Ainda desce, motô?

Manuella Valença
3 min readDec 21, 2017

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Há uns meses eu seguia a estranha política de dar bom-dia ao cobrador do ônibus e não falar nada ao motorista — um certo medo de atrapalhar a condução de uma viagem de mais de 50 pessoas. Nestas últimas semanas, tenho dado bom-dia e quase emendo um “como vai” ao condutor do Casa Amarela/CDU. É que desde o mês de março, a linha passou a operar sem os cobradores, deixando a viagem um pouco mais solitária.

Foi a voz de um jovem que deveria ter uns 20 e poucos anos que me fez olhar para a mudança de humor dos motoristas. Era manhã da última terça-feira (12) e o ônibus, relativamente cheio, ainda estava no início da Caxangá, seguindo o sentido Torre/CDU. Parecia difícil de visualizar de lá da frente se ainda havia passageiros descendo na parada. “Ainda desce, motô!”, gritou ao motorista o jovem, que estava em pé no meio do ônibus, em um gesto solidário. Ele ainda viria a repetir esta ação em mais duas paradas.

Os condutores do Casa Amarela/CDU (e os de mais de dez linhas na RMR) já não mais contam com aquele tradicional barulho da tampa da caixa de trocos sendo batida — sinal já consolidado para avisar que o ônibus poderia seguir viagem após a descida de passageiros. Fiquei assustada como eu não tinha sentido sua falta até então. A verdade é que eu só notava a ausência de cobradores nas viagens com uma fala de um ou outro passageiro pego de surpresa pela mudança.

Mesmo mais de 5 meses após o comunicado, é comum encontrar ao longo da viagem um ou outro cidadão pronto para pagar a passagem com dinheiro. Neste mesmo dia, uma estudante universitária entrou no ônibus, olhou para a cadeira vazia do cobrador, olhou pro motorista, ia esboçar uma frase quando o homem ao volante foi logo explicando: “dinheiro mais não, só VEM”, aparentando um ar de quem, apesar de lidar com isso diversas vezes ao dia, não deixava de se compadecer com a expressão desapontada da moça.

Nas primeiras semanas de mudança, as viagens ficaram repletas de discussões sobre as novas políticas no transporte. Lembro que orientei — erroneamente — um moço que há muito tempo não ia à UFPE de ônibus, a pegar o Casa Amarela/CDU. Sempre fiz propaganda do ônibus: é vazio, simpático e ainda é mais barato. O moço inclusive me mostrou que ia pagar em dinheiro, porque não tinha mais o seu cartão de transporte. Quando subimos no ônibus, passei pela catraca e sentei. Pouco tempo depois, lembrei-me do moço, que não teria como pagar pela passagem. Da minha cadeira no fim do ônibus, fiquei observando o caos que eu tinha causado. A essa altura já havia se instalado um debate envolvendo o motorista, uma passageira frequente e o moço, sobre as recentes mudanças: meia-passagem aos domingos só com VEM e a extinção de algumas linhas da Caxangá para conexão com o BRT. Naquele momento parei de me culpar e percebi que aquilo fazia parte de um cenário muito maior.

Mas regressando à minha viagem do dia, que já estava próxima de seu fim — em alguns metros chegaríamos à minha parada — pensei se não deveria perguntar o nome do motorista, para engatar uma conversa e descobrir o que ele achava disso tudo. Entretanto, a timidez e o horário apertado me impediram, deixando-me só com as minhas impressões mesmo. Se ao menos houvesse alguém pra mediar nosso contato… Ah, se tivesse um cobrador! Aí sim, eu muito provavelmente perguntaria.

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