Estruturando Um Problema Abstrato De Design

Marcelo Brasileiro
ArcTouch
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5 min readJul 29, 2021

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Recentemente eu ajudei minha empresa, a ArcTouch, com uma tarefa: eu deveria propor uma nova arte para camiseta institucional. Nossa camiseta era bem simples, preta com a marca da empresa estampada no peito e nas costas. Não tinha nada de errado com esse design, ele funciona bem; portanto não havia um problema objetivo a ser resolvido. Basicamente, eu só precisava fazer uma camiseta mais legal. E foi aí que meu cérebro de Product Designer deu tela azul.

Desenhando produtos é muito comum estruturar os problemas de forma objetiva e nos apoiar em métodos que nos ajudam a criar experiências. Normalmente, após um processo de investigação, existe uma ideia razoavelmente clara do que deve ser feito. Ao longo dos anos eu me conecto tanto a essa mentalidade de produto que tarefas que sejam marjoritariamente visuais são difíceis para mim: o que essa camiseta deve ser? O que quer dizer ser mais legal? Quais os requisitos deste problema — isto é, existe um problema?

Passados alguns dias tentando criar uma alternativa (de forma nada estruturada) e trocando experiências com meu amigo Eduardo Zmievski (ou curlyboy) ele me falou sobre um framework que ele conhecia, o que efetivamente me ajudou a sair do lugar: o Magic Triangle, ou Triângulo Mágico, de autoria do Tim Rodenbröker (link para o artigo original: Magic Triangle).

Eu ainda não conhecia esse framework, mas é fácil entender o seu valor rapidamente. Além de muito simples, é também versátil, e pode ser usado na resolução de todo tipo de problemas. Depois de ler e discutir sobre o triângulo mágico, nós fizemos nossa interpretação de como a técnica poderia nos ajudar no projeto: criar um conjunto de três limitações que ajudariam a estruturar nosso problema. O framework se chama triângulo porque são três regras, porém nada o impede de criar mais regras se isso te ajudar a resolver seu problema.

Imagem de um triângulo formado por três segmentos de reta representando 3 regras em fundo cinza
Fonte: https://timrodenbroeker.de/the-magic-triangle/

Até mesmo do ponto de vista gráfico, a disposição de 3 pontos não alinhados determina um plano. Metáfora a parte, essas três regras determinam o que eu gosto de chamar de espaço do problema. A ideia é simples: a área interna desse triângulo é o espaço do meu problema, onde moram todas as possibilidades que satisfazem as 3 regras que eu determinar, enquanto que do lado de fora existem todas as outras ideias que não satisfazem as 3 regras. Essa abordagem nos ajuda a tomar uma decisão, pois, embora uma tela em branco dê um milhão de possibilidades, um milhão é muita coisa: é bem mais do que eu preciso pra resovler esse problema, o que torna esse processo de decisão muito difícil.

No design de produtos essa situação é denominada overchoice, isto é, excesso de opções, fenômeno também descrito pela Lei de Hick (Hick's law). Quanto mais opções estão disponíveis, mais tempo se gasta para tomar uma decisão. Portanto, é simplesmente lógico que estruturar esse problema com algumas definições reduz a quantidade de possibilidades e, consequentemente, facilita a tomada de decisão. O que eu acho interessante nesse processo é a ideia, à primeira vista controversa, de que a definição de limites pode, na verdade, ampliar sua criatividade; isso porque essas regras não limitam o designer, mas sim delimitam o problema. Restava definir quais as regras que me ajudariam a resolver esse problema.

O que eu acho interessante nesse processo é a ideia, à primeira vista controversa, de que a definição de limites pode, na verdade, ampliar sua criatividade; isso porque essas regras não limitam o designer, mas sim delimitam o problema.

Sobre esse ponto, eu enfatizo que as regras precisam te ajudar. O autor defende que estas regras sejam inquebráveis, isto é, uma vez definida, você não deve quebrá-las. Na nossa interpretação fomos menos rígidos com essa questão, o que acabou sendo importante na nossa exploração depois: quisemos explorar uma determinada direção que não havia surgido nos primeiros triângulos.

Ser pragmático é importante, porque do contrário você pode acabar adicionando mais complexidade ainda ao problema. As regras podem ser sobre o que você quiser: tamanhos, tipo de mídia, conteúdo, estilo, cores, processo, etc. Nessa hora vale ser prático e escolher aquelas regras que mais se adequam ao seu contexto. Isso pode deixar aquela dúvida do tipo "mas será que essa regra que eu estou impondo faz sentido? É a melhor regra que eu poderia inventar?". É um pensamento válido, e o que pode ajudar a sanar esse questionamento é criar vários "triângulos mágicos", isto é, conjuntos de regras diferentes e compará-los, lado a lado. Eventualmente ficará mais claro qual deve ser a melhor opção dentro do cenário. No caso da nossa camiseta, nós definimos 3 triângulos, e três designers exploraram cada direção.

A primeira regra determinada pareceu óbvia: a camiseta precisa ter um apelo global, isto é, tanto meus colegas brasileiros quanto americanos precisam se conectar emocionalmente à camiseta. Isso filtrou qualquer ideia que fosse muito local e que pudesse não ser compreendida e abraçada por qualquer pessoa da empresa.

A segunda regra teve a ver com a mensagem que queríamos transmitir. Por se tratar de uma camiseta institucional e que precisava ter o apelo global, fez todo sentido utilizarmos os valores da empresa como mensagem: passion, positive attitude, ownership, excellence, diversity e fellowship (paixão, atitude positiva, responsabilidade, excelência, diversidade e fraternidade). Além de ser uma mensagem com a qual todos podem ser conectar num nível emocional, os valores são completos de sentido e autoexplicativos.

A terceira regra tem a ver com qual estilo artístico eu queria usar para expressar a mensagem. Para essa regra é que nosso time quis explorar algumas direções diferentes: algumas alternativas figurativas — isto é, que envolvessem alguma representação pictórica dos valores — alternativas com lettering e também explorações com arte generativa utilizando Processing e tipografia, muito inspirado pelo artigo original. Depois de determinar esses três conjuntos, criamos moodbards para suportar nossa exploração:

As três alternativas exploradas renderam explorações interessantes, mas foi com a terceira que chegamos no resultado mais legal. Utilizando processing e os valores da empresa, geramos a animação abaixo:

A camiseta nada mais é do que um frame dessa animação mascarado com a forma da nossa logo, como o mockup abaixo:

Imagem do mockup da camiseta preta com um frame da animação gerada com os valores da empresa em letras de tamanhos diferentes e coloridas dando um efeito como uma bandeira se movimentando ao vento
ArcTouch values t-shirt design

Por fim, embora essa possa parecer uma abordagem excessivamente sistemática para um problema criativo, é importante ressaltar que se divertir em tarefas criativas é importante! Estruturar o problema pode sim ser uma abordagem mais racional, mas minhas explorações foram totalmente espontâneas. O lado esquerdo do nosso cérebro só te leva até o meio do caminho, mas sem o lado direito, certamente os resultados seriam medíocres. Como eu disse antes, esse não é um método para restringir sua criatividade, mas sim delimitar o problema.

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Marcelo Brasileiro
ArcTouch

I’m a product designer who also has front-end coding skills. I’m interested in making products more usable, inclusive, desirable, and smarter.