Guerra total da indústria contra o Consumo Colaborativo na Espanha

Martin Draghi
8 min readApr 12, 2014

Quando o consumo colaborativo apareceu em nossas vidas a cerca de 5 anos, não é de se estranhar que antes da crise financeira global, parecia um fenômeno inocente, uma nova tendência cheia de boas intenções, mas de pouco conhecimento entre o público .Porém, o tempo demostrou o contrário, especificamente em setores econômicos clássicos como os de hospedagem e o de transporte, onde as empresas tradicionalmente estabelecidas notaram uma significativa perda de fatias de mercado devido ao aparecimento de plataformas inovadoras como AirBnB e o Blablacar, que são empresas que representam um novo modelo de negócios baseados no consumo colaborativo e no compartilhamento.

O consumo colaborativo se baseia no compartilhamento de determinados serviços, ou seja, a troca se dá entre pessoas, sem nenhuma grande empresa intermediando o processo, algo que foi proporcionado pela comunicação através da internet e os dispositivos móveis.Trata-se de um movimento oriundo da rede, onde nos últimos anos notou-se o nascimento de diversas plataformas relacionadas a essa nova forma de empreendimento. Algumas delas se tornaram empresas de grande porte, alavancando a tendência do consumo colaborativo, e obtendo resultados comerciais notáveis.

Tecnicamente, o consumo colaborativo se baseia no conceito P2P (peer-to-peer), onde a transferência de dados (ex: o antigo Napster) se dá apenas por duas partes interessadas na troca, sem ter uma grande empresa como intermediadora do processo de compra e venda. Esse modelo foi um dos mais criticados por diversas indústrias que possuíam patentes dos seus produtos, especialmente a indústria fonográfica, que acusava o modelo de estimular e promover a pirataria. As empresas com modelos de consumo colaborativo seguem a mesma regra do conceito de P2P, ou seja, criam uma plataforma onde os usuários podem se encontrar e realizar diversas atividades sem precisar de um grande intermediador do processo de compra. Alguns dos segmentos onde o consumo colaborativo já é uma realidade é o de empréstimos sociais,transporte e até serviços diversos.

O caso Blablacar na Espanha

É um fato que o consumo colaborativo está roubando clientes de determinado segmentos, por isso osplayers estabelecidos no mercado acusam as novas plataformas de concorrência desleal, argumentando que esses modelos de negócios não estão submetidos ao mesmo regime fiscal, nem ao mesmo sistema de licenças, nem mesmo aos padrões estabelecido de qualidade.

A nível global, existe um crescente debate sobre a necessidade e o tipo de regulamentação para empresas que atuam com modelos de consumo colaborativo. Na Espanha, a guerra contra o consumo colaborativo já se torna evidente. Um projeto de lei redigido pelo Ministério da Economia estabelece que o montante máximo para projetos de crowdfunding seja de 1 milhão de euros, onde cada pessoa poderá investir a quantia máxima de 3 mil euros por projeto, e 6 mil euros em diversas iniciativas ao longo de 12 meses. O projeto é direcionada as chamadas “Plataformas de Financiamento Participativo”, que inclui empresas como a BlaBlaCar, que tem como conceito reunir condutores com passageiros que vão para o mesmo destino, tendo como benefícios dividir os custos da viagem e também conhecer novas pessoas. Entenda melhor no vídeo abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=6wIlgrU8ySo

O projeto de lei ainda não chegou ao Congresso para ser votado, mas o último capitulo do projeto tem como principal protagonista a Fenebus (Federação Nacional de Empresas de Transporte e Ônibus) e a startup Blablacar. De origem francesa, a startup está tendo um sucesso inusitado na Espanha. No total, mais de um milhão de pessoas viajam na Europa utilizando a plataforma. A Fenebus pediu o fechamento das atividades da BlaBaCar argumentando que eles não pagam impostos, e por esse motivo estão exercendo uma atividade ilegal que vai contra as empresas de transporte que estão legalmente estabelecidas e autorizadas para exercer o serviço mediante ao sistema de licenças. Os responsáveis pela Blablacar rebatem afirmando que não pagam impostos, por que a reserva de um banco vazio em um carro é gratuita e que a troca financeira se produz entre as duas partes que aceitam em pagar determinado valor para concretizar a viagem, normalmente pago em dinheiro. No entanto, a Fenebus denunciou a situação em três instâncias de poder: O Ministério do Fomento, Ministério Público e a Direção Geral de Tráfico. A Fenebus também está disposta a apresentar sua reclamação por concorrência desleal a Comissão Nacional de Mercado e Concorrência

Guerra legislativa

No caso do segmento de hospedagem, o cenário não é muito diferente. Na Espanha, a antiga Lei de Arrecadamentos Urbanos permitia esse tipo de modelo de negócios P2P, porém, após sua reformulação ocorreram diversas modificações na lei, muitas das quais proíbem claramente o aluguel entre pessoas físicas, salientando que esses novos modelos de hospedagem não contam com os requisitos básicos, como por exemplo o serviço de limpeza.

Nas principais capitais do mundo incia-se um processo que conta com uma série de medidas restritivas as empresas voltadas ao segmento de hospedagem colaborativa (ex: AirBnb). Em Nova York e São Francisco foi estipulado em 1 mês o tempo mínimo de aluguel, em Paris sete dias. Na Espanha a Comunidade Valenciana e Catalunha foram as pioneiras na regulamentação da questão dos modelos de hospedagem compartilhadas, porém a indústria acredita que as leis são muitos fracas devido ao fato que a legislação criada apenas obriga aos anfitriões a se inscreverem em um cadastro, como parte de um código de boas práticas.

Agora, chegou a vez do Pais Vasco e a Comunidade de Madrid, região estratégica do ponto de vista do debate sobre o tema, levando em conta que a capital é um dos maiores destinos turísticos de Europa. O governo Vasco já anunciou que sua próxima Lei de Turismo regulamentará essa atividade econômica, em Madrid existe um rascunho de lei que atualmente se encontra em processo de revisão de alegações.

As principais são da Associação Empresarial Hoteleira de Madrid, que apresentou sua posição sobre o tema através do seu presidente, Antonio Gil:

“Trata-e de um novo nicho de mercado que está sendo aproveitado por empresas dedicadas de forma exclusiva a esse tipo de aluguel usando a internet. Estão tentando disfarçar esse tipo de atividade com o nome de “Consumo colaborativo”, mas isso tem pouco a ver com a realidade. Seu único objetivo é oferecer um serviço como os da indústria hoteleira, as pensões, os hostels mas sem as exigências legais desses estabelecimentos.Estamos diante de um negócio, que se disfarça como quer se disfarçar

“Queremos que lhes exijam o mesmo que os demais estabelecimentos para proteger o consumidor, os investimentos da rede hoteleira e também seus vizinhos.Em Barcelona, os bairros em que praticam essa forma de hospedagem colaborativa estão incomodando os vizinhos, ninguém quer ter um hotel fora de controle ao lado da sua casa” afirma o presidente.

Entre outras alegações que estão sendo apresentadas pela Associação Empresarial Hoteleira de Madrid sugere-se uma modificação do rascunho de lei que é considerada por eles como “muito fraca, na linha da Lei da Catalunha, onde se há delimitado apenas a solicitar uma comunicação ao responsável pelo aluguel em relação a esse tipo de hospedagem colaborativa e a obrigação de acrescentar a taxa turística”, as modificações sugeridas pela Associação Empresarial Hoteleira de Madrid são:

1) A limitação de um mínimo de sete noites de aluguel, como acontece atualmente em Paris.

2) A obrigação de uma licença por uso turístico.

E por último “Pediremos que os municípios regulem a concessão dessas licenças. Estamos convencidos que é uma atividade 100% econômica e existem empresas muito grande por trás desse segmento, como o AirBnB. Confiamos que a Comunidade de Madrid se posicione a favor do setor hoteleiro. Ao contrário, se fomentará uma atividade econômica sem controle.” ressalta o presidente, Antonio Gil.

A versão do Consumo Colaborativo

Porém, a proliferação de startups baseadas no consumo colaborativo não deixa de cresce. Na Espanha,no setor de hospedagem, uma das mais populares é a Alterkeys, Chema González, CEO da startup responde sobre as diferentes questões do debate sobre a regulamentação.

Sobre a restrição do tempo mínimo de aluguel por sete afirma que

“É um absurdo, seria o mesmo que proibir, por que, por exemplo, em Madrid, poucos turistas ficam 7 dias e o segmento hoteleiro conhece perfeitamente esse dado. Por isso querem estabelecer esse limite”. Madrid tem um tempo de permanência média de turistas mais baixas da Espanha. Na Costa do Sol, por exemplo seria diferente.” afirma Gonzales

Em relação a obrigação de ter uma licença turística para os anfitriões ele concorda com que exista “uma regulamentação clara, com honorários e requisitos estabelecidos previamente, na linha da legislação vigente em Amsterdam aprovada a cerca de um mês”. ressalta Gonzales

“É um caso paradigmático, por que em princípio Amsterdam não aceitou a ideia dos alugueis sazonais, mas acabou mudando de opinião. Agora, os anfitriões devem registrar-se em um cadastro. Além disso, devem pagar uma pequena cota por pessoa e dia determinado pelo tempo de aluguel. Ao invés de ir em contra a hospedagem colaborativa, observarão que existia uma necessidade e lhe darão uma cobertura legal ao segmento.” agrega Chema González

Sobre as acusações de concorrência desleal, explica que “nós não apenas fomentamos essa nova economia, assim como fazemos o possível para que a fiscalização se cumpra. Em nosso caso, não existe um só euro que não passe pelos bancos” O Ministério da Fazenda pode rastrear o resto do dinheiro desde sua origem, até o final do processo, desde a nossa conta até a o anfitrião. Pode também ver quanto cada um ganhou. E a partir de esse ponto, é o próprio Ministério quem estabelece uma taxa econômica que obriga as pessoas a pagar impostos quando se supera um determinado montante financeiro.

Na mesma linha, Rafael Martínzes-Cortina, responsável pelo movimento global Peers em Espanha, defende uma regulação integradora do consumo colaborativo. “Não se pode regular em contra a Internet. Digo mais, exigimos a regulamentação por que existem muitas pessoas que chegam ao final do mês graças ao dinheiro extra ganho com o aluguel de seus quartos, nesse sentido atualmente eles não sabem se estão fazendo algo ilegal. É necessário uma regulamentação inclusiva”, afirma Nesse sentido, defensor da ideia que o conceito de turismo mudou, e os novos visitantes buscam por uma experiência mais humana, longe das fragilidades do segmento hoteleiro, sua empresa aposta na criação da figura do anfitrião, em que podem se beneficiar tanto os hotéis como as pessoas físicas que alugam seus quartos.

Os hoteleiros não entenderam ao consumo colaborativo. Pensam que surgiu um novo competidor que lhes está roubando clientes, mas se eles pudessem incorporar o elemento humano diferenciador e característico do consumo colaborativo, se gerariam milhares de postos de trabalho, pessoas que pagariam profissionais autônomos para ser anfitriões de turistas em uma cidade” relata Rafael.

Quem quiser receber mais noticias sobre o blog e sobre o mundo do consumo colaborativo pode acessar a fan page do blog. http://www.facebook.com/sustentabilidadecolab

Link do texto original — http://www.elconfidencial.com/tecnologia/2014-03-18/guerra-total-de-la-industria-contra-el-consumo-colaborativo-en-espana_103273/#lpu61insmOefnbZd

--

--