Spoilers. Muitos spoilers

Se você ainda não viu “O Despertar da Força”, NÃO leia isto. Volte depois e comente comparando suas impressões com as minhas — vai ser legal!

Mario Vázquez Amaya
10 min readDec 22, 2015

Isto não é uma resenha: são impressões ilustradas com capturas dos trailers do filme. Escrevi em meia hora. Mas por que me dar a essa tarefa?

Logo depois de assistir a SWE07, abri o IMDB para ler as críticas do público — e fiquei completamente besta com a sequência ininterrupta de resenhas negativas. Parece até que todos os que odiaram a película ao redor do planeta combinaram e se programaram para postar ao mesmo tempo um infinito flood de notas 0 e 1.

Mas não foi esse o filme que eu vi, nem as pessoas que estavam ao meu redor no cinema. Eu vi uma saudável versão recriada e melhorada dos filmes da trilogia “clássica”. Desde o primeiro minuto, entendi que se tratava de reapresentar a magia de SW a uma turma nova e não necessariamente de prestar serviço aos fãs antigos.

Por isso, a turma nova está adorando o filme — e os fãs antigos, odiando.

Só que os prospectivos fãs novos são imensamente mais numerosos que os antigos. E o futuro pertence mais aos novos que aos antigos.

As queixas veementes dos fãs antigos dizem muito mais respeito a eles mesmos que ao filme: são, reflexivamente e inconscientemente, uma desagradável descoberta de que o mundo cultural de hoje não lhes deve nenhuma deferência. A crítica amarga do fã que se sentiu “traído” porque não viu o que queria ver não está falando da obra, e sim do seu relacionamento pessoal com a obra.

Vemos isso o tempo todo com bandas de música, a cada novo álbum lançado. Formam- se três divisões no público: os que reconhecem e acolhem a novidade, os que acham que não mudou absolutamente nada e os que se sentem ofendidos porque houve uma mudança indesejada.

E essa gritaria acontece mesmo sendo pacífico que o Episódio VII sozinho é melhor produzido que toda a trilogia “nova” de George Lucas — I, II e III. Bem filmado, efeitos especiais decentes, ritmo correto, elenco inteiramente bom, diálogos (até que enfim) bem escritos (apesar dos inevitáveis furos no roteiro, que vão ter que ser consertados em outros filmes, desenhos, livros, gibis).

Se o filme fosse abertamente ruim, o nível da crítica negativa seria exatamente o mesmo. Então, por que se importar?

É preciso ter consciência sobre o que se pode esperar da obra, não somente como produto cultural mas também (não sendo cínico, apenas sendo realista) como produto de marketing. Este filme foi feito para servir de porta de entrada para um imenso universo de produtos SW (incluindo filmes futuros paralelos à sequência principal), o que elimina a dependência de fazer essa entrada sempre através de um episódio filmado precariamente há longos 38 anos, com o qual seu criador nunca ficou satisfeito.

(Eu revi o Episódio IV no Netflix e me surpreendeu o quanto de falhas ele apresenta em detalhes de ritmo e montagem. No esforço de encurtar ao máximo a duração, a maioria das cenas é cortada em cima demais do fato, não dando tempo para o desenvolvimento dramático ou simplesmente para o espectador se acostumar a um ambiente ou dado novo. Parece que me acostumei demais aos atuais filmes bem montados, pois hoje essas coisas não se percebem mais.)

Botei os óculos 3D e curti o filme todo. Só detestei duas coisas — Snoke e a Base Starkiller — mas o que realmente importa, o grupo de personagens que carregam a trama, ficou ótimo. Com o elenco renovado e o ambiente definido, o Episódio VIII, esse sim, poderá inovar de verdade.

Os críticos sempre criticarão.

Batalhas e gadgets

Pelo lado positivo, este novo SW evitou em certa medida as múltiplas tomadas alternadas entre dois acontecimentos simultâneos. É um vício narrativo irritante e desorientador, típico de toda a série (até existem no YouTube montagens feitas por fãs que separam completamente a batalha espacial da luta de espadas do Episódio VI — ambas ficam muito melhores dessa forma!).

Pelo lado negativo, fiquei com vontade de ver tomadas mais longas e concentradas nos novos X-Wings, que seguem um belo design não usado do primeiro SW, com os motores divididos entre as asas. Quando eles agem, é tudo muito rápido e mal dá para curtir. Considerando-se que a maldita corrida de Pod Racers do Episódio I dura 20 minutos ininterruptos, e que a invasão de Hoth no Episódio V (do mesmo roteirista deste) é a batalha que apresenta o ritmo mais perfeito, é uma lástima não termos uma cena de combate aéreo que seja menos frenética nos pans e cortes. (Mas logo vai ter um filme paralelo sobre os pilotos, então…)

Posto isso, os TIE Fighters são bacanas como sempre e apreciei muito o momento em que Poe se diz impressionado com sua qualidade. Deu vontade de roubar um, como ele faz.

BB-8 é melhor que R2D2. Um upgrade claro e nítido sobre o anão vestido de lata. Tem mais liberdade de movimento, é ainda mais expressivo e, surpreendentemente, não é imbecil. Sim, eu honestamente esperava ver algo tal qual um novo Jar Jar Binks, supostamente porque isso teria “apelo para as crianças”. Afinal — não é mesmo? — em cada episódio de SW tem sempre que ter um personagem cretino desses. Supresa: não tem sidekick idiota m SWE07!

Pessoas

Finn é um cara bacana, o arquetípico everyman com quem todo espectador pode se identificar (desde que não seja um babaca racista). Ele exibe as mesmas dúvidas e medos que uma pessoa qualquer teria naquele ambiente. A relutância dele em abraçar a aventura lembra a de Han na sua estreia.

O filme explica de forma convincente porque ele aparece no trailer segurando uma espada Jedi. Mas falta saber porque ele é o único Stormtrooper que desenvolve ideias próprias. Ou porque Kylo Ren conscientemente lhe dá uma chance de seguir seu rumo, o que é um erro estratégico sério.

Rey e Finn se dão muito bem juntos, mas tenho um palpite de que no Episódio VIII ela fará par romântico com Poe, o piloto, mantendo Finn na friendzone. Oh, dó!

Espero muito mais da subutilizada Capitã Phasma para os próximos filmes. Que ela possa tirar o capacete, por exemplo. Ou mesmo que ela se torne o objeto de amor de seu ex-colega Finn depois de ele ser rejeitado por Rey… por que não? Em algum lugar qualquer do mundo, neste momento, alguém pode estar escrevendo um fanfic sobre isso.

Os pontos fracos

O roteiro tem várias falhas. Em particular, mesmo imaginando-se que Rey tenha telepatia com Luke e acesso pleno a suas memórias, ainda é difícil entender como ela aprendeu tanto sobre espaçonaves. Isso me fez lembrar negativamente da protagonista Ayla na série de livros Os Filhos da Terra, da escritora Jean M. Auel. Suas histórias se passam no Paleolítico e, embora apresentem descrições detalhadas e bem pesquisadas sobre o estilo de vida dos proto-humanos, escorrega ao tornar sua heroína a responsável única por uma quantidade enorme de descobertas e invenções, desde a domesticação de cães e cavalos até métodos contraceptivos herbalísticos. Fica parecendo até que ela é a única pessoa inteligente de toda a Era Glacial.

E outra coisa — já que a Millennium Falcon é uma nave importante, por que não foi tratada como tal desde antes de Rey precisar fugir?

Um temor que eu tinha a partir do trailer se confirmou. A Primeira Ordem é simplesmente uma nova versão ainda mais “nazista” do Império Galáctico, que parecia ter sido completamente aniquilado no Episódio VI, só que não. Tédio.

Aparentemente eles destroem a capital da nascente Nova República neste filme, usando a Base Starkiller — que lamentavelmente é nada além de uma terceira Estrela da Morte, igual até mesmo nos seus defeitos de projeto e na tática de combate usada pelos Rebeldes, digo, Resistência. Eu já achava esquisito terem repetido a ideia da Estrela da Morte do Episódio IV para o VI. Isso sempre me pareceu uma grotesca falta de criatividade. Mas agora já me conformei com a ideia de que vão, sim, tentar requentar o planeta-canhão em todos os próximos filmes. Só irão inovar se a próxima base dessas for construída pela Resistência. Seria legal ver os malvados tomando couro dos bons ao longo de um filme inteiro — mas provavelmente isso não “vende” para o público.

O pior mesmo de tudo é o tosco e absurdo Supremo Líder Snoke, que aparece do nada para distribuir ordens e não toma atitude nenhuma quando Kylo falha; essa dinâmica precisa melhorar nos próximos filmes.

A morte obrigatória

No trailer, ao ver este momento, entendi a dica e pensei: ah, alguém importante morre.

É aquele velho truque: em quase todo SW morre um personagem relevante:
IV: Obi-Wan Kenobi (mas ele segue existindo, na forma de Force Ghost).
V: Han Solo (foi congelado porque o ator Harrison Ford não tinha certeza se voltaria a atuar no VI, e por isso conta como uma das mortes).
VI: Yoda e Darth Vader.
I: Qui-Gon e Darth Maul (que depois reaparece vivo nos desenhos animados, porque deixá-lo morto seria um desperdício).
II: Jango Fett (que não é tão importante, mas é o motivador do seu filho).
III: Conde Dooku (Darth Tyranus) e Padmé Amidala. E Anakin praticamente morre para ressuscitar como Sith Lord.

Eu chutei quem poderia ser o próximo da lista de óbitos ilustres — e acertei.

Pois é. Em certo momento pensei: da mesma maneira como Poe tornou-se estranhamente secundário depois do primeiro ato, Han Solo assumiu um papel tão preponderante no segundo ato que está até parecendo que este filme é sobre ele.

Bingo!

Vilão imaturo

Talvez o personagem mais controverso e difícil de encarar para o fã tradicional de SW seja Kylo Ren.

Os veteranos fãs de SW odiaram unanimemente esse sujeito que deseja muito impressionar, é até mais respeitado pelos colegas militares que Darth Vader, porém mostra-se imaturo, ingênuo, inseguro, inábil — uma antítese completa do avô que ele pretende emular. E no fundo ele sabe o quanto é incompetente. Marrento. Vaidoso. Propenso a “pitis” hilários.

Pois eu achei esse personagem surpreendentemente inovador, realístico e até positivo dentro dos conceitos de SW.

Darth Vader era malvado demais, Darth Maul afobado demais, Palpatine/Sidious desonesto demais, Dooku arrogante demais, Grievous patético demais. Em resumo, todos os vilões anteriores possuíam qualidades primárias extremamente intensas, o que lhes impedia ter qualquer profundidade de caráter (exceto Palpatine, que foi inesperadamente salvo por um ator excelente).

Kylo Ren, um vilão amador que faz tudo errado, é algo tão inesperado em SW quanto fora antes Leia, a heroína nata que não precisa de homens fazendo todo o trabalho por ela.

Sem dúvida, Kylo terá um enorme trabalho para resolver seus muitos conflitos e fraquezas, se for para se tornar de fato o cara assustador que pretende ser. Entretanto, ele já cometeu um crime imperdoável; um ato tão horrível que não merecerá a oportunidade redentora que foi concedida a Anakin/Vader. “Restabelecer o equilíbrio da Força” para mim significará punir Kylo Ren com muito sofrimento e sem piedade.

Yoda III, Obi-Wan II

O que dizer de Luke? Ele se aposenta, exatamente como seus ilustres predecessores Yoda e Obi-Wan, e fecha o filme com uma cena similar ao feito de Nick Fury convidando Tony Stark para entrar para os Vingadores no final do primeiro Iron Man. Essa analogia vem bem a propósito, porque aquele é um filme da Marvel e a Lucasfilm tornou-se um estúdio irmão da Marvel, ambos membros do Império Disney. Faz sentido terminar este filme com o que na realidade é a primeira cena do filme seguinte.

Oh, sim: estou certo de que Rey é filha de Luke, e também que ela sempre soube disso e guardou segredo dos companheiros de aventura. Segredo bem mal disfarçado, mas J J Abrams espera que só percebamos isso no próximo filme.

Depois de revelar a verdade (e, necessariamente, treinar Rey como Jedi), Luke poderá desencarnar em paz e virar um fantasminha azul lado a lado com seus mestres e pai. (Aproveita e leva embora a Leia também, que como líder militar ficou muito chata.)

Termino com mais uma imagem de Rey, em primeiro lugar porque ela é uma gracinha e em segundo porque o filme passa no Teste de Bechdel-Wallace. Mas é só por conta de uma cena, na qual Rey tem um diálogo sobre a Força com Maz Kanata (que, analisando tecnicamente, não deixa de ser uma versão mulher do Mestre Yoda).

Está claro que Rey carregará nas costas os demais filmes da nova trilogia, o que para mim será ótimo. Com a capacidade inacreditável que ela tem de aprender habilidades novas, vai ser divertido.

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