Continuando a virar a sala de aula de cabeça pra baixo

Marcos V. C. Vital
Hipótese Nula
Published in
6 min readMay 22, 2016
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Agora pra valer! Vamos continuar o nosso papo. ;)

Então, em uma postagem anterior eu comecei o papo, e agora quero continuar de onde paramos — até porque o semestre letivo está terminando aqui na UFAL, e logo logo eu tenho que ter as disciplinas planejadas de novo! Vamos lá, então. Até o momento, eu resumiria as minhas ideias mais ou menos como:

Vou mudar completamente a forma como ensino Biomatemática, por mais assustador que isso seja!!!!!1!!!!um!!!!!

Yeah! Isso aí!

Mas calma, né? A vontade de mudar, de onde veio? Vamos começar falando disso.

Como é a minha disciplina de Biomatemática neste momento:

Então, ao longo de uns seis anos ministrando a disciplina aqui na UFAL, eu cheguei em um formato bem sólido, e tranquilo de se ministrar. O conteúdo da disciplina começa com uma introdução ao estudo de algumas funções (linear, potência e exponencial), e termina com uma introdução ao Cálculo — vendo o basicão das derivadas e integrais. E quando falo basicão, quero dizer basicão basicão, não é nada de outro mundo. ;)

As aulas quase sempre seguem a mesma fórmula:

1 — partimos de um fenômeno biológico (o crescimento de uma população, o consumo de um recurso natural, etc);

2 — abordamos o fenômeno a partir da ferramenta matemática da aula (descrevendo o crescimento de células com uma função exponencial, por exemplo);

3 — resolvemos exercícios e questões relacionadas ao tema, sempre com uso livre de calculadora.

Funciona. Boa parte da turma acompanha, pergunta, ou pelo menos “faz cara de entendi”. Nas provas, nas quais as questões sempre seguem os mesmos formatos dos exercícios resolvidos, as notas costumam ser boas, com apenas algumas pessoas com grandes dificuldades.

No mais, atualmente as aulas estão todas montadas, tenho um “banco” de exercícios prontinho pra usar nas provas e até notas organizadas de aulas disponíveis para os alunos (incluindo exercícios resolvidos). E aí você pergunta: Marcos, com tudo isso pronto e as coisas funcionando, não é maluquice reformular tudo?

— Sim, é! XD

Mas aí vem a segunda parte da história: a minha insatisfação com a coisa toda…

Por que não estou satisfeito?

Se as coisas funcionam, o que me incomoda? Primeiro, tem um incômodo meio geral, não muito claro, que tenho por estar parando de mexer nos conteúdos. Isso me deixa com uma sensação de estar me acomodando, e não gosto muito da ideia, pois sei que sempre há espaços para melhorar as aulas de uma disciplina. Segundo, e esta é a mais concreta das razões, percebi que no fundo os meus alunos estão aprendendo a resolver pequenos exercícios de matemática, mas levando bem pouco da visão real, prática, das aplicações da matemática na biologia… E aí eu me pergunto: qual o objetivo da disciplina mesmo?

Explicando mais: se você olhar uma prova da minha disciplina hoje com um olhar atento, vai perceber que ela é, no fundo, uma prova simples de matemática. A biologia está ali, sim; mas apenas no cenário, no contexto das questões. Quer um exemplo? Veja um pedaço de uma questão:

Questão 1: A população de um inseto em um silo de armazenamento de cereais cresce de acordo com a equação:

N = N0 + 48t + 3t^2

Onde N é o tamanho da população, N0 é o tamanho inicial, e t é o tempo em meses.

Considere uma população que começou com 15 indivíduos, e responda:

1.1. Esboce o gráfico da função para o domínio D = {t | 0 ≤ t ≤ 5}

1.2. Qual a taxa instantânea de crescimento populacional no tempo t = 5?

O ponto é que ela poderia facilmente ser traduzida para algo como:

Questão 1: Dada a equação:

N = 15 + 48t + 3t^2

1.1. Esboce o gráfico da função para o domínio D = {t | 0 ≤ t ≤ 5}

1.2. Qual a taxa instantânea de variação em t = 5?

E no fim a avaliação seria a mesma, pois o contexto biológico está ali apenas para tornar a questão mais atraente, para “florear” um pouco a coisa toda. Este tipo de contexto ajuda, pois os alunos começam pensando no cenário, e ficam com uma base concreta para relacionar com a matemática que vem junto. Isso é até legal, mas tem um problema: acho que este sistema está tirando o foco no aprendizado da matemática verdadeiramente aplicada à biologia e colocando o esforço na resolução de exercícios. E, veja bem, não é que eu ache isso inútil: não é! Mas não acho que resolução de exercícios matemáticos deveria ser o meu foco central, ainda mais considerando que a carga horária da disciplina é baixa (apenas uma aula de 2 horas por semana).

E como as coisas podem começar a ser?

Focar nas aplicações!

Sim, eu sei que estou usando o meme errado… Mas ficou legal, então deixa. :P

Se eu abraçar uma mudança bem radical de formato, e jogar boa parte dos exercícios fora, posso tentar explorar de maneira mais direta as aplicações. As coisas ficariam um pouco mais complicadas do ponto de vista da matemática “pura” que estaria por trás, mas o foco não estaria mais na sua resolução, e sim na sua compreensão.

Não vai ser fácil: vou precisar de mais exemplos, de construir novas aulas, de inserir novas ferramentas (talvez algumas explorações práticas usando o Excel ou outras plataformas). No geral, vou aproveitar apenas uma pequena parte do que construí… E, o que possivelmente vai me dar mais trabalho, vou ter que repensar completamente sobre as formas de avaliação da disciplina! Exercícios como questões de prova não vão funcionar mais, então terei que elaborar novas provas e formas alternativas de avaliar. Ufa! Mas acho que vai valer à pena, de verdade. :D

Um pequeno exemplo com base em algo que já tenho pronto

No que diz respeito às aulas em si, tenho uma pronta “na manga”: a aula que eu usava como a primeira da disciplina! Esta aula foi criada deliberadamente para “fisgar” os alunos. Nela, eu mostro como, a partir de uma matemática super simples, é possível criar um modelo para prever a distribuição de uma espécie. É uma aula que funciona bem, pois ela parte de uma questão que é puramente biológica (sobre a distribuição das espécies) e puxa, sem dificuldade, um pouco de matemática bem simples para solucionar um problema prático. Vou puxando a participação deles com perguntas e construindo o raciocínio aos poucos, junto com a turma, que costuma se empolgar com o problema e sua solução. Esta aula é um modelo legal, pois nela não há o aspecto dos exercícios de matemática, mas fica bem claro como uma ferramenta desta área pode ser aplicada em um problema biológico. É mais ou menos por aí que eu gostaria de seguir com a estrutura das aulas.

E as avaliações?

Aí está o meu maior desafio! As provas de exercícios vão cair fora, e possivelmente não usarei mais provas tradicionais (daquela prova “clássica” que ocupa boa parte do tempo da aula). Penso em inserir seminários, trabalhos em grupos e algumas coisas a mais. E aí, finalmente, chego no tal ponto do “virar de cabeça pra baixo”! Ou, melhor dizendo: virar de trás pra frente. Mas vamos com calma: o assunto está ficando comprido, então vou parar de novo por aqui. No nosso último (será?) capítulo, vou explorar um pouco mais essa parada.

Neste meio tempo, comentem, discutam, sugiram ideias! Estou em fase de planejamento, então qualquer ideia nova pode ser muito bem vinda. ;)

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Marcos V. C. Vital
Hipótese Nula

Prof. da UFAL, coordenador do LEQ, apaixonado por ensino, ciência, R e jogos!