ENCONTRO DE SANDÁLIAS E ALMAS

Maíra Matrone
3 min readOct 20, 2022

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Caí de paraquedas nas dunas de areia, calor escaldante, mar de águas claras e uma horda de jovens, como era eu naquela época. Fui preparada para dias de sol, amizade, natureza, amores e forró. Opa, forró não! Eu não tinha a menor habilidade para a dança, ainda mais com um par. O arrasta sandália definitivamente não era para mim, e tudo bem. Bastava assistir os casais-pássaros deslizando na pista de cimento com areia, tomar uma caipirinha no canudinho, observar o burburinho e quem sabe até descolar uma paquera, ou melhor, um crush, tradução para os que nasceram bem depois dessa viagem.

De blusa branca e minissaia de fundo azul-marinho com florzinhas vermelhas, saí de cabelos molhados, perfumados com um xampu de camomila, sandálias rasteiras próprias de uma pseudo dançarina. Era preciso fingir pertencimento. Com as minhas comparsas me atirei pelas ruas de terra. Cheias de fuxicos e risadas caminhamos em direção da única atração noturna do vilarejo, o Forró. Um galpão coberto por telhas aparentes, chão e balcão de cimento, duas caixas de som abafadas.

Quem tem amigas dançantes já conhece o protocolo. Enquanto elas procuram pares para curtir o baile, você se acomoda em um lugar onde possa ficar invisível aos olhos dos bailarinos. Nunca gostei de parecer antipática. Defeito de sagitariana.

Era mais uma noite de baile sem bailar, quando encostou no meu ombro, no meu canto seguro, um bailarino. Mas não era um bailarino como outro qualquer. Não um que arrasta pé. Não um que gastava suas noites no bate-estaca das baladas urbanas. Era um que vestia sapatilhas, frequentava palcos, estudava movimentos e era aplaudido no final dos espetáculos de um teatro famoso da capital.

- Por que você não dança?

- Falou comigo? Eu? Não faço a menor ideia como isso funciona.

- Você sabe andar?

- Sim. Respondi com uma cara de interrogação, já meio sem paciência.

- Quem sabe andar, sabe dançar.

- Você não me conhece.

- É você que não me conhece.

Ele se apresentou, me disse que era bailarino e que me ensinaria a dançar. Eu como uma incrédula, insisti que estava tudo bem que ele não precisaria gastar as horas de lazer dele comigo. Fui contundente: É uma perda de tempo. Além do que estou super bem, não preciso aprender a dançar nessa vida. Ele riu e gentilmente me pediu para tentar. Cedi para não ter que argumentar mais.

Ele sem pensar me levou para o centro do salão, e eu só pensando que era muita ousadia para uma principiante se colocar em lugar de destaque. Ele confiança. Eu pânico. Meu pé parecia um imã atraído pelo pé dele. A cada tentativa uma pisada. Sem querer ser um estorvo para o bailarino, estava prestes a desistir quando ele me contou o segredo dos casais-pássaros:

- Entregue-se. Você não precisa dançar, deixe que eu dance por você.

Pela primeira vez as palavras foram ouvidas pelo corpo. Me deixei levar. Como mágica eu desfilava pela sala de reboco, em passos e ritmos. A música era sentida do dedão do pé até o último fio de cabelo. As sandálias chiavam, a minissaia flutuava, os cabelos voavam em rodopios espalhando aroma de camomila pelo ar. Experimentei o êxtase.

Depois daquelas férias eu abandonei o lugar invisível e a cadeira discreta. A dança se tornou uma companheira indispensável. Em que mundo eu vivia antes dela? Dançar é curar-se, é meditar, é se esquecer do dispensável e lembrar-se do essencial. É ser quem se é.

Eu nunca mais encontrei o bailarino e nem me lembro do seu nome. Só me lembro do quanto a sua alma mudou a minha.

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Maíra Matrone

Um caldo de histórias vividas e lidas. Autora do @cantehistoria, perfil que conta a História através da Música.