe da família e por não terem um profissional para auxiliá-los.

Leonardo ainda afirma: “muitas vezes os nossos psicólogos éramos nós mesmos.” O mesmo disse Tomaz Matos, que complementa ao expor que esse companheirismo entre os colegas de time era o que os auxiliava “porque estavam no dia a dia ali vivenciando as mesmas coisas.” Luis Marques, em contrapartida, assegura que o acompanhamento psicológico era diário e que o psicólogo do clube possuía uma sala no alojamento e ficavam à disposição dos jogadores.

Questionados sobre a existência de psicólogos para atendimento aos jovens, o presidente do Centro Esportivo Santa Cruz afirma que caso os meninos necessitem de acompanhamento, é feito um direcionamento a um profissional e que o clube procura sempre fazer palestras de sensibilização com um psicólogo do esporte. Já o coordenador das categorias de base do Brasil de Pelotas destaca que eles possuem um grupo de psicólogos que atendem as categorias sub-13, 15,17 e 20. O Internacional conta com dois psicólogos para atendimento, Rafaela Bertoldi e Sérgio Murilo Hey. O clube ainda ressalta que há duas modalidades de atendimento, “o acompanhamento psicológico acontece tanto de forma individual, bem como coletiva, através de dinâmicas de grupo.”

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Madu Porto
Local e Esportivo 2020/1

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 24 anos.