O sexo feminino: um marco na luta pela emancipação feminina no Brasil

Gabriella Martini
6 min readJul 21, 2020

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exemplar do jornal

No dia 07 de setembro de 1873, na cidade de Campanha, Minas Gerais, foi publicada a primeira edição do periódico semanal O Sexo Feminino, que em suas 44 edições reivindicou a melhoria da condição da mulher na sociedade brasileira. A data de publicação faz um paralelo entre a independência política e o principal objetivo do jornal, que em uma época onde a mulher era submetida a repressões e submissões, clamava pela independência feminina:

“ Viva a independência do nosso sexo! Viva a instrucção da mulher ! Vivão as jovens campanhenses !”(07/09/1873:1)

Dirigido pela jornalista e professora D. Francisca Senhorinha da Motta Diniz e suas colaboradoras, o jornal alcançou um público leitor considerável para a época, onde apenas 5,5% das mulheres e 10% dos homens brasileiros eram alfabetizados. Além disso, O Sexo Feminino se espalhou por vários estados brasileiros, sendo lido inclusive por Dom Pedro II e sua filha Princesa Isabel. Depois desse, surgiram vários outros jornais dirigidos por mulheres, as quais viam o meio impresso como porta-voz de suas reivindicações.

Para além do reconhecimento e do respeito em âmbito familiar, O Sexo Feminino defendia o desenvolvimento integral das potencialidades da mulher, dentro e fora de casa, além da aquisição de direitos que lhe possibilitariam o domínio de conhecimentos, maior participação nas questões de campo social, assim como a garantia de direitos na esfera política. Em um artigo intitulado “O que queremos?”, O Sexo Feminino reivindica todos os seus direitos e vontades:

“Queremos a nossa emancipação — a regeneração dos costumes; Queremos reaver nossos direitos perdidos; Queremos a educação verdadeira que não se nos tem dado a fim de que possamos educar também nossos filhos; Queremos a instrução pura para conhecermos os nossos direitos, e deles usarmos em ocasião oportuna; Queremos conhecer os negócios de nosso casal, para bem administrarmo-los quando a isso formos obrigadas; Queremos enfim saber o que fazemos, o porquê e o pelo que das coisas; Queremos ser companheiras de nossos maridos, e não escravas; Queremos saber o como se fazem os negócios fora de casa; Só o que não queremos é continuar a viver enganadas” (25/10/1873:2).

O Sexo Feminino e a ciência

“há um reduto onde traiçoeiro reside o inimigo que procuramos combater; esse reduto chama-se — a ignorância da mulher; esse forte que urge metralhar é definido pela ciência dos homens.” (21/09/1873:1).

Segundo Nietzsche, os valores morais estabelecidos em uma sociedade são produtos de um constante embate entre forças que buscam impor seus próprios valores. De acordo com O Sexo Feminino, os valores morais estabelecidos na sociedade brasileira do século XIX que fundamentavam a ignorância feminina eram produtos de uma ciência produzida pelos homens, a qual era elitista, despreocupada com o bem-estar social e que perpetuava a inferioridade da mulher. Sendo assim, havia a necessidade da produção de uma nova ciência, que era caracterizada por ser mais universal, fraternal, útil e promissora e que só poderia ser alcançada com a participação efetiva das mulheres, as quais, em primeira instância, deveriam ter acesso à educação.

O Sexo Feminino e a educação e o trabalho

Em vez de pais de família mandarem ensinar suas filhas a coser, engomar, lavar, cosinhar, varrer a casa etc., mandem-lhes ensinar a ler, escrever, contar, grammatica da lingua nacional perfeitamente, e depois, economia e medicina domestica, a puericultura, a litteratura (ao menos a nacional e portugueza), a philosophia, a historia, a geographia, a physka, a chimica, a historia natural, para coroar esses estudos a instrucção moral e religiosa, que estas meninas assim educadas não dirão quando moças estas tristes palavras:

‘Se meu pai, minha mãe, meu irmão, meu marido morrerem o que será de mim! ‘“ (07/09/1873:1)

De acordo com o jornal, a inferioridade feminina era produto da educação recebida pelas mulheres, ou pela falta dela. Sendo assim, o jornal propunha que se oferecesse às meninas as mesmas oportunidades de formação intelectual existentes para os meninos e que a ciência fosse igualmente acessível a ambos os sexos.

Outro ponto levantado pelo periódico era sobre o principal obstáculo à racionalidade feminina: a vaidade. A mulher deveria perceber-se como ser independente e deveria se preparar para isso ao se libertar das futilidades associadas a vaidade excessiva. Ademais, o jornal também associava a vaidade com a aceitabilidade da mulher e sua inferiorização social, o que só poderia ser superado com o acesso à educação.

Após obter a instrução necessária, a mulher poderia iniciar efetivamente seu processo de emancipação através de sua participação social ou por meio de um trabalho remunerado. O Sexo Feminino publicava constantemente histórias de lutas femininas pela participação em concursos públicos, assim como sua inserção em cursos superiores pelo mundo, ao passo que protestava contra a exclusão feminina das instituições de ensino superior.

Observações: na época em questão as meninas eram educadas majoritariamente em casa, onde aprendiam na maior parte do tempo como cuidar do lar e de seus filhos. Poucas mulheres frequentavam de fato a escola, e o acesso à universidade era quase impossível, o que começou a mudar apenas em 1887, quando Rita Lobato Velho Lopes se tornou a primeira mulher a se graduar no Brasil na Faculdade de Medicina da Bahia.

O Sexo Feminino e a política

Em 1889, com a proclamação da República, o jornal passou a se envolver mais explicitamente com questões políticas, a exemplo da causa abolicionista e do sufrágio feminino. Porém, o direito ao voto da mulher era entendido como um desejo quase utópico, já que na época o voto era censitário e a mulher não era entendida como cidadã, mas mesmo assim a causa ganhava força e apoio de outros grupos feministas a cada dia.

A defesa da causa abolicionista aparecia no jornal em momentos pontuais, quase sempre como argumento para uma sociedade mais igualitária, onde a escravidão era vista como uma prática incompatível ao mundo civilizado:

“ Não há maior erro, mais triste ingenuidade do que dizer-se que o século XIX é o século das luzes, existindo a escravatura e a pena de morte, os dois maiores crimes do mundo bárbaro, ainda conservados no mundo civilizado.” (20/09/1873:1)

Observação: o sufrágio feminino no Brasil foi efetivado primeiramente no Rio Grande do Norte em 1927, e posteriormente para o restante do país em 1932. O Brasil poderia ter sido a primeira nação do mundo a aprovar o voto feminino, isso porque no dia primeiro de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto da Constituição conferindo direito de voto à mulher, porém tal emenda foi rejeitada.

O Sexo Feminino e a participação social

O Sexo Feminino via a mulher como um ser paciente, persistente e dedicado e usava esse argumento para convencer a população de que a mulher detinha capacidades cognitivas inclusive superiores que a dos homens. O jornal definia o papel da mulher na sociedade como mensageira do bem público e personificação da civilização, e dessa forma procurava ampliar o envolvimento e a intervenção feminina em questões políticas e sociais, pois só assim os problemas brasileiros seriam solucionados. Tendo a integração efetiva da mulher na sociedade como objetivo, O Sexo Feminino procurava incentivar as mulheres a se posicionarem publicamente sobre os assuntos de seus interesses, usando do meio impresso para isso.

Considerações finais

O Sexo Feminino chegou até mim no ano passado durante a Olimpíada Nacional de História do Brasil(ONHB), desde então essa história me intrigou e me inspirou, já que marcos tão importantes de nossa história são constantementes apagados da chamada “história oficial”. Por meio desse texto procurei expor os pontos mais importantes sobre esse jornal que teve grande importância para o desenvolvimento dos direitos femininos no Brasil, e recomendo fortemente a leitura de algumas edições do periódico.

Em uma realidade onde o Brasil vem adotando posturas retrógradas em relação a mulher, como o alinhamento à países conservadores na última conferência da ONU acerca de direitos femininos, histórias sobre a luta feminista no Brasil me inspiram e me motivam a continuar lutando por direitos, já conquistamos muito, mas ainda falta um longo caminho a ser percorrido.

Espero que tenham gostado e até a próxima.

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