Tire os elefantes da sala (antes que seja tarde demais)

Mandalah
6 min readApr 24, 2024

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Ffiona Devasabai Rowland & Lourenço Bustani

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À medida que os líderes empresariais lidam com as inúmeras complexidades do mundo corporativo, eles são cada vez mais confrontados com verdades não ditas que se agigantam no ambiente de trabalho — “elefantes na sala”, por assim dizer, que muitas vezes os impedem de abordar e endereçar adequadamente a realidade diante deles. Embora esses elefantes possam aparecer na hora de deitar a cabeça no travesseiro, na maioria das vezes eles permanecem sem ser encarados no agitado dia a dia de trabalho. A cada dia que passa, essas agendas desconfortáveis ganham importância, colocando peso nos ombros e ansiedade nas mentes desses líderes.

Nossas próprias experiências — explicadas em profundidade pela neurociência — revelam que ignorar esses desafios ocultos apenas amplifica as emoções negativas, nos mantendo presos em respostas subconscientes ao stress. Por outro lado, dar nome às nossas maiores preocupações proporciona alívio, acalmando nossas mentes e nos ajudando a tomar melhores decisões.

Reconhecer essas preocupações, dilemas e escolhas silenciosas que ocorrem em nossas mentes também fomenta um senso de solidariedade, pois vamos percebendo que são questões compartilhadas. Ao trazê-las à luz, podemos iniciar conversas significativas, articular o poder coletivo e começar a abordar os desafios em conjunto.

A falácia do crescimento eterno

No fundo, muitos de nós sabemos que a cultura empresarial predominante, baseada na perseguição do crescimento e na maximização de valor para os acionistas (há muito tempo considerada a marca do sucesso nos negócios), está na verdade causando danos irreparáveis. Já excedemos a capacidade da Terra de satisfazer de forma sustentável as nossas necessidades de consumo, colocando em perigo os meios de subsistência, a saúde e a vida das pessoas em todo o mundo. As repercussões já não são abstrações distantes, mas realidades urgentes, palpáveis no nosso dia a dia.

Quanto mais fechamos os olhos para os danos colaterais do crescimento incessante, mais colocamos em risco o nosso bem-estar.

E, no entanto, para que as empresas sobrevivam, a máxima predominante segue ditando que elas devem continuar a crescer, mesmo que esse caminho nos coloque cada vez mais perto do abismo. Para os líderes, isso representa um belo desafio: como garantir a prosperidade de suas empresas, sem exceder os limites planetários e sem aumentar o gap entre os que têm e os que não têm?

A armadilha entre coragem e autopreservação

Muitos líderes empresariais reconhecem a necessidade urgente de mudanças radicais nas estratégias e abordagens. Vemos crises ambientais, desigualdades sociais e dilemas éticos pairando sobre nós. Mas será que compreendemos verdadeiramente o que essas mudanças significam para o nosso trabalho e o nosso dia a dia?

Estamos preparados para reconhecer que a profundidade e amplitude necessárias para a mudança poderá nos levar muito além das nossas zonas de conforto?

Quando se trata de alterar de forma decisiva as práticas empresariais, muitas vezes se colocando pessoalmente em risco, a hesitação tende a surgir. Desafiar o sistema existente com muito vigor pode significar perder o nosso lugar à mesa, ou uma consequencia mais grave. E embora possamos nos sentir forçados a seguir nossa bússola moral, muitos de nós também temos obrigações financeiras como contas para pagar, responsabilidades familiares e planos de aposentadoria a considerar. A incerteza do mundo apenas aumenta essas preocupações, nos tornando cautelosos em relação a qualquer coisa que possa pôr em risco as nossas posições, redes ou estabilidade financeira. Assim, em vez de defendermos as transformações de que nossas empresas necessitam urgentemente, muitas vezes nos vemos mantendo o status quo ou fazendo aquilo que sabemos ser muito pouco, tarde demais.

É claro que as empresas estão progredindo em termos de sustentabilidade, diversidade, equidade e responsabilidade social, mas normalmente apenas quando isso anda junto com um excelente desempenho de negócio. Quando acontece uma desaceleração, essas áreas são geralmente as primeiras a enfrentar cortes e despriorização. Este padrão raramente é reconhecido abertamente pelos líderes empresariais, e aqueles que tentam abordá-lo encontram frequentemente resistência. Assim o ciclo persiste, e continuamos cúmplices da nossa inação, aumentando o gap entre o que precisa ser feito e o que estamos dispostos a fazer.

Nos sentimos divididos entre as nossas aspirações de mudança e o medo das consequências.

Até que enfrentemos essa realidade de frente e tomemos uma posição, o peso da nossa indecisão irá apenas aumentar a cada dia, e as consequências serão mais graves.

Indo além do ponto de ruptura

A realidade que estamos vivendo é precária. Podemos sentir isso, mesmo quando não queremos reconhecer. As atividades humanas estão levando os sistemas naturais da Terra para além de suas capacidades de carga, ultrapassando limiares críticos conhecidos como limites planetários, conforme definido pelo Stockholm Resilience Centre. Esses limites incluem processos ambientais vitais como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a acidificação dos oceanos, cruciais para a estabilidade da Terra. Lamentavelmente, já ultrapassamos os limites seguros de várias dessas fronteiras, resultando em danos significativos e riscos crescentes de alterações ambientais irreversíveis. Estamos, portanto, à beira de pontos de inflexão sem volta, com consequências incertas se aproximando.

Diante dessa dura realidade, duas narrativas opostas competem entre si: a crença na salvação tecnológica e um sentimento de destruição iminente. Nossas mentes muitas vezes gravitam em torno de uma dessas narrativas, ou oscilam entre elas, movidas por um instinto humano de buscar conforto na certeza. Para alguns, a inovação tecnológica é um raio de esperança, prometendo nos resgatar da catástrofe. Para outros há uma perspectiva mais fatalista, convencidos de que o nosso destino está selado e que as tentativas de mudar o curso das coisas são inúteis. Embora certos avanços tecnológicos possam ser promissores, eles não são a panaceia para os desafios complexos que enfrentamos, especialmente quando eles mesmos podem gerar mais pressão sobre a biocapacidade da Terra através do aumento da extração e das emissões. Da mesma forma, desistir apenas nos imobiliza, nos tirando o ímpeto e perpetuando o status quo.

Viver com a probabilidade de colapso dos sistemas socioecológicos é agora a nossa realidade, exigindo que aceitemos o desconforto, assumamos riscos e façamos adaptações audaciosas sem a garantia de um resultado positivo.

É uma perspectiva assustadora, que desafia o nosso senso de controle e a necessidade de previsibilidade. No entanto, é também o primeiro passo crucial para a tomada de medidas efetivas, nos adaptando profundamente e construindo resiliência em antecipação ao que está por vir.

Falar desses elefantes na sala é um convite à ação coletiva. Nos impulsiona a transcender nossos medos individuais e a colaborar para um futuro que respeite a nossa humanidade compartilhada, as crianças e as futuras gerações. Falar com franqueza e coragem sobre os desafios e dilemas que todas as empresas enfrentam nos ajuda a ser mais pragmáticos e eficazes na hora de guiar nossos negócios e indústrias para o lado certo da história. Além disso, ao partilhar essas preocupações com outras pessoas, percebemos que não estamos sozinhos nas nossas batalhas. Esse senso de solidariedade pode ser uma fonte poderosa de força e criatividade. A liderança através do exemplo e da ação coletiva pode gerar o impulso necessário para a mudança, atingindo gradualmente pontos de inflexão sociais nos quais a transformação se torna não só possível, mas inevitável. Este é o mandato que cada líder deve se esforçar para cumprir na nossa situação atual.

Ffiona Devasabai Rowland é coach de lideranças empresariais com formação em psicologia organizacional, e fundadora da Galera.earth, que amplifica a atuação das empresas em questões climáticas e ambientais por meio de coaching e psicologia.

Lourenço Bustani é co-fundador da consultoria global Mandalah, que vem pautando o propósito nos negócios desde 2006, membro do Conselho do Sistema B Brasil, Presidente do Conselho do Instituto Phaneros e Embaixador Global do Island of Knowledge.

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