Ego trip e a síndrome das fotos de viagem no Instagram

Mariana Eberhard
4 min readFeb 13, 2019

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Afinal, para quê viajar se não para postar fotos na internet?

Photo by Maximilien T’Scharner on Unsplash

Pesquisar a hashtag ‘viagem’ no Instagram te oferece mais de 7 milhões de publicações, enquanto a palavra ‘travel’ resulta em quase 380 milhões de fotos. Cenários inesquecíveis, sorrisos, poses. Aliás, as poses são incríveis. De costas para a câmera te garante likes, especialmente se você estiver de frente para um mar azul em alguma praia de uma ilha asiática cujo nome não sabemos pronunciar.

Viajar sempre esteve ligado a status. A própria palavra turismo vem do Grand Tour europeu, uma viagem com itinerário determinado que passava pelas grandes capitais do continente. A aristocracia inglesa criou o nome no século 17, designando “viagens educacionais” que serviam para mostrar o mundo à nata da sociedade.

Depois das grandes navegações, da revolução industrial e das ferrovias, o mundo foi se tornando menor. Hoje temos linhas aéreas low-cost, o TripAdvisor te dizendo o que fazer e o Booking.com te mostrando onde dormir. O pretexto, no entanto, mudou pouco. Educar-se, conhecer outras culturas e explorar o mundo são algumas das razões pelas quais as pessoas viajam.

Entretanto, turismo ainda é uma atividade destinada apenas às classes mais altas. Viajar pressupõe ter dinheiro e férias remuneradas, o que impede grande parte da população brasileira de visitar a Torre Eiffel, por exemplo. E não adianta dizer que é só economizar e planejar porque quando não há comida na mesa, as preocupações são outras.

O sociólogo alemão Josef Krippendorf descreveu esse fenômeno na década de 80, quando ele falou sobre a dicotomia lazer-trabalho. Nas sociedades industrializadas, o trabalho remunerado e a divisão do tempo em “hora de trabalhar” e “hora de descansar” fizeram com que viajar se torna sinônimo de descanso. Tanto que os alemães, alguns dos trabalhadores com direito à mais férias, são viajantes fervorosos e levam a sério seu direito ao descanso. Com direitos garantidos e geladeira cheia, dá para pensar em conhecer Londres.

Os Estados Unidos, ao contrário, são a única nação desenvolvida que não garante o direito de férias remuneradas aos trabalhadores. O resultado são poucos dias de viagem, sendo que alguns trabalhadores preferem não tirar férias a perder dias de salário. Acabaram se tornando um exército de pessoas ansiosas, depressivas e improdutivas, o país que mais consome remédios no mundo.

Nós viajamos, alguns de nós para sempre, em busca de outros jeitos, outras vidas, outras almas. — Anaïs Nin

Tempo de lazer é vital para o bom funcionamento da mente humana. Precisamos de tempo par fazer nada e, claro, viajar. No fundo, somos uma espécie que nasceu nômade e, se formos pensar na história do planeta, não somos sedentários há tanto tempo assim. Pessoas que viajam reportam sentir-se mais felizes com o mundo e consigo mesmas.

Acredito que todos tenham lido um texto que viralizou ano passado dizendo que viajar é o segredo da felicidade, trazendo mais alegria até do que casar-se e ter filhos. Um dado provavelmente exagerado, já que a metodologia da pesquisa tornou o resultado pouco representativo. Mas viajar é bom demais, não vamos negar.

Viajar sim, se desconectar nunca

Qualquer um que tenha uma conta em redes sociais sabe que há sempre alguém viajando por aí. “Fulano foi para a China! Sicrano está na Espanha, olha que chique…” são algumas das coisas que a gente pensa todos os dias ao abrir o Instagram ou Facebook. Geralmente quando estamos cheios de trabalho a fazer numa quarta à tarde entediante.

Nada contra compartilhar memórias felizes, lugares interessantes e descobertas maneiras. Antes da internet, nós tirávamos a foto, revelávamos o filme e mostrávamos o álbum para a família inteira depois do almoço de domingo. Além de nômades, nós somos seres sociais e precisamos da aprovação, admiração e até da opinião alheia.

Mas na internet há um mundo de aparências, filtros e frases de efeito. Viajar não é ver, mas sim ser visto viajando. É um sintoma de uma mudança social profundamente maior onde a reputação online significa muito, especialmente para os mais jovens. Em nome de likes e visualizações as pessoas já fizeram de tudo, inclusive inventar uma vida perfeita.

Os travel influencers são pessoas (geralmente jovens e bonitas) que viajam experimentando hotéis e restaurantes com tudo pago para depois falar bem da marca em questão. Eles são cada vez mais comuns, enchendo nossos feeds de imagens lindas. E os nossos corações de inveja.

Em nome da competição, fazemos o mesmo. Tem gente que posta foto de tudo o que comeu, viu, por onde andou, a rua que cruzou. São as tias viajantes de antes, com um álbum de fotos pesado mostrando aquela viagem para Israel que foi tão emocionante. Hoje, passamos o dedo e seguimos adiante, ou clicamos em curtir em nome da felicidade alheia, por que não?

Para ser bem clara, não tenho nada contra postar fotos de viagens na internet. Postemos mesmo, mostremos o que nos fez vibrar. Todo mundo precisa ver aquele pôr-do-sol magnífico com um templo Hindu na frente. É lindo, eu sei, mesmo que a câmera do celular não consiga registrar as cores direito. Além disso, a conta é sua, a vida é sua e você o que quiser de ambas.

O problema que eu percebo é quando o ato de registrar o evento se torna mais importante do que o evento em si. Às vezes, parece ser mais interessante tirar foto do que apreciar a paisagem, sentir o aromas, escutar idiomas estrangeiros, absorver os detalhes. Tem gente que só tira foto da Estátua da Liberdade se estiver aparecendo.

É como provar que esteve lá, colecionando destinos sem se aprofundar em nada, extraindo só o que pode ser visto e vendido. Viajar envolve muito perrengue, comidas estranhas. Ninguém posta sobre a noite em que dividiu o quarto do hostel com um europeu não tomava banho nunca. Mas são exatamente esses detalhes que a gente vai lembrar para sempre. E eles não aparecem em foto nenhuma.

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Mariana Eberhard

Jornalista brasileira vivendo em Berlim, futura Ph.D. em sociologia do turismo. Sometimes in Portuguese, sometimes in English.