Feminismo negro é sobre luta e sobre esperança

Mariana Janeiro
3 min readJul 27, 2020

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Sentei para escrever alguma coisa e só conseguia me lembrar do debate que fiz mediação entre Major Denice, Leninha e Benedita da Silva, no dia 24 de julho. Revi e chorei um pouquinho, emocionada. Então esse texto hoje, no Dia de Tereza de Benguela, é meio carta, meio exaltação, meio um chamado.

Eu queria falar um pouco sobre o feminismo negro.
Mas antes, é importante dizer que o feminismo precisa ser uma ferramenta para emancipar as mulheres, principalmente as negras e pobres. Por isso que, digo e repito, o feminismo liberal não nos serve. E não não serve porque, ainda que queira acabar com as desigualdades de gênero, o feminismo liberal, que se tornou hegemônico opera através de meios que estão disponíveis apenas para mulheres da elite. Não nos serve porque, por não ser antirracista e nem anticapitalista, deixa de fora, justamente, as mulheres negras e pobres, que são os corpos que ficam pelo caminho.

O feminismo branco, liberal, hegemônico, aquele que aparece bastante na GNT e na ONU, talvez dê conta de encarar o patriarcado, mas passa ao largo do genocídio do povo negro, do encarceramento em massa, do ranço escravocrata brasileiro.
Por isso a importância do feminismo negro: para que nenhuma de nós fique para trás.

Assim, o feminismo negro não pode ser encarado como uma “versão negra” do feminismo que já existe. Precisamos parar de glamourizar feministas negras e o feminismo negro. Veja, não é que não devemos exaltar toda a sabedoria ancestral que desenvolvemos, mas precisamos parar de revestir isso de um glamour que não existe. E não existe porque o feminismo negro é, na verdade, um acúmulo da realidade das experiências das mulheres negras, é, como dia Patricia Hill Collins, “a realidade das vidas negras precárias”.

Vidas precárias porque, vivendo em um sistema estruturalmente racista, não há nenhuma garantia que as vidas negras irão sobreviver, sobretudo as mulheres. Não há glamour entre escolher a luta para não morrer.

E, justamente por não termos escolha é porque o feminismo negro também é sobre esperança. E digo isso porque, me digam, como uma mulher sobrevive à brutalidade genocídio da nossa realidade, ao cativeiro capitalista dos dias atuais? Apenas com a esperança de que, algum dia, não estaremos mais nessa condição. Nisso, o feminismo negro e, sendo justa, o movimento negro como um todo, lutou e continua lutando e preparando a próxima geração negra para uma vida que nós nunca vivemos.

Eu hoje sou o sonho das minhas antepassadas.
E, por isso, sou tudo o que a sociedade não permite que eu seja. E sou assim porque não permiti que meus sonhos ficassem menores e preservei todos eles, mesmo diante de toda opressão.

Mas não fiz tudo isso sozinha, porque não existe luta sozinha. Só consegui preservar meus sonhos porque as que vieram antes de mim abriram mão de algo para construir a luta. Só consegui porque as que vieram antes tiveram esperança em mim sem nem me conhecer.

Feminismo negro é sobre a esperança no que se constrói.

Então, hoje é um dia para reafirmar que eu sou de luta e de esperança. Esperança que só existe na construção e é por isso que nós, mulheres negras, nos movimentamos.

E meu desejo, para o dia de hoje (e todos os outros dias), é que cada vez mais, mais e mais de nós, encontrem a sua própria voz, porque eu não quero, não posso e não devo falar por um grupo tão grande e tão complexo como é o nosso, das mulheres negras.
Meu desejo e meu trabalho é para que essas mulheres, silenciadas desde sempre, encontrem sua voz. E que falem. Porque eu (e todo o mundo) preciso ouvir o que as mulheres negras têm a dizer.

#JulhoDasPretas

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