Habitar em comum
Cada vez tenho percebido a necessidade de desconstruir a imagem que temos da palavra cidade, afinal, entendo que a maior parte do Brasil é composta de cidades-em-campo. Um híbrido criado através de uma ocupação e apropriação de um urbanismo colonizador de um território com vocações e potencialidades especificas.
No caso de Rio do Sul, uma cidade que teimou em fincar as estacas e se estabelecer na várzea, bacia do rio Itajai açú, esquecendo dos caminhos das águas e criando caminhos de asfalto. A natureza recorda seus habitantes da sua natureza, de cheias, lunação; a cada ano, o rio submerge a cidade, chegando a inundar completamente um edifício de 3 andares em algumas áreas da cidade, como o bairro Canoas. O próprio nome do bairro, lembrança da sabedoria popular, anuncia outras possibilidades de relação com o território.
Será que ao invés de edifícios de concreto com fundação na terra, não seria o caso de pensar edifícios-canoas, que respeitem e harmonizem com o movimento das aguas? O mesmo se aplica à forma como nos movemos: em um contexto de vale, repleto de caminhos da água, de permeabilidade, porque criar caminhos de asfalto, impermeáveis? Porque mover-se pela terra, se habitamos um território abundante em água? Porque andar de carro, se temos barcos?
Como ensina o barco a vela, que ao invés de lutar contra o vento, o ver como um inimigo, dele se aproveita e se permite atravessar. Aceitar a vulnerabilidade, a mudança, o movimento que existe, e com eles dançar. Para isso, se mostra necessário observar atentamente o espaço, compreender seus ritmos e com eles harmonizar, respirar junto, entrar em consonância com essas forças — e é aí que mora a magia.
Mais uma vez, devemos nos despir do que conhecemos, do que acreditamos, dos nossos medos, para descobrirmos uma forma de habitar em comum — com o outro, o coletivo, o ecossistema. Habitar também O COMUM: ressignificar as práticas e inteligências coletivas já existentes na nossa cultura e nossas raízes — não julgá-las de pobres, precárias, subdesenvolvidas, mas entender a beleza da simplicidade, a criatividade que surge da necessidade.
Praticar um urbanismo descolonizador (e portanto descolonizado), exige olhar para o passado, obter ferramentas do agora, e construir o futuro a partir deste novo relevo que se desenha, entendendo que ele também vai mudar ao percorrê-lo. E diante deste contexto, capacidades como resiliência, adaptação, flexibilidade, confiança, avaliação constante do processo, admissão da morte, reinvenção e cooperação são hoje mais do que nunca fundamentais, para habitar um mundo em que o gelo vira água, os rios respiram, e tudo que é solido desmancha no ar.