Manifesto Carimbó da Feira

Manifesto Carimbodafeira
8 min readJun 13, 2024

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Manifesto em Defesa do Carimbó da Feira do Açaí Após a Reforma

Em defesa da manutenção da Roda de Carimbó da Feira do Açaí após a reforma

Nós dos movimentos de carimbós, dos diversos segmentos que fazemos parte, ocupamos e frequentamos as rodas de carimbó aos domingos no quiosque e suas imediações, na Feira do Açaí, iniciadas sempre ao pôr do sol. Por meio deste manifesto, defendemos publicamente a manutenção dessa manifestação cultural após a reforma que atualmente está em curso, e conclamamos uma mobilização para que a roda permaneça aqui. Permaneça com sua característica de protagonismo do carimbó tradicional pau e corda e das pessoas que fazem os movimentos de carimbó nas ruas da cidade.

Nós que fazemos a roda, que hoje é protagonizada por vários movimentos de carimbó, e principalmente por uma juventude carimbozeira que reverencia o carimbó tradicional pau e corda, convidamos para uma grande mobilização pela permanência da roda nesse espaço.

Queremos:

1. A garantia da permanência da roda pós-reforma e sem obrigatoriedade de licença

2. Que esse espaço da roda de domingo seja reconhecido como um direito da comunidade carimbozeira do carimbó pau e corda do Pará, dos grupos que já ocupam esse espaço nas rodas de domingo, dos carimbozeiros e carimbozeiras que ocupam as ruas tocando carimbó

3- Solicitamos uma audiência pública por meio do conselho do estado para garantir nosso direito a esse espaço

Histórico:

O carimbó, nosso patrimônio brasileiro imaterial reconhecido e registrado, infelizmente, continua até hoje a sofrer perseguição, como acontecia nos finais do século XIX, com o famigerado código de postura racista municipal, que por mais que não exista mais no papel, segue vivo na mentalidade de agentes de segurança pública e membros da elite local.

Infelizmente, todas as tentativas dos movimentos de carimbó em criar uma cultura permanente de rodas nos lugares públicos da cidade são até hoje perseguidas, vide o fato de todos os batuques que aconteciam nas praças e ruas da cidade terem sido expulsos e sufocados. Devemos lembrar também da tradicional roda de carimbó que durante anos acontecia no sábado do Círio, nas imediações do anfiteatro da praça da república, essa roda foi brutalmente perseguida com episódios de spray de pimenta e curimbós arrancados das mãos de mestres.

Sabemos que o complexo do Ver o Peso, (incluso nele a Feira do Açaí) passará por reformas através de projetos ligados a grandes eventos como a Cop 30, e que infelizmente, sabemos também do histórico de higienização e expulsão que sempre estão acompanhadas das reformas e revitalização em Belém. Esperamos sinceramente que esse não seja o caso da reforma da feira, pedimos transparência e explicação do governo do estado e da prefeitura sobre esse projeto.

Exigimos esclarecimento, de antemão afirmando que não abriremos mão da roda de carimbó aos domingos no quiosque, e que um projeto de reforma não tem direito de mais uma vez ser uma espécie de higienização elitista e racista, como quase todas as políticas de reforma costumam ser na cidade. Só lembrarmos do que se fez com o lendário Bar do Parque. A reforma é necessária, desde que ela seja respeitosa, não só com a tradição arquitetônica desses lugares, mas também com os movimentos culturais que neles existem. Reiteramos: já existe um movimento consolidado na feira, o quiosque já é uma referência consolidada de carimbó todo domingo, por mais que os mandatários dos órgãos municipal e estadual ignorem, nós queremos lhes comunicar.

O carimbó na feira acontece desde muito tempo, se consolidando no formato atual em meados de 2019, faz parte de um amplo movimento de exercício de salvaguarda do carimbó pau e corda no estado. Salvaguardar e reverenciar a cultura do carimbó para nós, é honrar nossa herança negra e indígena que sustentam nossas identidades nesse território.

A roda de carimbó da feira do açaí, ao longo dos anos, já recebeu algumas das nossas maiores referências do carimbó pau e corda, mestres e mestras da capital, da região metropolitana, distritos, ilhas e interiores com suas variadas características, sotaques, toques e cantos da tradição do carimbó. Um dos poucos espaços na cidade, (se não o único) onde o carimbó é protagonista semanalmente, sem estar a reboque de outras manifestações como participação minúscula.

Por mais que a roda não tenha marketing, apoios políticos e propagandas, ela existe, ela é viva, e as pessoas do circuito do carimbó sabem que ela é uma alternativa de vida cultural todo domingo, inclusive para pessoas em situações de vulnerabilidade que também existem naquele espaço, além de movimentar a economia de trabalhadores e trabalhadoras nos arredores.

As reformas não podem mais continuar sendo projetos de exclusão, elitizaçao e expulsão. Não podemos mais admitir.

Sobre a perseguição da roda na feira:

A roda de carimbó da feira do açaí também resiste às várias investidas e intimidações da polícia e da guarda municipal que quer nos obrigar a tirar licença todos os domingos, como se a roda fosse simplesmente um evento de festa comercial, não é, a roda de carimbó da feira é um movimento cultural de ocupação do espaço público, e o carimbó como patrimônio não deveria ter que pedir licença para existir nesses lugares, pelo contrário, deveria ser incentivado pelo poder público, como várias outras capitais fazem com seus patrimônios imateriais e suas culturas tradicionais, mas Belém insiste em fazer o contrário, a mentalidade de Belém precisa sair do século XIX e parar de perseguir o carimbó.

É importante entendermos que esse histórico de perseguição faz parte de um projeto e de uma cultura colonial e racista mais ampla, que também desvaloriza nossos mestres, mestras e grupos de carimbós antigos e tradicionais espalhados pelo território paraense, que muitas vezes não conseguem nem se deslocar para capital para participar de programações oficiais que lhes oferecem sempre os menores valores de remuneração, mestres e mestras que têm por base a oralidade das suas sabedorias e riquezas artísticas/culturais e que muitas vezes são excluídos injustamente de seleções e editais que exigem um grau de expertise com cultura escrita e tecnológica. Não está desvinculado de grandes festivais que, quando não excluem ou desconhecem os grupos de carimbós tradicionais, os colocam como cotas em palcos periféricos com os menores cachês, em detrimento de outras atrações.

Não podemos mais continuar naturalizando essa mentalidade colonizadora e racista que permeia o imaginário da segurança pública com o carimbó pau e corda. É importante destacar que o alvo mais visado é o carimbó pau e corda, por ser ele que mantém os tambores tradicionais do carimbó, os tambores artesanais deitados, haja vista que, essa mentalidade colonial e racista, é também responsável pela descaracterização do carimbó na medida em que é mais tolerante quando se retira seus tambores, e isso é sintomático também de uma mentalidade higienista e racista. Chegou a hora de mudar essa postura e fazer diferente.

A manutenção permanente da roda na feira é simbólica para todos e todas nós que fazemos parte dos movimentos espalhados pelo estado, capital e região metropolitana, e não pode ser tratado como inexistente. É anticultural uma apropriação desse espaço por quem desconheça os movimentos de carimbó que já tem história nele.

Basta de expulsões e perseguições ao longo do tempo. Ninguém nos ofereceu, por exemplo, um outro espaço público para ficarmos fazendo a roda durante a reforma da feira, parece que as representações do poder público decidiram ignorar a existência da roda de domingo, e isso pra nós é compreendido como mais uma forma de descaso.

Queremos frisar, para que ninguém esqueça, que a perseguição ao carimbó desde o século XIX e até hoje, não se trata de incômodo com barulho, se trata de racismo contra os tambores, pois Belém é uma cidade extremamente barulhenta e não se vê policiamento nenhum combatendo poluição sonoro, o combate é aos tambores, e nós sabemos o motivo: racismo e perseguição contra tudo que não vem da cultura do colonizador.

Não queremos que a roda de carimbó da feira do açaí aos domingos seja mais um acontecimento extinto, como tantos outros que desapareceram e ficaram apenas na nostalgia e nas lembranças das pessoas.

Belém precisa acabar com essa política de extinguir e perseguir as manifestações populares dos seus espaços públicos. Já chega dessa política de extinção. Não podemos admitir mais isso.

As representações do estado têm agora oportunidade de fazer diferente e vim debater conosco numa audiência pública, para garantir uma data de entrega da feira pós reforma, para os grupos e coletivos de carimbozeiros e carimbozeiras que já ocupam o espaço aos domingos.

Pedimos apoio e assinaturas de adesão das organizações culturais e sociedade civil, artistas, políticos, carimbozeiras e carimbozeiros, grupos de carimbó, movimentos sociais e culturais, para que esse manifesto ecoe e para que a roda não seja extinta do quiosque da feira do açaí.

Belém, 12 de junho de 2023.

Assinam inicialmente este manifesto:

*Grupo de Carimbó Sativos do Mangue (Belém)

*Midiática Sonora Icoaraci

*Movimento Carimbó Resistência (Belém)

*Movimento Carimbó no Caroço (Belém)

*Grupo de Carimbó Manas do Zimba ( Santarém Novo)

*Grupo de Carimbó Os Mansos (Soure-Marajó)

*Grupo Carimbó Volta ao Mundo (Belém)

*Priscila Cobra (Delegada do Comitê Gestor do Plano da Salvaguarda do Carimbó pelo município de Belém-PA) (Icoaraci)

*Mestre Cesar do Regatão (Soure-Marajó)

*Tambores do Pacoval (Soure-Marajó)

*Beneditas Batuque (Bragança)

*Grupo Pisada Caboca (Belém)

*Irmandade de Carimbó de São Benedito — Santarém Novo- e todos os seus Conjuntos de Carimbó: Conjunto Trinca Ferro Mirim; Conjunto Nova Geração e Conjunto Os Quentes da Madrugada

*Daniel Leão — Membro do Conselho Estadual de Cultura CEC-PA, Patrimônio *Imaterial, Membro do Comitê Gestor de Salvaguarda do Carimbó, Produtor e Gestor de Projetos Culturais, Carimbozeiro e Ativista Cultural

*Sarau do Povo da Noite — Movimento Literário

*Banda Toró Açu (Quilombo do Abacatal-Ananindeua)

*Trio da Mata (Belém)

*Conjunto zimba da capital (Belém)

*Batucada Misteriosa (Icoaraci)

*Grupo mãos de veludo (Icoaraci)

*Grupo Carimbó Selvagem (Belém)

*Mestre Thomaz Cruz e Grupo Os Africanos de Icoaraci

*Mestre Damasceno e seu Conjunto Nativos Marajoara (Salvaterra-Marajó)

*Banda Fogoyó (Belém)

*Grupo de Carimbó Os Tamuatás do Tucunduba (Belém)

*Gustavo Maranhão — Cantor e compositor ( Ananindeua — PA )

*Conjunto Os Falsos do Carimbó (Outeiro)

* Grupo o Bendito Carimbó (Belém)

*Coletivo Mestre Zampa (Salvaterra-Bairro Alto)

*Grupo Carimbó Ygarapé (Belém)

*Iris da Selva & os Pássaros Urbanos (Belém)

*Grupo As Manas no Carimbó (Belém)

*Mani Carimbó Danças Amazônicas (SP) ?

*Mandato Coletivo Bancada Mulheres Amazônicas (Belém)

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foto 1: Pierre Azevedo; foto 2: Savio Maiandeua

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