Futarquia

Victor Maia
5 min readDec 29, 2016

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Como eu falo sobre isso as vezes e pouco se tem escrito sobre em português, eu resolvi escrever esse post, com um resumo da Futarquia.

No que tange sistemas econômicos, existem dois grandes vencedores. De um lado, temos o Capitalismo, um sistema extremamente eficiente, que impulsiona a economia, mas gera desigualdade social. Do outro lado, temos o Comunismo, que, no curto prazo, resolve o problema da desigualdade, mas, a longo prazo, destrói a economia e tende a uma miséria geral. Alheio a essa dicotomia, temos a Futarquia, que, em resumo, une o melhor dos dois mundos.

A Futarquia, assim como o Comunismo, coloca os valores humanos e o bem comum como a base fundamental de tudo. Porém, assim como o Capitalismo, ela proporciona um ambiente onde o mercado livre pode prosperar. Para fazer isso, ela parte do princípio assumido que o humano é egoísta e individualista, e, então, aplica conceitos de Teoria dos Jogos para derivar um sistema político e econômico onde o mercado se torna “refém” dos interesses da população.

Em resumo, funciona da seguinte maneira: a população vota em valores, o mercado vota em medidas. No que diz respeito a valores, a população tem a voz absoluta, através de voto direto. Em outras palavras, os objetivos e as metas da nação são traçadas pela população, e podem incluir qualquer métrica mensurável. Por exemplo, a população poderia (e iria) eleger o valor “redução da violência domiciliar” como um princípio fundamental a ser alcançado. Outros valores como “melhora da economia” ou “amenização da pandemia” poderiam ser votados, abrangendo todo espectro econômico, político, científico, cultural da nação. Obviamente, esses valores seriam especificados em documentos mais detalhados que uma simples frase, porém, o ponto é: a população vota diretamente em metas, e não em um representante que supostamente alcançará esses metas. De certa forma, até aí, o sistema é extremamente Comunista, já que ele coloca o bem comum como um pilar fundamental que está acima do mercado.

Mas, então, como chegamos a esses ideais? É aí que a Futarquia se separa do Comunismo. Ao invés de anular completamente o mercado livre, e de acreditar cegamente que um governo humano será capaz de tomar as decisões certas, e em cidadãos utopicamente alinhados com o sistema, a Futarquia leva em consideração o egoísmo e a incompetência humana, fazendo com que o tomador de decisões seja não um governo, mas, sim, um sistema automatizado, ancorado no mercado livre, porém de forma contida, que o faz “refém” do bem comum. Em resumo, a ideia é que as medidas que serão adotadas para chegar a esses objetivos serão tomadas por um mercado preditivo, onde qualquer cidadão pode participar. Isso é melhor explicado com um exemplo.

Suponha que a meta a ser alcançada é “amenização da pandemia” (obviamente, de forma mais detalhada). O governo, então, pede para a população enviar sugestões de medidas que alcançarão essa métrica. Qualquer um pode enviar qualquer sugestão, por mais horrível que seja. Porém, a sacada é o mecanismo que é usado para escolher, dentre centenas de propostas, a medida a ser adotada. Esse mecanismo se chama “mercado preditivo”. Para cada sugestão enviada, dois mercados preditivos são abertos, prevendo o sucesso e o fracasso daquela medida, respectivamente. Por exemplo, suponha que alguém envie as seguintes soluções: “lockdown” e “vacinação”. Abre-se o seguinte mercados preditivos:

Lockdown/SUCC: “a adoção do lockdown amenizará a pandemia”

Lockdown/FAIL: “a adoção do lockdown piorará a pandemia”

Vacina/SUCC: “a compra de vacinas amenizará a pandemia”

Vacina/FAIL: “a compra de vacinas piorará a pandemia.q

Obviamente, o documento será muito mais específico que isso. E, obviamente, propostas podem combinar varias soluções. Esse é apenas um exemplo brando; vamos assumir, por hora, que apenas uma dessas duas soluções poderiam ser adotadas. O ponto é, a partir do momento que esse mercado é aberto, eles funcionam como ações da bolsa. Qualquer cidadão, físico ou jurídico pode comprar títulos de um desses dois mercados. Após um período pré-determinado, o mercado com maior valor do título de sucesso será escolhido. Por exemplo, se, no final do período, temos a seguinte situação:

Lockdown/SUCC: R$ 61

Lockdown/FAIL: R$ 39

Vacina/SUCC: R$ 80

Vacina/FAIL: R$ 20

Nesse caso, teríamos um indicativo que o mercado livre acredita que, dentre essas duas opções, comprar a vacina traria o melhor resultado frente ao objetivo de amenizar a pandemia. Sendo assim, o mercado Lockdown é totalmente revertido (compradores desse mercado tem seu dinheiro retornado), e o governo decide adotar a medida “Vacina”. A partir desse momento, entramos na fase de execução da proposta. Após essa fase, que pode durar, supõe-se, alguns meses, o sucesso da medida seria analisado através de métricas bem definidas. Se a medida for bem-sucedida, aqueles que detém títulos Vacina/SUCC recebem uma recompensa financeira, e aqueles que detém títulos Vacina/FAIL saem no prejuízo. Se, por algum motivo, a vacinação fracassar, então o oposto ocorre: quem apostou contra a vacinação sai no lucro, e quem apostou a favor sai no prejuízo.

Em resumo, essa é a Futarquia. Talvezm apenas através dessa curta descrição, isso não seja óbvio, mas a tese é que esse sistema, no longo prazo, traria prosperidade econômica e cultural para a nação. O motivo é que a sociedade vota nos seus valores, enquanto o mercado é forçado a lutar para alcançá-los. Ou seja, se, por exemplo, uma medida adotada trouxesse resultados que vão contra o que a sociedade demandou, entãoaqueles que apostaram naquela medida perdem dinheiro, tirando, dessas pessoas, o poder de decisão nas próximas propostas. É um sistema que se auto-corrige; ou, em termos técnicos, seu equilíbrio de Nash converte à prosperidade e ao bem geral.

Como um exemplo, imagine que o mercado vote na medida “promover filmes machistas” como uma solução para resolver a “violência doméstica”, sendo esta um valor eleito pela sociedade. Quando a medida de sucesso for realizada, quem quer que tenha apostado nessa medida vai sair com um prejuízo gigantesco, pois, obviamente, o índice de violência doméstica aumentaria após uma medida absurda como essa. Isso faria com que essas pessoas perdessem dinheiro e, portanto, seu poder de tomada de decisão. Na prática, porém, isso não acontece, porque o mercado é egoísta e ninguém quer perder dinheiro. Sendo assim, naturalmente as soluções mais promissoras seriam sempre adotadas.

Em resumo, a Futarquia é um sistema com valores comunistas e execução capitalista, onde o mercado, ao invés de ser eliminado, é colocado para trabalhar para o povo. Claro, existem inúmeras falhas e desafios a serem contornados antes de esse sistema ser realmente aplicável na prática. Por hora, trata-se apenas de um esboço de ideia com bastante grande potencial. O maior problema da Futarquia, em geral, é na métrica de sucesso: é difícil determinar se um resultado foi consequência direta de uma medida, ou de outras variáveis. Mas, o importante é que, em tese, a Futarquia, diferentemente do Comunismo, tende a um equilíbrio de Nash onde haja prosperidade econômica, e, diferentemente do Capitalismo, tende a um equilíbrio de Nash sem desigualdade social; combinação esta que não ocorre na análise formal de nenhuma das outras alternativas.

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