Proatividade sem maestria não serve

Marcelio Leal
5 min readNov 5, 2016

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Toda vez que eu vejo proatividade sendo encorajada em um ambiente de trabalho criativo, eu tento entender se isso faz sentido e quase sempre não faz. Normalmente vejo mais prejuízo nesse tipo de comportamento do que benefício.

Proavitidade no trabalho

Segundo Meiry Kamia, o comportamento proativo é definido como sendo um provável conjunto de comportamentos extrapapel em que o trabalhador busca espontaneamente por mudanças e melhorias no seu ambiente de trabalho, solucionando e antecipando-se aos problemas. (Fonte Wikipedia)

Informalmente podemos adicionar alguns outros sentidos quando se fala em proatividade:

"Quando você estiver sem fazer nada, arrume alguma coisa pra fazer."

"Se você ver algo errado, corrija."

"Tente ser criativo, sempre quando possível faça alguma coisa diferente."

Ai você adiciona "Seja proativo!" ao fim de qualquer uma dessas frases.

E no geral, esse comportamento é exigido de pessoas que estão no nível de execução, por exemplo, programadores, analistas, etc. Há três perigos principais relacionados a isso: não ter maestria necessária pra executar a tarefa; arrumar qualquer coisa pra fazer porque não se pode parar de "produzir" e; tomar decisões baseada em uma viés individual.

Proatividade e a falta de maestria

Restauração proativa

Em 2012, uma senhora espanhola, como uma boa cidadã, decidiu ser proativa e restaurar uma obra de Elías García Martínez. Como ela não tinha o conhecimento e a técnica exigida, acabou gerando o resultado acima. Se quiser entender melhor o quanto ela falhou, veja aqui.

Pra mim esse é um ótimo exemplo ilustrativo dos problemas que podem acontecer quando não se tem maestria pra executar um trabalho complexo. E é mais ou menos isso que acontece quando um desenvolvedor de software, sem o conhecimento necessário, começa a mexer no produto por conta própria. Ou mesmo, quando gerentes de produto, sem muita demanda e visão, começam a criar soluções inovadoras que mudam totalmente um produto.

Se estamos falando de trabalhos que não requerem muito conhecimento especializado e não são críticos, muitas vezes faz sentido ser proativo. Por exemplo, se você viu algo sujo, você pode ir lá e limpar. Se tem alguém olhando sem saber o que fazer, você pode ir lá e ajudar.

Mas quando estamos falando de trabalhos criativos é importante entender que proatividade não caminha sozinha. Acredito muito mais no equilíbrio proposto por Dan Pink no livro Drive resumido em três aspectos: autonomia, propósito e maestria. Estes três aspectos equilibrados são bons pra instituição e pro indivíduo. Um desequilíbrio entre eles pode gerar distorções.

A proatividade como necessidade de estar sempre fazendo algo

"Se todo mundo aqui nessa empresa fizesse um terço de nada, isso aqui era o novo Facebook"

É quase impossível acertar em tudo que fazemos, principalmente se estamos rodando um projeto em alta velocidade. Nesses últimos tempos, há uma crescente tendência de que não podemos ficar sem fazer nada, que temos que estar sempre "produzindo". É uma deturpação do conceito de produção, algo que veio de processos industriais e que não se aplica em processos criativos.

Essa visão de estar sempre ocupado ou sobrecarregado agrada gestores ansiosos, instituições desorganizadas, além de pessoas e empresas que acham que inovação e arte são sempre desestruturadas. O resultado disso são pessoas que muitas vezes trabalham muito, mas que geram um valor negativo pra empresa. Geram mais problemas do que soluções.

Em desenvolvimento de software há vários casos de projetos que vão entrando em um buraco sem fim porque as pessoas vão sempre aumentando os problemas, a complexidade, e o tamanho das coisas. Sempre achando que mais é mais e nunca entendendo o conceito de KISS.

Parece piada mas tem gente que dormindo é melhor que acordado conforme mostra o vídeo do Portas do Fundo acima. Isso não é culpa exclusiva do profissional, mas normalmente é resultado de toda uma cultura empresarial errada e desalinhada. Quando o caso for pessoal mesmo, a minha recomendação é um dos mantras em startups: hire fast, fire fast.

No geral, minha recomendação é controlar a ansiedade e criar uma cultura onde fique claro que menos é mais, onde as soluções mais simples são sempre as desejadas. Além disso, um processo que crie um fluxo constante em vez de picos de trabalho é bem recomendável.

A proatividade e o desfoque

Quando você toma uma decisão sozinho, você corre esse risco.

Outro erro comum quando se está trabalhando em equipe é tomar decisões sem usar o conhecimento coletivo. Por exemplo, durante um projeto ( ou uma sprint usando Scrum), o desenvolvedor decidiu sozinho fazer uma refatoração, não importando o motivo. O resultado é que além de desviar o foco, este profissional está aumentando o risco do projeto. Normalmente isso vai resultar também em atrasos e outros problemas. Prejudicando não só o trabalho dele, mas de todo um time/instituição.

Imagine outra situação onde um grupo de pessoas está escrevendo um livro e um dos autores resolve criar outro capítulo pra conectar o anterior, que ele está fazendo ainda, e o próximo que outra pessoa está fazendo. Então, ele se complica e acaba atrasando não só o capítulo dele, mas todo o livro.

Quando você está trabalhando em um time que tem um processo de colaboração razoável e que visa estar em alto nível, o seu trabalho não é só seu, ele deve passar pelo alinhamento de time sempre. O conhecimento de um time de alto nível sempre é maior do que o de um membro do time isoladamente. É muito mais difícil que um risco gere problemas nas decisões de um time, pois intuições serão mais contestadas.

Além disso, é naturalmente difícil manter o foco com tanta distração, mas é essencial pra se conseguir resultados em alto nível. Não deixe que cansaços eventuais, tarefas chatas, situações pessoais interfiram muito no seu foco e faça você cair em uma armadilha que vai prejudicar todo um trabalho maior.

No fim, não caia no viés de resultado, descrito no livro "Rápido e Devagar". Conforme Daniel Kahneman cita no livro:

Não vamos nos deixar levar pelo viés de resultado. Essa foi uma decisão estúpida, mesmo que tenha dado certo.

Recapitulando

Proatividade não é um valor isolado e não se aplica pra qualquer tipo de situação.

Em trabalhos criativos o conceito de autonomia, propósito e maestria é bem mais aplicável que o de proatividade.

Não fazer nada em ambientes de complexidade moderada não é ruim. Negativo é gerar débitos técnicos que vão impactar no trabalho de outros e em toda instituição.

Em equipes de alto nível a decisão de uma atividade que desvie do foco e do objetivo previamente acordado não deve ser individual.

Só pra lembrar, deixo abaixo uma frase do Reid Hoffman (Linkedin).

“No matter how brilliant your mind or strategy, if you’re playing a solo game, you’ll always lose out to a team.”

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Marcelio Leal

Tech Leadership. Former Nu, Amazon, Bhub, GetYourGuide, Dafiti/Rocket Internet, etc.