São Jorge do Patrocínio desponta como modelo para centros urbanos

Marina Oliveira
9 min readFeb 22, 2017

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Equipe da BioParaná viajou até o Noroeste do estado para conhecer a cidade e suas soluções em meio ambiente

Imagem: Marina Oliveira

Emancipada politicamente há apenas 31 anos, em 22 de junho de 1981, São Jorge do Patrocínio desmembrou-se de Altônia muito por influência e ativismo do Padre Ernesto Pereira, primeiro Vigário da Paróquia da Imaculada Conceição. Na época, Padre Ernesto foi uma liderança ideológica e alguns moradores atribuem a ele muitos dos louros do crescimento da cidade. Outros, afirmam que os cidadãos locais sempre tiveram apreço por São Jorge e desde sempre procuraram construí-la com suas próprias mãos. Um exemplo disso foi a compra conjunta pelos moradores do terreno da praça e mutirão para construção dos espaços comuns.

O forte sentimento de pertença e a tradição cooperativista formaram a identidade do povo de São Jorge do Patrocínio, que aprendeu desde muito cedo a preservar o espaço público e aceitar ideias sustentáveis para seu dia-a-dia. Vivendo basicamente do serviço público, da indústria têxtil e da agricultura, os 6.041 habitantes dão exemplo de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Para o povo da cidade, o título ‘sustentável’ é sinônimo de ‘amor pelo lugar onde vivem, bondade superior e generosidade’.

Até o final de 2012, o município que faz divisa com o Mato Grosso do Sul e abriga em seu território parte do Parque Nacional de Ilha Grande, tem como objetivo constar entre um dos municípios mais sustentáveis do Paraná. Para isso, São Jorge corre por fora e apresenta índices impressionantes para centros urbanos de todos os tamanhos, como: 100% de coleta seletiva e iguais 100% de mata ciliar isolada e em processo de recuperação há mais de uma década. Além dessas marcas, no último ano, São Jorge foi a cidade paranaense que mais reduziu a pobreza no estado e sugeriu alternativas nas áreas ambiental, social e econômica.

Sustentabilidade: mais que um título, um modo de vida

Na visão de Erick Caldas Xavier, biólogo e secretário de Meio Ambiente de São Jorge do Patrocínio, a cidade vem oferecendo soluções sustentáveis em diversos aspectos. “Há alguns anos estamos sofrendo com o número crescente de cães na região. Para resolver a questão, foi criado o Programa ‘Bicho não é lixo’, no qual os animais foram recolhidos das ruas e encaminhados para um Centro de Zoonose, único ambulatório do tipo na região, que conta com o trabalho de uma veterinária e de investimento público no tratamento, alimentação, esterilização e manutenção dos bichos”, detalha.

O programa recebe, ainda, doação de rações e medicamentos e aceita a adoção dos animais pela população. Anexo ao Centro de Zoonose encontra-se o viveiro da cidade, que produz mudas de flores e árvores cultivadas em estufa e, depois, são replantadas nos canteiros das vias públicas, cuidados muitas vezes pela própria população. Logo na entrada de São Jorge do Patrocínio, avista-se o Parque Industrial, que abriga os galpões das fábricas principalmente têxteis e de alimentos.

Xavier conta que em meio ao Parque Industrial, a cidade resolveu criar um bosque de reflorestamento que acaba por equilibrar a natureza e quebrar o impacto das ações industriais. Outra ação sustentável pensada por Xavier frente à Secretaria foi a eliminação do uso de copos plásticos em todos os setores públicos da cidade. “Como a reciclagem desse tipo de material é bastante complicada na região devido à logística, optamos por distribuir uma caneca de acrílico para cada servidor e uma de alumínio para cada criança das escolas municipais como forma de incentivo ao desuso dos copinhos. As canecas são identificadas nominalmente e ninguém se confunde”, frisa.

Mais uma solução sustentável apontada por Xavier é a padaria do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que distribui produtos de panificação para todos os setores públicos da cidade, para as escolas e bairros afastados como o Gurucaia. Ainda no Cras, crianças e adolescentes em vulnerabilidade e risco social fazem cursos de capacitação pessoal e profissional.

Sobre educação, São Jorge é sede de um Centro de Estudos modelo. A escola recebe 200 crianças de quatro meses a cinco anos de idade em período integral, o que corresponde a um grau de inclusão escolar de mais de 50% da população nessa faixa etária. Além disso, a cidade também tem a Escola Familiar Rural, que qualifica os filhos dos pequenos produtores da região para trabalharem na terra e atua em parceria com as cooperativas dos produtores rurais municipais: a COOPELER (produtores de leite) e a COOPAT (produtores agrícolas).

Outro setor destacado por Xavier é a saúde a partir do Consórcio Intermunicipal da Saúde, a cidade registrou grandes marcas como a redução do número de fumantes. Em seis anos, o Programa de Tabagismo fez 400 pacientes deixarem o vício. Por conta do consórcio, a população é atendida por quatro clínicos gerais, obstetra e, com a presença do oftalmologista, atualmente a cidade não tem fila para cirurgias de catarata, bem como para a realização de cirurgia geral.

Mas a menina dos olhos de São Jorge é mesmo o lixo, ou melhor, a solução encontrada para ele. As folhas da varreção e os galhos podados são triturados e vão para a compostagem transformando lixo orgânico em adubo. Todos os dias uma equipe recolhe o lixo não reciclado e o envia até o aterro sanitário da cidade, que também é considerado modelo na gestão de resíduos sólidos. No entanto, o maior motivo de orgulho está na coleta seletiva executada diariamente pelas mãos de Tony Braz, José Petronilo e Luciano dos Santos. Os auxiliares de serviços gerais passam por todas as casas de São Jorge, inclusive nas áreas rurais recolhendo o lixo reciclável, que é encaminhado para o centro de triagem da região.

Tony Braz, José Petronilo e Luciano dos Santos, responsáveis pela coleta seletiva do município. Foto: Marina Oliveira

O mais interessante não é tanto a coleta, que é executada de forma exemplar pelos funcionários do município utilizando apenas um pequeno trator, mas a forma como é feita. Cada casa recebeu da Prefeitura uma caixa plástica azul destinada exclusivamente para o depósito de lixo reciclável e a recolha somente é executada se todos colaborarem e não misturarem lixo orgânico com reciclável.

Segundo o auxiliar de serviços gerais Tony Braz, a população colabora com o trabalho dos coletores e geralmente deixa tudo separado. Quando existe alguma irregularidade, um eventual pacotinho de lixo orgânico “esquecido” em meio às caixinhas, Braz não titubeia, bate na casa do atrevido cidadão e o chama para uma conversa. “Acho que estamos bem, só uns 10% não respeitam as regras, é uma questão de cidadania e trabalho em equipe”, adverte.

Caixa plástica azul exclusiva para dispensa de lixo reciclável. Foto: Marina Oliveira

Além dos caixotes azuis, o município também desenvolveu a campanha ‘Semana sem sacola’, em que todas as casas receberam sacolas retornáveis jeans, “sobras” do material não utilizado nas indústrias têxteis locais. Durante o período, os mercados foram orientados a não distribuírem sacos plásticos para os clientes incentivando a utilização dessas bolsas. “Tentamos sempre desenvolver desafios saudáveis”, comenta Élida Maiorani, bióloga ligada à Secretaria do Meio Ambiente.

O prêmio para o mercado mais participativo foi uma bicicleta, forma de estimular também o uso de um meio de transporte saudável, problema ainda vigente na cidade sustentável. São Jorge do Patrocínio está passando pela ampliação de vias públicas para aumentar o espaço de circulação de carros. A cidade não oferece transporte público, o que fomenta a cultura do carro entre os moradores. Para o secretário Erick Xavier as pessoas abusam do uso do automóvel. “É impressionante, aqui as pessoas pegam o carro para andar duas quadras”, lamenta.

Influência religiosa em prol do desenvolvimento ambiental

Devido a forte tradição católica na cidade, a população de São Jorge do Patrocínio trabalha em conjunto com a Igreja buscando melhorias ambientais para a cidade. O atual sacerdote da Paróquia Imaculada Conceição é Padre Michel, um entusiasta dos motivos ecológicos e que em seus sermões fala sobre a importância da preservação do meio ambiente.

Na última reforma paroquial, foi trocada toda a calçada do entorno da Igreja, substituída por um calçamento ecológico, ou seja, permeável. “A Instituição é um importante canal de comunicação com a população local”, afirma Xavier. Tanto que desde março de 2012, instituições ambientais e a Igreja Católica, por meio da Pastoral da Juventude, desenvolvem em conjunto a limpeza do Rio Paraná pelo programa ‘Rio Mais Limpo’, um mutirão que tem como objetivo a recolha de materiais que degradam as margens do Rio Paraná e também a área do Parque Nacional de Ilha Grande.

A iniciativa contou com a participação de Frei Pacífico, um padre franciscano da região, que confeccionou uma imagem artesanal de São Francisco da Ilha Grande, baseado em São Francisco de Assis, passando a ser símbolo do programa.

Imagem de São Francisco da Ilha Grande. Foto: Acervo CORIPA

Durante a quaresma, a proposição colocada nas missas era que a população cumprisse três compromissos com o meio ambiente e, para serem lembradas, foram distribuídas fitinhas para os cidadãos (como as do Senhor do Bonfim) a fim de certificar os compromissos. A ideia foi bem aceita pela população e mais tarde a ITAIPU BINACIONAL acabou adotando a medida das fitinhas no programa ‘Cultivando Água Boa’. “Atitudes sustentáveis são resultado de gestão de liderança e coragem e vai do interesse da população local e também dos dirigentes do município aceitar proposições que tenham cunho verdadeiramente ambiental”, defende Xavier. “Por isso esse trabalho conjunto é fundamental”, completa.

Fitinhas de São Francisco de Ilha Grande, uma das ações do Projeto Rio Mais Limpo, e que mais tarde foi reproduzida pela ITAIPU BINACIONAL. Foto: Acervo CORIPA

CORIPA

São Jorge do Patrocínio é um dos oito municípios que participam do CORIPA (Consórcio Intermunicipal para Conservação do Remanescente do Rio Paraná e áreas de influência). A parceria tem como finalidade a manutenção dos ecossistemas associados ao Rio Paraná, ilhas e várzea. Outro objetivo é facilitar a gestão de Área de Proteção Ambiental (APAs) intermunicipais e a sua existência motivou a criação do Parque Nacional de Ilha Grande. “O CORIPA atua com duas linhas bases de trabalho: a gestão de Unidades de Conservação e o planejamento ambiental”, destaca Erick Xavier.

Com sede em São Jorge do Patrocínio, o Consórcio desenvolve desde 1995 ações de aceleração e desenvolvimento socioambiental e econômico. Além do CORIPA, outros dois consórcios atendem a região, o COMAFEN (Consórcio Intermunicipal da APA Federal do Noroeste do Paraná) e o CIBAX (Consórcio Intermunicipal para a Conservação da Biodiversidade da Bacia do Rio Xambrê), essas entidades não são órgãos de fiscalização, mas atuam em conjunto com o IBAMA, o IAP e o ICMBIo.

Vista do Rio Paraná. Foto: Marina Oliveira

O CORIPA tem a secretaria executiva separada das administrações das Prefeituras. As cidades atendidas recebem o ICMS Ecológico, uma forma do Governo do Paraná compensar os municípios pela restrição de uso de solo em unidades de conservação ou em áreas de preservação específica, já que as atividades econômicas são restritas ou até proibidas em alguns locais. Com a finalidade de garantir a preservação, o ICMS Ecológico é uma forma de incentivo aos municípios em melhorar a qualidade das áreas protegidas ou criar novas.

Erick Xavier, que também é secretário executivo do CORIPA voluntariamente, explica que o quadro do Consórcio é bastante enxuto, são oito funcionários na parte técnica e administrativa, atuando em conjunto com os fiscais da APA, agentes ambientais, servidores, SEMA, bombeiros, universidades, ONGs, ICMBio, entre outros.

Erick Caldas Xavier, Secretário Municipal do Meio Ambiente de São Jorge do Patrocínio. Foto: Acervo CORIPA

Além dos planejamentos e cuidados dispensados aos municípios na gestão ambiental, o CORIPA também desenvolve ações de preservação e conservação do meio ambiente como, por exemplo, o projeto Rio Mais Limpo, a co-gestão do Parque Nacional de Ilha Grande, a educação ambiental, regularização fundiária, entre outras iniciativas. Os demais municípios que participam do CORIPA são: Alto Paraíso, Altônia, Icaraíma, Guaíra, Esperança Nova, Xambrê e Terra Roxa.

*Essa matéria foi publicada originalmente na edição nº 13 da Revista BioParaná, do Conselho Regional de Biologia do Paraná — CRBio 7.

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Marina Oliveira

Jornalista, mas prefiro strogonoff. Eu só queria dizer que…