Maíra Teixeira Silva
6 min readAug 16, 2017

O sonho de melhorar o mundo e as relações reuniu 58 pessoas de 21 países em Santos (SP), no mês de julho, para uma jornada de autoconhecimento e cujo objetivo é cultivar comunidades. Na 10ª edição do Guerreiros Sem Armas (#GSA2017), curso vivencial em liderança e empreendedorismo social criado pelo Instituto Elos, dois morros de Santos (Largo do Machado e Fontana, ambas no Morro do São Bento, região central) e um bairro gigante em São Vicente (México 70), conviveram por 20 dias com grupos que batiam às portas da casa das pessoas e as chamavam para construir algo em sua própria comunidade. Os GSAs não estavam ali para fazer algo para a comunidade, mas para construir algo COM os moradores daquele lugar, transformar sonhos em realidade.

“Uma pessoa vem de fora da comunidade e consegue despertar algo que estava adormecido. O poder de realizar em grupo, a força da cooperação. Isso é muito poderoso, mas muitas vezes se perde. O papel do guerreiro sem armas é lembrar isso para os outros e para si mesmo”, disse Kaka Wera em uma das práticas baseadas na pedagogia indígena, que norteia, em parte, o curso Guerreiros Sem Armas.

Mas @s Guerreir@s não chegam prontos a Santos. Antes de ir para as comunidades, ficam quatro dias alojados juntos aprendendo a cultivar a experiência de viver em grupo, de forma cooperativa, baseada no auto-cuidado e gestão. Olhando para o outro e para si. Respondendo as suas demandas internas e sintonizando-as com as do grupo. “Trabalhar e agir a partir de um lugar de amor”, segundo frase de Eileen Caddy, uma das fundadoras da comunidade holística Fundação Findhorn, personalidade que inspira o Elos.

@s Guerreir@s se dividiram em grupos de oito pessoas para cuidar do espaço que os alojava, o Cefas (Centro de Formação para o Apostolado de Santos), alugado pelo Elos para receber a imersão de 32 dias. As atividades rotineiras propostas e realizadas pelos times eram: acordar, lavar, receber como anfitrião, embelezar, cultivar, compartilhar e descansar.

Depois de quatro dias cultivando a própria comunidade de participantes, o grupo foi dividido em três e chegou a hora de sair e cultivar as comunidades no Fontana, Largo do Machado e México 70. O desafio era chegar a esses locais, aprender os sete passos da Filosofia Elos na prática com os moradores, e depois entender a teoria, nas aulas e práticas no Cefas. Experimentar antes e aprender depois. Algo poderosamente transformador!

O primeiro passo, o olhar. Ver aquela comunidade dentro de uma lógica abundante é como se despir de pré-conceitos. O que de positivo e abundante existe ali? As relações das pessoas, algum recurso material “invisível” que pode ser transformado em matéria-prima para construção (como o bambu, por exemplo), os recursos humanos (profissionais de diversas áreas, como pedreiros, costureiras, produtores culturais), a alegria e a curiosidade das crianças.

Depois, o segundo passo, criar afeto. Como fazer com que as pessoas da comunidade se abram para a transformação proposta, até então impossível e impensada. Construir algo coletivo, com os recursos e mão de obra disponíveis no local. Para seguir a caminhada é preciso conquistar a confiança e isso se faz pelo afeto, pela escuta, pela construção de vínculos; olhando para o outro ser humano - saindo um bocado de si.

Ao longo dos 20 dias de convivência é preciso construir um sonho coletivo das pessoas que moram nesses lugares. Nessa terceira etapa, o sonho, é preciso que cada guerreir@ trabalhe internamente o fato de construir algo para — e com — o outro da comunidade visitada. Muitas vezes o sonho da comunidade não é o mesmo da gente. Como retirar o ego nesse processo? Essa pode ser uma das tônicas do processo, uma dificuldade, um aprendizado. O trabalho do grupo é, então, ouvir atentamente os anseios e traçar planos de construção sem pensar, por ora, nos recursos disponíveis, mas elaborando a capacidade ainda inata de achar tudo que se precisa. Parece impossível, mas a prática mostra que não é.

Na etapa seguinte, o cuidado, proporcionado pelos encontros com a comunidade já engajada, cultivada. Uma espécie de “Vem com a gente! Vem realizar!”. A fase do cuidado leva ao desenho e a criação do sonho. Maquetes feitas coletivamente criam protótipos do que será construído em conjunto, no mutirão, o próximo passo.

Então é chegada a hora do milagre, etapa onde toda ajuda é necessária, assim como colocar a mão na massa. Ir para a construção braçal. É no milagre que se materializa tudo. Assim, a maquete traz o sonho de uma mesa de pingue-pongue de concreto, mas não há material. Equipes de guerreir@s e moradores saem pela comunidade (ou por toda a cidade) em busca de doação de cimento, de pedreiros. São os caça-talentos e caça-recursos.

Os recursos estão todos disponíveis nesse mundo. Essa é a lógica da abundância que aprendemos no primeiro passo (eu aprendi muito no Jogo da Abundância, que foi minha captação coletiva pra chegar ao GSA). A missão é só encontrá-los e levar para o mutirão. Isso vale para uma horta, um parquinho, um mirante. Precisa de madeira e bambum para bancos e cercas, brinquedos, mudas de plantas, ferramentas, carrinho de mão. Está tudo disponível! na comunidade! É só localizar e pedir. Contamos nessa fase com o fato de termos cultivado a comunidade, o vínculo estava criado. A equipe de caça-talentos bate às portas e pede ajuda para quem sabe construir, pede material para quem tem algo sobrando. O milagre se faz assim. Coletiva e cooperativamente. Do nada para o concreto. Nessa busca — e com a participação das pessoas que vivem na comunidade, d@s guerreir@s e de convidad@s, pessoas de fora que aparecem para construir esse sonho coletivo. O resultado disso pode ser visto nas fotos!

Depois do trabalho coletivo e cooperativo realizado, a lição de casa. Deixar a semente da re-evolução nos locais visitados para que aquela comunidade continue sendo cultivada pelos próprios moradores. O grupo de guerreir@s passa nas casas convidando para a celebração do milagre e re-evolução. Depois de apresentados os resultados — que são visíveis no espaço físico — é preciso fortalecer a rede das pessoas que participaram e ficarão para cuidar de tudo e evoluir coletivamente.

Deixar as comunidades, os afetos criados, é algo difícil. “A gente ri, a gente chora! E comemora o que passou”, diz a canção! Mas é necessário seguir, pois cada um do grupo tem de voltar para sua casa, para cultivar a sua própria comunidade. É assim que se cria o mundo possível, o que sonhamos. Ele pode ser construído agora. Os recursos são abundantes e disponíveis é só ir procurar! As comunidades do Fontana, Largo do Machado e México 70 são a prova disso!

Fotos: Alyson Montrezol e Instituto Elos

Maíra Teixeira Silva

comunicadora em busca de mobilização social pela igualdade: Possui a estranha mania de ter fé na vida