Tudo puta e viado ! — A ignorância sobre orientação sexual e identidade de gênero

Marcela Viana
7 min readJan 21, 2017

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Um guia -com quiz- para você entender de uma vez por todas que travesti e gay não são a mesma coisa

Outro dia, estava eu chegando no meu prédio quando me deparei com o porteiro, Toninho, olhando fixamente duas moças que passavam por ali. Eu, desconcertada pelo assédio alheio, o cumprimentei e passei reto. Para minha surpresa ele entrou comigo e comentou: “Cê viu? Dois homenzão vestido de mulher.” Eram, no caso, duas mulheres trans.

Eu tentei explicar que eram pessoas que nasceram homens, mas se sentiam mulheres. Toninho então contestou: “Sei, são gays…”. Eu, tentando criar uma fórmula simples de explicá-lo que não era bem isso, disse: “Não. Gays são aqueles que gostam da pessoa do mesmo sexo. Você, por exemplo, é heterossexual, pois gosta…” Ele me interrompe e diz: “Eu não sou isso aí não!”. Rindo, já sem esperanças, finalizei minha explicação e disse que o mais importante é respeitar as pessoas, independente das escolhas que fazem. Com isso ele concordou e eu fui embora com o seguinte pensamento: quanta ignorância.

E digo ignorância no sentido de ignorar, não saber, desconhecer as diversidades sexuais e de gênero. Isso, em partes, é um fator que contribui para a estigmatização e preconceito aos grupos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT). Como este é o mês da visibilidade trans, acho que é um bom momento para tocar no assunto e — tentar — esclarecer algumas dúvidas que você possa ter sobre essa galera. Tem até exercício pra ver se você aprendeu merrrmo.

Orientação sexual

Tem a ver com o desejo sexual, com o sexo de quem a pessoa se sente atraída. Se você gosta do sexo oposto, você é heterossexual.

Se você se sente atraído por alguém do mesmo sexo, você é homossexual. Nisso, se enquadram os gays e as lésbicas.

Se você tem desejo tanto por homens quanto por mulheres, você é bissexual.

Por muito tempo, esse conceito foi chamado de “opção sexual”, mas, ao entender que se nasce assim e isso não é uma questão de escolha, passou-se a usar o termo “orientação sexual”.

Nossa sociedade foi estruturada para o padrão de relacionamentos entre homem e mulher. Isso foi construído ao longo de séculos. A isso damos o nome de heteronormatividade. É como se a sociedade tivesse estabelecido o casal “homem e mulher” como norma, e tudo que é diferente a isso é hostilizado. Além de não reconhecer a diversidade sexual, a heteronormatividade a penaliza. É um conceito excludente e limitado. O alto índice de violência contra gays, lésbicas e bissexuais confirma isso. Quem não está no padrão é, socialmente punido por meio da discriminação e do preconceito.

Muito se deve ao fato de reduzirmos a pessoa homossexual ou bissexual ao seu desejo sexual, como se isso fosse a única coisa a se considerar em alguém. Esquecemos que além da orientação sexual, todos temos outros aspectos mais relevantes como, por exemplo, nossos valores e nosso caráter.

Identidade de gênero

Imagine-se nascendo em um corpo diferente daquilo que você sente que é. É isso que acontece com as pessoas transgêneros (transexuais e travestis). Elas nascem com um sexo biológico (feminino, masculino), mas se identificam com o outro gênero (mulher, homem). Por isso, fazem a transição, que acontece por meio de hormônios e/ou cirurgias (retirada da mama, silicone etc).

Quanto à diferença entre transexuais e travestis, há estudiosas/os que afirmam que as/os primeiros são aqueles que fazem a mudança de sexo, enquanto as segundas, não. Entretanto, outras/os especialistas concluem que a diferença é apenas socioeconômica e política. Enquanto aquela pessoa trans com mais condições é chamada de transexual, a mais pobre é chamada de travesti. Ah! Lembrando que travesti é sempre no feminino.

Só para reforçar, se alguém passa pela transição pois se sente do gênero masculino, essa pessoa é um homem trans. Se a pessoa passa pela transição porque se identifica com o gênero feminino, ela é uma mulher trans.

Mas se você nasce com um sexo biológico e se identifica com ele, você é cisgênero. As pessoas cis são vistas como o “normal” , o “padrão”— assim como o heteronormativo — e, dessa forma, as trans são invisibilizadas e também sofrem muito com isso: têm mais dificuldades de iniciar e finalizar os estudos, encontrar emprego, têm mais propensão ao suicídio, além de serem vítimas de violência física, psicológica e institucional o tempo todo. O Brasil é, vergonhosamente, o país que mata mais trans no mundo.

Tudo junto e misturado

Uma pessoa cis, então, pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. E uma pessoa trans? Também, claro. Você pode ser o que você quiser, queride. Um aspecto é a identidade de gênero e o outro a orientação sexual. Uma mulher trans pode ser lésbica, assim como um homem trans pode ser gay. Complicou? Vamos praticar um pouco — aloka . Dá uma olhada nas e nos famosos abaixo e tenta dizer qual a orientação sexual e a identidade de gênero delas e deles (respostas no final do texto):

  1. Daniela Mercury

2. Thammy Miranda

3. Roberta Close

4. Leonardo Vieira

5. Cláudia Leitte

6. Marina Lima

7. Você

Porque eu preciso saber disso?

Do desconhecimento, nasce e se alimentam os preconceitos e as discriminações. No mundo LGBT elas, infelizmente, são parte do cotidiano. Uma trans por exemplo, pode não ter seu nome social respeitado e passar por diversos constrangimentos por conta disso. Uma lésbica pode ser estuprada com a ideia de que vão fazê-la aprender a gostar de homem. Um homem gay pode ser espancado por ter trejeitos “afeminados”.

As LGBTfobias acabam respingando também no restante da população, como o caso dos jovens que foram agredidos com lâmpadas, em SP, por serem confundidos como gays e os gêmeos, em Salvador, espancados também porque pensaram que fossem um casal homossexual. Um deles morreu.

(agora a p**** ficou séria)

É preciso reconhecer que todas essas pessoas fora do padrão hetero-cis-normativo continuam sendo seres humanos e que precisam ter acesso aos mesmos direitos que o resto da população e precisam ser vistas e respeitadas em seus espaços de convivência, o que é determinante para que possam usufruir das mesmas oportunidades e qualidade de vida que toda/o e qualquer cidadã/o.

Olhe ao seu redor e diga quantas pessoas cis/hetero você convive no ambiente de trabalho, na escola, faculdade? Quantos LGBTs você conhece que ocupam esses mesmos espaços? Quantos cis/hetero você já viu nas notícias que foram vítimas de violência por serem quem são? E quantos LGBTs você viu sendo assassinados pela mesma razão?

Recentemente um jovem de 19 anos, Itaberlly Lozano, 19, foi morto pela mãe que não aceitava sua homossexualidade! No fim do ano passado, Luiz Carlos Ruas morreu no metrô de São Paulo, espancado, após defender uma travesti. O caso virou notícia em todo o país e, sem desmerecer o ato nobre do ambulante, você já parou para pensar que só houve repercussão porque ele era um homem cis?

Como eu disse anteriormente, o Brasil é o país que mais mata travestis, mas quase não ficamos sabendo desses casos. Esse quadro de violência e discriminação não se reverte só com políticas públicas, mas com movimentos individuais e alternativos que buscam conscientizar a sociedade. Ou seja, depende também de que cada um faça sua parte, como a minha conversa com o porteiro ou a sua com aquele amigo LGBTfóbico.

PS.: Quem vos fala é uma mulher cis e heterossexual e que tenta entender e respeitar, cada vez mais, esse universo marginalizado de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. MAS SE EU TIVER FALADO MERDA, ME DÁ UM TOQUE. ESTAMOS AQUI PARA APRENDER. ;)

Respostas (o quiz era sério):

  1. cis, bi/2. homem trans, hetero/3. mulher trans, hetero/4. cis, gay/5. cis, hetero e homofóbica/6. cis, lésbica/7. vc quem sabe

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Marcela Viana

Breves reflexões sobre a questão do machismo, as questões de gênero e outras questões minhas mesmo. Também jornalista especialista em Gênero e Diversidade.