Groko
Como é descrito em Um estranho numa terra estranha, de Robert A. Heinlein, “grokar” significa “beber” em uma tradução literal; mas a palavra é muito mais abrangente que isso. Grokar é uma forma orgânica de aprendizado na qual você entende completamente um conceito por meio de experiência, referência e reflexão. Ao grokar algo você bebe seu significado e torna-se um com ele, quase como se compreender um conceito tornasse-nos parte de seu significado.
“Grok means to understand so thoroughly that the observer becomes a part of the observed — to merge, blend, intermarry, lose identity in group experience. It means almost everything that we mean by religion, philosophy, and science — and it means as little to us (because of our Earthling assumptions) as color means to a blind man.”
É uma ideia complicada, criada de forma que definisse toda a cultura e filosofia da espécie marciana apresentada no romance. Mas, ao mesmo tempo, ela resume aquilo que a humanidade busca desde que começou a se perguntar “por quê?”. O grokar é tanto a resposta para essas perguntas, como o caminho para indagações novas e outras respostas. No romance, grokar era um conhecimento definitivo, a maneira única e correta de se entender as coisas. O resquício da mente militar que foi parte fundamental na obra de Heinlein durante toda a sua vida literária. Quando extraída do livro, a ideia consegue ser ainda mais ampla porque depende apenas dos limites pessoais de cada um. Em Um estranho numa terra estranha os marcianos são uma raça de telepatas e místicos, as ideias de um são as de todos, grokar vira uma certeza nessa cultura. Na nossa torna-se um reflexo da pessoa que grokae do ambiente ao redor dela, suas referências sociais, culturais e éticas.
Na cultura marciana do romance, grokar é um conceito tão poderoso que ele está sempre relacionado ao bem mais raro e valioso para eles: a água. Existe pouca dela no planeta e por isso os marcianos a tratam com devoção, é de onde vem a vida e a forma como ela é mantida. Em 1961, quando o livro foi publicado, conhecíamos pouco sobre o planeta vermelho; os canais de Schiaparelli ainda estavam no imaginário popular, assim como a ideia de haver vida inteligente lá. Sabíamos que Marte era um ambiente árido, difícil, mas nossa pareidolia e o desejo humano de pertencer a algo maior — de não nos descobrirmos sozinhos num universo tão grande que não conseguimos racionalizar — tornava atrativo torcer para o planeta ao menos ter algo para nós. Por isso queríamos que, mesmo árido, ainda houvesse água, formas de nos sentirmos bem vindos naquele ambiente.
Isso foi magnífico para a ficção, que encheu nosso imaginário com histórias sobre Marte como um mundo vivo, ou como o primeiro passo no sonho humano de exploração espacial. Hoje sabemos que deve haver água corrente lá, além de congelada nas calotas. Sabemos também que um dia o planeta vermelho abrigou oceanos e que pode ter sido muito parecido com nosso lar, mas até hoje nada disso foi evidência de que vida um dia existiu lá. Por todo o apego emocional que adquirimos por Marte através da cultura popular, grokar o planeta acabou se tornando uma espécie de obsessão. Nem a lua viu chegarem tantas sondas e satélites quanto Marte nos últimos anos. E fazemos isso buscando entender, conhecer e, através desse outro mundo, grokar melhor o que nos abriga.
Escrever, para mim, é parte do processo de grokar alguma coisa. Desenvolver uma ideia, dissertar sobre, revisá-la, traçar paralelos e expressar minhas próprias experiências através dela, tudo em um punhado de palavras que procuram tornar a mensagem clara e interpretar essa ideia sob seu ponto de vista e noção do mundo com a maior precisão possível. Isso quase nunca nos leva a uma solução para as dúvidas que cercam o assunto do texto, mas sempre são um passo a mais na direção desse objetivo.
Como minha forma de grokar as coisas, escrever também é um processo interessante que acaba se transformando numa espécie de aprendizado. Vou debatendo e tentando compreender as questões sobre as quais estou escrevendo a medida que meto a mão na massa. E por causa disso, a pessoa que terminou o texto dificilmente continua sendo a mesma que o começou.