Amar é querer o outro livre

Malu Leite
6 min readDec 12, 2018

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Eu sou daquelas que acredita que as pessoas complicam as relações muito mais do que deveriam. Penso que o individualismo e uma educação que nos ensina que devemos possuir as coisas também nos passa o ensinamento que o outro por quem nutrimos algum tipo de afetividade passa a ser propriedade nossa. É como se fosse uma interpretação distorcida do tornar responsável pelo que cativas d’O Pequeno Príncipe, sendo que num primeiro momento não faz sentido algum acharmos que somos donos de alguém só porque gostamos dessa pessoa.

Não é nem um pouco difícil encontrar relacionamentos onde as pessoas se comportam de um modo que tenta doutrinar o parceiro ou a parceira para agir como se estas fossem as únicas pessoas interessantes na face do planeta. Olhar para um outro alguém na rua? Não pode. Querer sair com as amizades e não com o(a) parceiro(a)? É inadmissível! Dizer que fulano ou fulana é interessante? É praticamente um crime! Qualquer pessoa que tenha o mínimo de inteligência emocional é capaz de perceber que tudo isso se trata de comportamentos possessivos e doentios, mas também não é absurdo nenhum dizer que isso acontece, e muito. E, esses são apenas alguns pequenos e banais exemplos de que quase todo mundo está emocionalmente cru, ou desesperado, ou doente, ou tudo isso de uma vez só.

Quem me conhece sabe que sou uma romântica irremediável. Numa era onde tudo é efêmero, superficial e esguio, ainda sou daquelas que não se apetece muito com lances casuais e que busca por grandes paixões, daquelas que parecem amores de comédias românticas. A contradição nisso tudo é que sei que esse tipo de relação não existe. Pelo menos não sem muito esforço, paciência, dedicação e empatia envolvidos. De fato, o que não existe são amores mágicos que funcionam em modo automático, logo, penso que para ser feliz no amor é necessário muita, mas muita inteligência emocional e o mínimo que seja de maturidade.

Como disse, sou uma romântica irremediável, o que faz com que eu não tenha tido muitos relacionamentos. Fui casada uma vez e sinto que dentro das possibilidades da nossa existência falha foi um casamento perfeito. Isso mesmo, foi. No passado. E é aí que vem o primeiro ponto que ao meu ver faz com que relacionamentos fracassem: a premissa de que para ser um relacionamento bem sucedido ele precisa ser “eterno”. Como disse agora há pouco, cada vez mais as relações humanas são efêmeras e superficiais, o que faz com que a tentativa de tornar qualquer tipo de relacionamento eterno seja além de ingênuo, também um cárcere para todos os envolvidos que vão se tornando cada vez mais reféns de uma longevidade que em algum momento pode ter perdido qualquer tipo de sentido. Não estou aqui para dar soluções padrões e infalíveis para todos os relacionamentos do mundo, mesmo porque nem tenho capacidade para isso, mas acredito que se houvesse mais esforço em prezar pela qualidade das relações do que por quanto tempo vai durar, talvez tivéssemos pessoas mais felizes e capazes de contribuir para a felicidade de quem se ama também. Acredito que o medo do fim é ironicamente um dos algozes de muitas relações. É importante entender que tudo é feito pra acabar e que é justamente esse o grande motivo para fazer com que cada momento seja especial pela sua espontaneidade em si, livre do peso da cobrança de um depois. Ah, e mais uma coisa, a saúde dessa relação deve ser sincera e visando o bem-estar dos envolvidos, afinal, está cheio de relacionamentos falidos que se mantém por causa das aparências, não é mesmo? Sinceramente, tenho muita pena dessas pessoas.

Outro problema muito comum é o que disse lá no começo, o sentimento de posse. Quero saber de onde tiraram a ideia estúpida de romantizar ciúmes, de dizer que ele faz parte da relação e que em certa dose é saudável. Sério mesmo que tem gente que acredita nisso?! A única coisa que tenho a dizer sobre ciúmes é que ele não deveria existir. Vejo claramente que é um sentimento que denota insegurança de quem o sente e/ou possessividade, vendo a outra pessoa como uma propriedade que deve ser defendida a todo custo. Acontece que se você for uma pessoa ciumenta tenho uma novidade pra você: ninguém é dono de ninguém. Amar é querer ver o outro livre.

Um dia apareceu revirando o lixo lá de casa uma gatinha preta de rua. Eu a alimentei, cuidei dela, dando amor, carinho e atenção, mas ao mesmo tempo sempre deixei a janela aberta. E, por mais que ela sempre dê seus rolês, principalmente quando não estou em casa, sempre volta pra ficar aconchegada junto comigo. Nunca a prendi para que ela ficasse, dei motivos para que ela não fosse embora. Sempre deixando a janela aberta, claro. Porque se algum dia a vontade dela for a de partir, não tenho o menor direito de impedir, por mais que a minha vontade seja de que ela fique. Caberá a mim apenas torcer para que dê tudo certo e não fechar a minha janela. Pra mim amar é isso, querer que o melhor para o outro mesmo que esse melhor não seja você. É fazer o possível para dar a quem se ama as ferramentas para que essa pessoa seja protagonista de sua própria história, autora dos seus próprios caminhos, sendo a relação apenas uma consequência disso tudo, e não o objetivo final dos esforços. O problema é que as pessoas, justamente por não enxergar as relações com leveza, as interpretam como um cárcere, como uma escolha que as restringirá possibilidades ao invés de expandi-las. Mas qual ser humano em sã consciência optaria por algo assim? Se relacionar dentro de um escopo desses não faz o menor sentido. Por isso que estar com alguém precisa basicamente ser algo que te potencialize, que te torne maior. Se um relacionamento fosse uma equação matemática, os parceiros deveriam ser como fatores que se multiplicam e não que se subtraem. Manter uma relação precisa ser algo que te faça se sentir mais livre, mais plena, mais radiante, mais feliz, se não é algo completamente descabido.

Outra contradição que vivemos é que somos moldados para sermos individualistas, mas ficar só é tido como um fracasso. E isso também é um problema grande porque faz com que um monte de gente permaneça em relacionamentos lixos só para não estar sozinha. Só que como diz o ditado, realmente, antes só do que mal acompanhada. Com certeza estar sem ninguém é muito menos fracasso (aliás, não é fracasso nenhum) do que estar com alguém que te põe pra baixo, te deixa mal, doente. E, continuando o festival de clichês, é aquela história: “Não procure alguém que te complete, seja completa e encontre alguém que te transborde”. Mas se não quiser estar com ninguém não tem problema nenhum também, você não é uma pessoa fracassada por isso, muito pelo contrário, tenho certeza que mesmo pra quem quer estar em um relacionamento a autossuficiência é um elemento chave pra que tudo dê certo.

Por fim, ter sinceridade e confiança total são ingredientes fundamentais. Se você não consegue e/ou não sente liberdade para conversar sobre absolutamente qualquer coisa com a pessoa que está com você acredito que é um sinal de alerta pra sua relação. Se não confia plenamente em quem está contigo talvez as coisas não estejam muito bem. Se o seu amor também não é seu/sua melhor amigo(a), provavelmente tem algum problema aí. Afinal, não faz o menor sentido existir trincheiras entre você e a pessoa com quem pretende ou está construindo uma vida. A falta de transparência é um câncer que vai matando qualquer tipo de relação. Enfim, como já disse, não trago soluções, mas trago verdades de alguém que viveu o relacionamento dos sonhos, aprendeu muito com ele até que tudo chegou ao seu final, que com certeza foi um final feliz. É o relato de quem pode evoluir como ser humano ao viver um conto de fadas da vida real.

Mas e você, quantos finais felizes acha que consegue viver?

Por hora fico por aqui.

Beijos de luz.

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