Presente

Mari Mendes
2 min readJun 14, 2018

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Estava caminhando sozinha pela rua quando meu silêncio foi invadido por eles. Em excitação uníssona, um grupo de jovens vinha da escola. Encontrei-me, então, em meio a uma pequena multidão que transbordava energia, hormônios. Muitos gritavam, outros conversavam efusivamente. Outros, ainda, riam alto enquanto um alguns permaneciam calados, com a fisionomia presa em algum raciocínio que não ousei adivinhar.

Fui tomada de um desejo grande de abraçar a cada um deles. “Veja, toma aqui essa certeza, experimenta, vê se te serve. Se gostar pode tecer uma para você”. “Olha garoto, meça esse problema com essa régua aqui e veja como se sente”. “A vida é assim mesmo, a gente se acostuma, acredite”. “Ei você, venha se ver pelos meus olhos. Viu? É disso que se trata, entende?”.

Atravessei o grupo e quando cheguei do outro lado, novamente só, lembrei daquela época de frescor. De como me sentia ainda fluida no caminho da vida experimentando jeitos de ser e criando maneiras de estar. De como era exigido a construção de decisões inteiras mesmo quando eu sequer sabia o que era trilhar um caminho. De quando o que via diante de mim era uma rede de destinos infinitos que se bifurcavam. Lembrei de enveredar por eles sem bússola ou mapa, apenas com uma ideia de vida desejada na cabeça, que depois foi abandonada em troca de outra. Lembrei de quantas vezes corrigi a rota apenas olhando o pôr do Sol. Lembrei também do rio de potência que sentia brotar de mim, das tantas possibilidades, cada uma mais interessante do que a outra, coisa típica de uma época em que não se pode prever dificuldades. Época de sonhos sem porém. Uma época que contém e precede o sonho, sem o peso do sofrimento.

Em posse de uma nova perspectiva, quis voltar para o meio deles. “Deixa eu experimentar seus olhos também?” “Menino, empresta para mim essa dúvida?” “Como que funciona essa sua régua de medir os problemas?” “Ei, garota, como chama mesmo esse medo?” “Posso provar da sua angústia?” “Quem aí tem uma indecisão pra compartilhar?”

Pode ser que daqui a uns anos eu encontre pessoas com menos anos de trajetória e relembre o que sinto hoje. Pode ser que você que me lê tenha já seus pares de vivências a mais e veja nos meus 26 anos um tempo de inícios. A juventude é mesmo como esse ar que se respira o tempo todo, e contraditoriamente, na maioria das vezes sem prestar atenção. Já dizia aquele conto de Lygia “eu era jovem e não pensava nisso como não pensava em respirar”. O que me torna diferente daqueles colegiais, afinal?

Continuo com as possibilidades todas diante de mim. As ferramentas que me servem hoje para encontrar o Norte podem não ser mais úteis de repente. As certezas, na realidade, se desfazem vez ou outra e me torno cada vez mais consciente dos recomeços necessários. A juventude, enfim, é a única que existe? Esses pensamentos deixo aqui como um presente para a Mariana do futuro. Quem sabe ela possa responder. Duvido muito, mas não custa tentar.

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