Amor de verão

Mariana Vieira
3 min readJan 22, 2018

quente, doce e abundante

Assistimos a cenas demais. Ficções criadas por alguém e projetadas em telas, ou, pior: algumas recorrentes, criadas por nós mesmas e exibidas em reprises no cinema da mente. Eu tenho essas fantasias, que são tanto influenciadas por criações dos outros quanto pelas minhas próprias especulações mentais. As minhas, no caso, são sobre este estado de espírito chamado verão.

Há anos me imagino vivendo um verão imaginário, tão verdadeiro quanto as paredes que o Chapolin derrubava com sua marreta de plástico. Nesse meu retiro vivo férias remuneradas, com minhas irmãs e amigos, num beira mar maravilhoso, por pelo menos um mês seguido.

Paraty? Floripa? Península de Marau? Qualquer localidade dessas, uma casa de praia; redes nas quais cochilar de tarde; peixe pescado no dia e assado na brasa, sem louça para lavar depois. Já pensou?

Para beber: espumantes e rosés todos os dias, entrecortados apenas pela ideia de caipirinhas Jorge Amado, com limão, maracujá e a cachaça Gabriela, inigualável.

Claro que, no sonho, o figurino importa. Biquínis retrôs e viseiras chics, além de roupas claras, de vários tons turquesa para combinar com o mar. Uma havaiana nova, tiras confortáveis, virgens antes de sentir a areia. Nada de queimaduras, apenas um bronzeado leve, bochechas e têmporas saudáveis. E, veja, não é por se tratar de um delírio de calor que esqueço da parte cultural: um livro perfeito para ler na esteira, algo leve e divertido, quem sabe um imaginário volume de novas crônicas da Nina Horta.

Mas a verdade mesmo é que, em janeiro, nas grandes cidades, comemora-se o melhor fluxo do trânsito — e só. Entre anos de estiagens e outros chuvosos, abafados, o cheiro mineral do mar, misturado ao de queijo coalho derretendo na grelha e do bendito filtro solar gorduroso são, na minha experiência, substituídos pelo pungente aroma de: manga.

Glória dos verões passados

Em Brasília não existe isso de comprar manga. Ou abacate. Muito menos Jaca. Aliás, manga é, num janeiro quente e chuvoso, praga dourada e enegrecida, cobrindo quintais domésticos e canteiros públicos, às vezes trincando para brisas ao despencarem, desavisadas, em um estacionamento da UnB em plena tarde de quinta feira. Nesta estação, um brasiliense reconhece o aparecimento de pântanos de mangas podres em todas as casas de todas as Asas.
Os habitantes mais hábeis param o carro no acostamento do Eixão, pisca alerta ligado, em busca de frutos ainda esverdeados, no pé. Inútil, ligeiramente, pois os melhores nacos são reservados aos implicantes quero-queros.

Em São Paulo a coisa é diferente.O que já vi na rua, assim, de graça, é pitanga, cereja do mato, amora e café. Quem quiser manga, que compre. Mas aí é que está. Nunca achei promoção boa de manga. São todas devidamente tabeladas para o alto, seja no estonteante e quase cinematográfico hortifruti do Santa Luzia, na bagunça da xepa do Ceagesp ou na terça feira de ofertas na Praça Benedito Calixto.

Entediada e com saudades de manga, esse fruto parrudo e quente, fiapudo e lambuzento, há alguns dias me rendi. Com reservas, porém: não tenho coragem de comprar as mangas que padecem no quintal da casa da minha mãe, as enormes Coração de Boi, Palmer e Tommy. Muito menos as mangas espada, tão plebeias.

Minha paixão adquirida, no sentido mais materialista da aquisição, foram as mangas ouro. Manguinhas. Não passam do tamanho de um punho fechado, filhotes de beija-flor ou pardalzinhos, pele fina e de um amarelo pungente que lhe confere o nome. A polpa é pouca, o caroço, grande. Me vi jantando essas preciosas manguinhas, uma, depois outra, uma quarta. Depois me veio aquela sensação de estupenda sustância, pança pro alto, largada no sofá, sonhando de novo com o êxtase do meu mar inventado.

PS: pesquisando imagens para esse texto, encontrei esse álbum, Imaginary Summer da banda Release the Sunbird.

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Mariana Vieira

Toda biografia ainda é curta; assando histórias para alimentar os famintos. || All bio is yet short; baking stories to feed those who are hungry.