Aquele meu reflexo não é meu

Maitê Balhester
4 min readApr 22, 2016

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Eu já contei por aqui sobre o transtorno do pânico que enfrentei há alguns anos atrás e como eu ainda lido com a ansiedade diariamente. Eu vou estender mais um pouquinho esse tópico pois, apesar de não me definir, é algo tão presente em mim que de tempos em tempos eu preciso colocar alguns “tormentos” para fora para conseguir focar em outros pontos da minha vida. Alguns bebem, outros fazem terapia, eu faço tudo isso e ainda escrevo textões — que eu até tento fazer em uma sequência mais lógica, mas nunca dá muito certo

Estou em um processo de construção de um plano de desenvolvimento e de (re-) descobertas interessantes. Poder revisitar meus limites emocionais e perceber mudanças na forma como eu me vejo e como vejo o que acontece ao meu redor têm sido mais interessantes do que dolorosos — e isso é fantástico. E um “fantasma” que ainda enfrento com alguma frequência são as pequenas crises de pânico, que mesmo que eu saiba que estão vindo, é muito difícil de impedi-las e tenho optado por respirar fundo algumas vezes até passar (têm funcionado muito bem pois elas estão cada vez mais curtas, esparsas e quase nunca ocorrem quando estou fora de casa).

Os últimos meses foram particularmente intensos para mim. Primeiro porque parei de tomar remédio para a ansiedade após três anos (yey!), e com isso adormecer se tornou bem mais complicado do que era. E conforme o tempo foi passando, e coisas boas e ruins acontecendo, o momento que a ansiedade encontrou para aflorar foi ao deitar para dormir — depois que desligo todos os eletrônicos pois estou com sono, mas meu estômago queima e meus braços coçam porque tem algo me remoendo por dentro.

E ai hoje eu me deparei com uma matéria do Catraca Livre sobre uma mulher que tirou fotos dela após uma crise de pânico para comparar com o que ela “é” normalmente e para conscientizar sobre transtorno de ansiedade e de pânico (são níveis diferentes) e depressão — porque nós, que lutamos diariamente contra isso, sabemos o quão doloroso é tentar esconder ou, quando não escondemos, ouvir que “é louca”, “que não é nada”, “tem gente pior que ti”, “você é mais forte que isso”, yada yada yada. E eu achei essa mina corajosa para caramba — por que eu não consigo nem me olhar no espelho após uma crise.

Só para explicar, normalmente eu tenho espasmos musculares durante uma crise — normalmente é o rosto, que é onde tudo começou. Às vezes é algum músculo do peito, que faz com que eu me levante da cama em um pulo, suando, coração acelerado, respiração ofegante, olhos estáticos e pensamento de “é, fodeu, agora é de verdade”. Nunca foi de verdade pois né, ainda estou aqui. E invariavelmente, sinto como se o lado direito do meu rosto estivesse paralizado, então eu me dou uns beliscões e unho meu couro cabeludo para sentir dor.

E até ler essa matéria, olhar para o espelho após uma crise, quando vou jogar uma água no rosto para acalmar, é não me reconhecer naquele reflexo — aquela descabelada, pálida, com algumas marcas vermelhas dos beliscões, com a cara de assustada, mãos trêmulas e olhos quase sem vida é alguém muito parecida comigo apenas. É reviver, mesmo que por alguns segundos, tudo aquilo que acabou de acontecer e ficar esperando o próximo. É como se passasse um filme de todas as coisas ruins que já aconteceram, de todas as crises que já tive.

É ter pânico de sentir aquele pânico de novo.

E como uma foto me fez passar o dia repensando em como eu lido com isso?

É interessante o que acontece quando tu consegue se colocar no lugar de uma pessoa, mesmo quando tu não a conhece. Por mais distintas que as jornadas de vida sejam, naquele momento tu sabe o que está acontecendo fisicamente com ela. Minha maior vontade é de abraçá-la e dizer: “Eu te entendo e estou aqui.”

Essa cadeia de apoio é muito importante, já que por mais que tenhamos consciência que muito do que estamos sentindo não é “real” (no sentido de que não estamos à beira da morte), ter alguém para conversar, ou, no meu caso, apenas levantar meu olhar da minha tela do computador e encontrar outro olhar que perceba na hora o que está acontecendo e empatize contigo já é meio caminho andado para me acalmar.

Preciso tirar esse espaço para agradecer todos os olhares e abraços de todos que têm me ajudado nessa jornada. Espero estar conseguindo retribuir de alguma forma

E é isso que resolvi fazer comigo: da próxima vez que estiver sozinha durante uma crise, irei olhar no espelho e tentar empatizar com aquela pessoa do reflexo até me encontrar por ali. Eu penso muito em como posso ajudar pessoas que estejam passando por algo parecido com o que já passei e, pensando bem, se eu, depois de tanto tempo, ainda não aceito muito bem tudo isso, como posso ajudar de maneira mais efetiva?

Talvez encarar esse meu reflexo seja o passo de aceitação que está faltando nessa jornada.

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