Você não foi abandonado pelo seu orientador

Marina Legroski
4 min readJan 5, 2016

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(Puxando um fio da meada enrolada que é a pós-graduação)

Quando traduzi o texto sobre o custo emocional que é fazer uma pós-graduação, algumas pessoas me procuraram relatando que, com frequência, sentiam um abandono na orientação. Eram relatos sobre como o orientador era distante, frio, desligado, não respondia e-mails ou não lia tudo o que era enviado. Não vou defender orientadores que ajudam a perpetuar o massacre emocional, que são ausentes mesmo com insistentes solicitações ou que são arrogantes a ponto de achar que estão sempre certos, mas quero falar sobre o relacionamento orientador-orientado. Mesmo que eu tenha sido orientadora muito poucas vezes, acho que posso fazer algumas considerações.

Vejo um grande problema no fato de nosso sistema de ensino (não só brasileiro, não caia nessa) não nos educar para a autonomia. Ainda são muito poucas as escolas que soltam as descobertas na mão dos alunos. Nosso sistema nos condiciona, desde muito pequenos, a sentar na carteira e ouvir tudo o que o professor tem a dizer. E isso, por consequência, nos condiciona a acreditar que tudo se encerra naquilo que o professor tem a dizer. Bons alunos que somos, anotamos tudo e questionamos muito pouco. Raríssimas são as histórias de pessoas que ouviram alguma coisa na aula e acharam confuso, estranho, parcial, insuficiente ou muito interessante e sentiram um impulso de buscar mais informação. Não somos treinados pra isso; pelo contrário: acreditamos que não seremos capazes de descobrir em quais livros procurar, em quais autores devemos confiar, o que devemos buscar para não “perder tempo” lendo algo que será descartado mais tarde.

Tudo é imediato: o professor fala, eu escuto, não discuto. Muitas vezes não discutimos porque o próprio sistema nos educou para o silêncio: o professor que se irrita com o aluno que faz mais uma pergunta, os colegas de sala que zombam do curioso, os colegas de pós-graduação que dizem que “Fulano ainda não passou da fase dos porquês”… Outras tantas, não estamos interessados no assunto. Mas o que acontece nas vezes em que estamos interessados? Não vamos atrás de aprender mais? Basta a visão de uma única pessoa sobre o assunto pra que eu considere que “sei” aquilo?

Isso pode ser bem diferente pra geração de adolescentes que está na escola hoje, mas nós, tiozões que estamos na pós-graduação, ainda viemos de uma época em que pesquisar era uma coisa meio estranha que se fazia só na Barsa e nos livros didáticos, quando muito numa Enciclopédia em CD-ROM. Aprendemos a não confiar na Wikipédia “porque ela é feita pelos usuários”. (A Barsa deve ter sido escrita por deus, não sei…) E temos uma ideia de que aquilo que a gente lê por aí, fora do trabalho, é hobbie e não “pesquisa”. Tudo isso junto nos leva a ser alunos de pós-graduação inseguros, que mal sabem por onde começar.

Do outro lado do ringue está o orientador. Que nem sempre (nem sempre!) está de má vontade: mas ele espera de você autonomia principalmente porque, dentro desse nosso sistema de ensino (brasileiro, mas não só), orientar é só uma das atividades que ele faz. Seu orientador, no Brasil, não ganha adicional de remuneração por ser professor de pós-graduação e precisa, antes de dar aulas nesse nível de ensino, manter determinados níveis de produtividade científica. E, na maior parte das vezes, ele também é professor da graduação. Não é um martírio porque essas atividades estão todas dentro da carga de trabalho para a qual ele foi contratado. Mas não é como se ele pudesse estar à disposição de todos os orientandos o tempo todo.

Não é sua culpa que o sistema não te ensinou a ser autônomo. Mas você vai ter que aprender se quiser ser um pesquisador.

Seu orientador não vai conseguir ler todos os textos que você vai ler para a sua dissertação ou tese. Grande parte das vezes, ele vai dar dicas de textos que você poderia ler, caso falte na sua bagagem e ele traga na dele, mas nunca chegará a ter o nível de aprofundamento que você terá. O trabalho de pesquisa é seu. Só pode ser seu. Por mais que quisesse (e a minha orientadora, que foi mais do que presente e atenciosa no período de orientação, bem que queria…), ele não conseguiria ler tudo, discutir tudo com você para que juntos vocês chegassem a uma conclusão. Na maior parte das vezes, ele ficará feliz por você ter descoberto as coisas sozinho porque é exatamente nisso que consiste a pós-graduação: uma iniciação para a sua autonomia científica.

Isso não encerra a discussão. Nem pretende. Esse é só um dos muitos pontos que podem ser considerados nesse emaranhado de problemas que estamos enxergando nos nossos programas de pós-graduação. Existem professores autoritários e abusivos. Existem orientadores omissos. Existem pessoas mal intencionadas. Mas não são todas. O sentimento de que somos fraudes, de que nunca seremos bons, de que nossos orientadores são sádicos e egoístas talvez pudesse ser amenizado com um pouco de empatia. Seu orientador está lá pra te ajudar, mas ele não consegue te guiar sempre da forma que você sente que precisa. E, no fundo, ele acredita (sabe!) que você não precisa dele tanto assim.

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