12 Homens e Uma Sentença (1957): uma análise

Malu Guidugli
6 min readAug 25, 2023

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Em seu primeiro trabalho audiovisual, Sidney Lumet nos entregou uma obra atemporal e enriquecedora por sua temática e qualidade técnica.

12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men) — EUA, 1957 – 96' — Direção: Sidney Lumet — Roteiro: Reginald Rose — Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, Joseph Sweeney, Ed Begley, Jack Warden, Martin Balsam, John Fiedler, E. G. Marshall, Jack Klugman, Ed Binns, George Voskovec, Robert Webber.

Qual o valor de uma vida? Algumas vidas valem mais do que outras? É certo “apertar o botão” para outra pessoa? Esse é o dilema enfrentado pelos doze jurados na obra-prima de Sidney Lumet e um dos maiores filmes já feitos, lançado em 1957.

Doze homens formam o júri que irá decidir se um jovem será condenado ou não à pena de morte pelo assassinato do pai e a decisão deve ser unânime para a condenação ou absolvição. Temos em cena doze personagens completamente diferentes uns dos outros, com suas particularidades e personalidades, mas que são apenas como peças do jogo da justiça após entrarem no imponente tribunal — seus nomes são substituídos por números: Jurado 1, Jurado 2, Jurado 3 e por aí vai até o Jurado 12.

A grandiosidade do tribunal abre o filme em uma panorâmica externa de baixo para cima, mostrando a monumental fachada do prédio, e em seguida de cima para baixo no interior do tribunal, mostrando como as pessoas lá dentro são pequenas diante do sistema de justiça estadunidense. Comemorações de sentenças são reprimidas pelos guardas. Não é um espaço para emoções, e sim para a razão. Outro exemplo é o fato de nossos jurados não desenvolverem nenhum tipo de relação uns com os outros, apesar de terem momentos durante o debate que entram no âmbito pessoal de alguns deles.

O júri acontece no dia mais quente do ano em Nova York. A sala é pequena e os ventiladores não funcionam. Todos adentram a sala e vão passeando, conversando, tomando seus lugares à mesa, exceto o Jurado 8, nosso protagonista interpretado impecavelmente por Henry Fonda — ele se posiciona em silêncio em frente à janela afastado dos demais. Aqui já percebemos que ele é diferente dos outros jurados, o que se confirma quando, após iniciada a sessão, onze declaram o réu culpado e ele é o único que vota pela inocência do jovem. “Bem, tiveram onze votos de culpado. Não é fácil levantar a mão e mandar um menino para morrer sem falar primeiro sobre isso”. Aqui se inicia o conflito.

O contexto histórico desse filme é muito importante. Os Estados Unidos ainda eram um país segregacionista, não apenas com a população negra, mas também com a população latina. Visto que o réu não é um jovem negro, pode-se assumir que é latino, tendo em vista o racismo escancarado do Jurado 10 (“É assim que eles são, por natureza! Entende o que quero dizer? Violentos!”) — em um momento em que ele destila, agressivamente, todo o seu preconceito, a reação dos demais jurados rende uma das cenas mais bonitas do filme. Em 1957, ano de lançamento do filme, os EUA estavam iniciando o processo de derrubada da segregação racial, que só viria a ser confirmada em 1964. A escolha de Henry Fonda como protagonista é muito significativa nesse aspecto social. Além de seu inegável talento e histórico de interpretar mocinhos (até então), Fonda cresceu sendo ensinado pelos pais a ser antirracista e a ter senso de justiça, passando esses valores a seus filhos.

A ética e a moral são muito presentes no filme, tanto na discussão a respeito da condenação do réu como nas personalidades e, consequentemente, atitudes dos jurados durante o debate. Há três visões que podem ser observadas nos jurados, principalmente nos Jurados 3 (antagonista do filme), 7 e 10. Primeiramente, com relação ao Jurado 3, a definição de moral e ética pela visão de Kant e Kelsen é a que melhor se aplica: Kant afirma que a razão é que guia a moral e a ética, não podendo deixar que as emoções interfiram. A todo o momento, o Jurado 3 insiste nos fatos apresentados durante o julgamento como sendo verdade absoluta e critica os demais jurados que começam a considerar uma possível inocência do réu (“Bando de imbecis com coração de manteiga!”) — a ironia é que seu posicionamento durante o debate é completamente baseado em suas emoções mais profundas. Ainda no Jurado 3, é possível aplicar Kelsen, que afirma que o Direito se diferencia das demais ciências pelo seu poder de sanção: o Jurado 3 é o mais incisivo na condenação do réu e, consequentemente, na aplicação da sanção máxima, a pena de morte (“Ele tem que queimar! Vocês estão deixando ele escapar pelos nossos dedos!”).

Com relação ao Jurado 7, percebe-se a ideia de Kant a respeito de “pessoa sensível”: ele conhece a moral, mas não a aplica. Desde o início do filme, o Jurado 7 se mostra desinteressado em debater sobre a culpa ou inocência do réu. Ele vota com a maioria para acabar logo com a discussão e ir assistir a um jogo de baseball. Por fim, o Jurado 10 aplica-se à ideia de moral e ética elaborada por Marx e Engels: a moral e a ética refletem os valores da classe dominante. Logo, em um contexto de segregação racial, a “ética” racista ainda predominava nos EUA, sendo o Jurado 10 um representante dela.

Além das excelentes atuações e diálogos, o filme utiliza muito bem vários recursos técnicos, manejando muito bem plongées e contra-plongées, enquadramentos incríveis, a maquiagem para representar o suor e a exaustão dos personagens, cortes durante os diálogos e câmera fixa nas falas individuais dos personagens. O figurino representa a dualidade dos personagens do Jurado 8 e do Jurado 3 e a escalada da discussão — à medida em que o debate fica mais acalorado, os jurados tiram seus paletós, tanto pela tensão como também por estarem se despindo de suas certezas. A câmera explora muito bem o ambiente da sala do júri, sabendo os ângulos e os momentos certos para deixá-la mais ampla ou mais claustrofóbica. Por fim, o roteiro é fascinante e consegue dar espaço para os doze personagens, nos permitindo conhecer camadas de cada um.

Logo no primeiro trabalho audiovisual, Sidney Lumet nos entrega um filme que, ao mesmo tempo em que é uma aula de Cinema, é atemporal por sua temática. 12 Homens e Uma Sentença é enriquecedor a todos que o assistem.

Publicado originalmente em 18/10/2022 no blog do Centro de Crítica da Mídia (CCM) da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) da PUC Minas (https://blogfca.pucminas.br/ccm/analise-12-homens-e-uma-sentenca-1957/)

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Malu Guidugli

Estudante de Cinema e Audiovisual que ama escrever sobre essa arte linda 🎬💜