Quando vamos ensinar os homens a sentirem?

Mari Vass
3 min readMay 19, 2016

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Estava aqui pensando nessa sociedade louca em que vivemos e estive refletindo sobre suas questões estruturais. Para quem não sabe, falar de questões estruturais é falar de coisas que estão aí atuando bem antes de nascermos. Tipo, sei lá, a ideia de “família tradicional brasileira”, por exemplo. Sempre gosto de confrontar essas questões estruturais com questões ainda não estruturais, ou seja, que estão em pauta há pouco tempo, historicamente falando.

Desde sempre acreditei que a gente tá aqui vivo pra se melhorar, se aperfeiçoar, pra deixar um legado massa pro mundo. Isso torna a vida, na minha linda imaginação, um lance de ir passando de fase, alcançando níveis mais difíceis, caindo, tombando, morrendo, renascendo, tomando pau do chefão da fase. Daí, sabe aquele alívio e aquela sensação boa de quando rola de passar por coisas que custaram muito tempo e trabalho? Pois é, adoro essa vibe, melhor coisa de sentir. Dai vem outra, outra, outra.

Sou uma pessoa muito contemplativa. Gosto de observar, entender, questionar e estou num momento de me entender como mulher e humana nesse mundo. Tenho sacado que a falta de amorosidade e de inteligência emocional é um problema estrutural bem enraizado socialmente. Daí, pensando nas desigualdades estruturais entre homens e mulheres, tenho entendido que a balança desse desequilibro pesa um pouco mais pro lado masculino.

O que quero dizer é que é bem complicado quando uma sociedade, no geral, não estimula homens a se questionarem, a desenvolverem inteligência emocional. Isso acarreta uma série de problemas, mas o principal é um desequilíbrio nos relacionamentos afetivos. Tenho entendido que homens que não conseguem se conectar com suas emoções (me desculpem o termo) são ignorantes no trato com o outro, pois desenvolvem uma perspectiva muito limitada de si e, por consequência, do outro. Isso não é ensinado em lugar algum e, se não derem a sorte de nascer numa família que tenha em seu cerne uma boa inteligência emocional, estão fadados a uma série de caminhos tortuosos em seu desenvolvimento como indivíduos ao longo da vida.

A solução ideal para isso seria aprender por conta própria, através da busca de terapias ou outras alternativas. Essa lógica se aplica às mulheres também, claro, mas como disse anteriormente, estruturalmente falando, a sociedade no geral não está interessada em desenvolver a inteligência emocional masculina. Outras inteligências são amplamente estimuladas, principalmente a inteligência focada no acúmulo de capital. O problema, ao meu ver, reside nisso. Vira um tal de “eu preciso, eu quero, eu posso” e o “outro precisa, outro quer, outro pode” fica de escanteio. A competição se estabelece e as relações empobrecem cada vez mais.

Tenho pra mim que a falta de estímulo da inteligência emocional dos homens é a principal causa de abusos cometidos contra mulheres. E nem preciso pender para os extremos. Os relacionamentos amorosos, por exemplo, ficam capengas, cheios de amarras e padrões, cheios de “sensações de vazio” porque os indivíduos não conseguem elaborar suas emoções e verbalizá-las ao outro. Falar do que se sente devia ser mais fácil já que somos seres também emocionais além de mentais.

O sufocamento das emoções é um problema grave para uma sociedade que almeja tempos melhores, mais tolerantes e menos contida em padrões rígidos. Os padrões existem para nos guiar por um caminho, mas eles não podem ser resposta para tudo. Ao meu ver, deveriam ser uma sugestão de como proceder na vida.

A repressão social do lado sensível do homem é extremamente danosa também. Acho muito curioso e esquisito homens que sentem, choram, que se sensibilizam com facilidade serem ridicularizados por outros homens, e até mesmo por mulheres, como se isso fosse sinal de fraqueza. Somos vulneráveis e tem vezes que é preciso desmoronar para que se erga uma construção mais forte. A repressão das emoções geralmente vem à tona de maneiras muito repentinas e explosivas, sob a forma de acessos de raiva e violência. Mas como poderia ser diferente? Chega uma hora em que as emoções não aguentam o sufoco de ficarem guardadas.

É por causa dessa falta de contato com as emoções que o mundo parece pesar nas costas de todos em alguns momentos. Afinal, quando é que vamos ensinar os homens a sentirem?

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Mari Vass

Photographer, sociologist, mind questioning and sensitive.