Formigueiro de terra vermelha
Sentei no banco velho da antiga praça que frequentava na infância e quis entender o peso do meu coração. Questionei quando vi verter minhas veias. Já era tarde demais. Eu sabia que era tarde demais. Não adiantava nem acender o cigarro, não tinha mais tempo. Eu já tinha entendido: quanto mais eu sentia, mais pesava, e conforme o peso engrandecia maior ficava a dormência no peito. Eu sempre senti, tão natural quanto borboletas no estômago. Ainda dizem isso? Já ouvi falar muito nessa expressão, mas acho que melhor do que ouvir falar é sentir esse algo que todo mundo fala e a gente se questiona: quando é que vai chegar a minha hora? A primeira vez que também senti borboletas no meu próprio estômago foi numa praça. Tinha um bar na frente dessa praça. Era uma praça parecida com essa que tem esse mesmo banco velho que eu estou sentada agora. Praças e bancos velhos de praças são testemunhas imprescindíveis na audiência de um casal que não está mais junto e que jura que tudo foi uma grande loucura. E o casal se pergunta se tudo aquilo realmente aconteceu. O velho banco escalavrado e a praça que resiste ao tempo estarão ali para sempre para dizer que, sim, vocês se beijaram pela primeira vez aqui. Foi aqui que tudo aconteceu. Pena que tudo acabou e depois nunca mais. Quem poderia prever? Só sei que o peso do meu coração aumenta e sua região adormece como se tivesse tomado um relaxante muscular daqueles que derruba por mais de 12 horas. Às vezes me pego pensando que se o cordão que me ligava à minha mãe não fosse tão sensível eu não teria nascido assim. Nasci chorando e depois aprendi que chorar pode ser bom, mas o primeiro choro é de desespero. Os bracinhos envoltos por uma coreografia de quem se debate. Por que fomos parar ali? Quem disse que gostaríamos de estar aqui? Quem acredita diz que é uma missão, uma nova chance de aprender mais do que na outra vida. A gente nunca para de aprender. Aprender não é só estudar na escola, na faculdade ou na biblioteca. Aprender é todo dia depois de abrir as pálpebras e pisar no chão. Dá para aprender até formas novas de colocar o pé para fora da cama para se ter um dia bom. Se o dia permitir, porque às vezes o futuro reserva surpresas e nem todas são tão boas, como essa do meu coração. Eu nasci e chorei de desespero. Outrossim chorei no dia que esfolei meu joelho numa casinha feita de tijolos, minha mãe tinha dito que não era para eu brincar lá. Fui mesmo assim. Caí e ganhei uma cicatriz antes mesmo de despejar as gotinhas que caem dos olhos. Chorei também no dia que me senti sozinha pela primeira vez. Eu já tinha 24 anos e consciência. Chorei copiosamente na frente do espelho, senti escorrer pelo ralo junto com as lágrimas as memórias meio lívidas e turvas. No fundo eu queria que todas desaparecessem porque com elas desapareceria o formigueiro que eu sentia queimar a minha blusa. Foi em vão. Depois de nascer a gente não para de se desesperar. É um desespero constante que faz buleversar até quem diz que é duro feito pedra. Quem dera. Sempre penso que seria mais fácil. Será que quem é assim sente crescer dentro de si o formigueiro? Não tem problema, é só de vez em quando, dependendo dos dias as formigas estão dormindo, faz frio e o metabolismo baixa igual a temperatura, não há razão alguma para se mexer agora. Respirar é a solução. Respiro em concha enquanto sinto o peso do meu coração. Começa a ficar insustentável. Eu me abaixo e sento no chão frio do banheiro. Não quero estar mais ali. Não quero sentir o peso do meu coração, não quero entender. Acho que prefiro não saber o mistério que habita dentro de mim. O oculto tem suas belezas, sua obscenidade, é oblíquo feito estrada de chão. Prefiro deixar assim como está. Acho que sempre estarei perdida e carregando nos ombros a incerteza desse peso. O lado esquerdo sempre maior que o direito mostrando a autoridade do coração. É como se ele dissesse que quem manda é ele. Resta aceitar. Alguns formigueiros são mais altos que outros.