E aí, seu Arnaldo?

Maicon Douglas Barbosa
3 min readOct 15, 2015

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15 de agosto de 2015. Noite em SP. Estação CPTM Guaianases. Fila da lotação 3064 Cidade Tiradentes/Guianases, eu sou primeiro da fila, sentei na frente porque virou costume depois que dois caras entraram e assaltaram a galera que tava do lado de lá da catraca.

O fiscal da um salve no motorista pra ele levar um tio de carona até o posto de gasolina. Firmeza, ele leva.
Ele senta do meu lado, fica uma cota. Mando SMS pro meu parceiro e guardo o celular. Reparei que ele tava olhando diretamente pro celular, levantei a cabeça e ele desviou o olhar.

Mais uma cota de silêncio.

Não tava fedendo a pinga, mas nitidamente ele tava um tiquinho alterado, etilicamente falando.

Quando a lotação parte, ele puxa assunto “Eu vi você mexendo no celular e me lembrei de uma reportagem que li esses dias. Por causa do celular as pessoas tão ficando com o pescoço pra frente (imitou minha postura)”, disse que eu parecia um moleque inteligente, me contou da vida dele, da infância dele, de como foi alfabetizado, de como ajudava a professora e do seu primeiro emprego: ele escrevia cartas pra vizinhança.

“Eu era o fofoqueiro da vizinhança. Eu escrevia as cartas de todo mundo”.
Me contou de como a professora dele apoiou a pira dele de escrever, lembrava do nome dela ainda: Margarida. “Ela me disse uma vez ‘Um dia eu quero ver seu nome na capa de um livro, Arnaldo’”

Seu Arnaldo me contou que tem TRÊS novelas escritas, que tem outras tantas historietas escritas, que tem uma história, “O Edifício”, que sempre que ele volta a escrever alguém “rouba a ideia dele”. Primeiro foi o final da novela Torre de Babel, depois o 11 de setembro. Certa hora dialogamos só com “E aí?”, foram umas quatro vezes de “E aí?” pra cá e pra lá. haha

Seu Arnaldo, se pá, não era um tiozão free talk, uma hora ele chega e fala pra ele mesmo em voz alta “O que você tá conversando hoje, hein Arnaldo?”
“Eu vejo tanto moleque novo lançando tanta MERDA e eu com 68 anos tenho essas histórias, todas na gaveta”.

“Mas tem que mandar pro mundo, seu Arnaldo”, toda vez que eu falava isso ele ficava quieto ou arrumava outro tópico pra destrinchar.

“Eu escrevo e quando releio penso ‘Isso aqui não vale nada’, aí boto tudo na gaveta”

Seu Arnaldo falava bem, tinha base no que falava, gostava de ler LIVRO, escrever com CANETA E PAPEL. Seu Arnaldo era um tiozinho descolado.

“Falava”, “tinha”, “gostava” porque é provável que eu nunca mais encontre o grande seu Arnaldo. Cada pessoa na rua é um número, mas a vida de cada uma delas é universo cheio dificuldades e felicidades que nem a sua vida e a minha.

Agora se liga.

Imagina quantos seu Arnaldo não tem de quebradinha por aí, no silencio, que quer trombar um Maicão no busão pra desabafar depois dumas dose de pinga?
Imagina quantos seu Arnaldo aí não vive o seu sonho porque não confia nele, não se acha bom o suficiente?
Imagina quantos seu Arnaldo tem por aí que suprimiu o seu sonho na de levar uma vida normal pra descolar uma grana?
Imagina quantos seu Arnaldo não tão aí pelo mundão…

E aí?

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