O Novo Negro Não Tem Medo

Na década de 1920, Marcus Garvey já dava o papo sobre o que precisava nossa comunidade, um novo negro, sem medo

Táíwò Òkòtó
4 min readJun 15, 2020

É muito aceito o discurso de que a gente precisa parar de criticar uns aos outros, ou de fazer isso abertamente, coisa e tal. Eu, sempre controverso, indo na contramão de quem não quer evoluir, penso o contrário. A gente não precisa parar. A gente tem até que fazer mais.

A gente sempre diz que o outro tem que aprender a falar, mas será que a gente sabe ouvir? Será que o problema não está justamente aí?

O que precisamos não é parar de criticar, o que precisamos é aprendermos a ser criticados. Precisamos de críticas. Mais críticas. Muitas críticas. Porque é por falta delas que temos muitos acomodados. O que mais temos é gente que vê o errado e não critica por que ninguém sabe ser criticado. Com isso, a pessoa prefere não fazer a crítica que se faz necessária. Mas não é por puro altruísmo, pra não magoar o outro, não. Em geral, as pessoas seguram suas críticas por dois motivos:

1) porque ela não vai ser bem recebida e vai gerar desgaste, muitas vezes resultando até em perda de amizade;

2) porque já tá pensando no dia seguinte, ou seja, já não critica pra não receber crítica, aí fica aquele jogo de cumpádi, acordo de cavalheiros, em que ninguém empurra (critica) ninguém e ambos não saem do lugar,

Tanto em 1) quanto em 2) o bagulho é sobre covardia. E eu já falei pra vocês sobre o Kilûmbu Òkòtó — nosso trabalho pela educação desse novo povo preto, sem medo — e como ele é tão odiado por criticar quem não gosta de ser criticado, romper com esse acordo de cavalheiros tácito, né?

Todo mundo vê o errado, todo mundo queria que fosse feito algo. Mas quem quer fazer?

Pelo fato de a maioria por aí ser covarde e fazer de tudo pra ser amado, sempre fazendo vista grossa pro errado, principalmente levando em consideração o lugar de onde o erro vem, quem chega, quebra o acordo de cavalheiros e aponta o dedo mesmo é visto como o demônio. E tem gente que nunca teve treta com a gente. Nos odeia por antecipação. Porque sabe que aquilo ali — alguém que nao fará vista grossa — limita o conforto dela, a margem de erro, a displicência. Faz parte. É isso mesmo. Que seja!

Um lance interessante dessa covardia dos demais, é que a gente acumula a represália que seria dirigida a outros se não fosse esse comportamento medroso. Todo mundo vê o errado, todo mundo queria que fosse feito algo. Mas quem quer fazer? Nesse ponto, é sintomático o fato de recebermos tantos prints. Alguns com um lembrete “ó, não fala que fui eu que mandei, não”.

todo mundo por aí falando sobre masculinidades alienadas (pouco ainda sobre feminilidades) mas quem tá apontando essa construção pra ser covarde, uma construção distorcida que pesa sobre os dois gêneros? Porque o que vejo, nesses papos de masculinidades, é até o contrário, esse comportamento castrado sendo reforçado, estimulado. É muito papo “desculpa por ser homem de quem nunca nem foi”.

Dentre muitas coisas que nosso Kilûmbu oferece à comunidade, muitas coisas importantes, uma das mais preciosas, que faço questão de repetir, é sobre essa formação de homens e mulheres que não se acovardam, que não sejam covardes. E nisso, Malcolm X nos é grande parâmetro, grande inspiração. Ele não falava o que você queria ouvir. Ela falava o que tinha de ser falado, goste você ou não. Ele descia mesmo a madeira nos nossos, apontando os diversos pai João. Ele falava, na cara, o que os branc’os não queriam ouvir, gostassem eles ou não.

Citando Malcolm X:

“Eu sei que você não gosta de me ouvir dizer isso, mas eu… eu não sou o tipo de pessoa que vem aqui para dizer o que você gosta de ouvir. Eu vou te dizer a verdade, goste ou não”

Isso é sobre coragem. Malcolm foi um dos maiores exemplos de coragem que tivemos, e temos que honrar essa memória. Temos que quebrar essa construção nossa toda baseada no medo. O que mais nos impede o avanço é o medo. O principal artifício para a manutenção de um sistema de opressão é o medo. É o medo da represália. É o medo de fugir. É o medo de não conseguir. É o medo. Sempre o medo!

Registro da Parada da UNIA no ano de 1920

THE NEW NEGRO HAS NO FEAR

Garvey, na década de 1920, há quase 100 anos, tinha dado o papo:

“The New Negro Has No Fear” (O novo negro não tem medo!)

Caralho! Cadê esse negro? Retrocedemos?! 100 anos?! 100 anos!!

Stop sweet-talking! (Chega de fala doce)

Foi o que disse, na década de 1960 Malcolm X.

“Ainnn fala direito” é o caralho! “Tenha paciência” é o caralho! Temos que tomar uma postura enérgica mesmo. Estamos sendo massacrados. Ou você me diz que a cada 23 minutos tem um nosso morrendo ou você fica pedindo tempo pra se acertar com suas besteiras.

Levante, “sua raça de covardes!” (You race of cowards!), como diria o próprio Garvey!! Sem medo! Tem que falar mesmo! Stop sweet-talking! Tem que ir pra dentro.

E chega dessa onda de esperar um novo Malcolm, um novo Garvey. Vocês não estão honrando a memória dos primeiros. Quem nos garante que tratarão melhor um segundo? Quem sabe no dia que começarmos a honrar o legado dos primeiros a gente se faça merecedor de eles renascerem de dentro de nóis mesmos… Mas pra isso… pra isso, a gente tem que começar a fazer brotar de dentro da gente um novo negro. Um novo negro! Moldado pelo lema:

O Novo Negro Não Tem Medo!

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