Vim aqui me dar um tiro no pé.

Mateus Coutinho
7 min readAug 17, 2021

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Arte em vetor das silhuetas de uma arma de fogo apontando para um pé.
⬆ Talvez não tão literalmente.

Olá!

Essa é minha primeira vez dando as caras com um texto por aqui. Para quem não me conhece, eu sou o Mateus, muito prazer. Entre outras coisas, sou um designer que trabalha há quase sete anos no mercado publicitário, e isso me ensinou muitas coisas — boas e ruins — que me fazem ter bastante o que dizer a respeito.

Trabalhar com publicidade nunca foi um desejo meu. Muito pelo contrário: quando entrei na faculdade, tinha prometido a mim mesmo que não me envolveria na criação de anúncios que são, em sua maioria, efêmeros, e que me dedicaria a trabalhos de branding, esses sim duradouros, estabelecendo diretrizes que servirão de base para muitos outros projetos oriundos da marca para qual estou criando.

Bom, e no semestre seguinte, lá estava eu em uma agência qualquer fazendo posts para o Facebook.

Percebi então que o mercado era um tanto mais complicado do que a minha mente de um adolescente de 17 anos, na época, poderia antecipar. Com a abundância de agências espalhadas pela cidade e a altíssima rotatividade de funcionários (sobretudo estagiários), entendi que seria muito mais viável iniciar minha carreira dessa forma, na criação publicitária, para que no futuro eu pudesse entrar em um escritório realmente direcionado ao design. Afinal, esse seria só um pequeno degrau na grande escada que seria a minha jornada no mercado de trabalho — eu dizia a mim mesmo.

E com esse ~mindset~ eu começaria agora um edificante relato de como, apesar das dificuldades, eu me mantive motivado para trilhar o meu caminho até atingir a minha grande meta e me sentir realizado no trabalho. Mas esse não é bem o tom deste texto.

Acabou que nesses sete anos eu nunca entrei numa agência de branding ou design. Nunquinha. E não é como se eu não tivesse tentado. Concomitante às várias recusas de processos seletivos que participei nesse segmento, pulei de uma agência para outra, de um escritório para o outro, de um freela para mais um outro. Até que eu desisti.

Mas você deve continuar tentando, não se desmotive!”, você pode estar pensando.

As várias vezes em que eu li um “não foi dessa vez, mas manteremos você no nosso banco de talentos” obviamente me causaram bastante frustração, mas não foi exatamente por isso que eu larguei de mão esse “sonho”.

A realidade é que eu projetava como seria trabalhar em uma agência de branding ou design. Na verdade, eu fantasiava como seria qualquer agência — inclusive as publicitárias — porque a dinâmica de estudo é completamente diferente da rotina de trabalho…

…e você só tem a oportunidade de se frustrar com isso depois que você já está inserido no mercado.

Para além do total desinteresse que eu tinha em “elaborar comerciais super criativos e com ótimas sacadas” (que era a imagem estereotipada da minha mente de como era trabalhar com publicidade), ao longo dos anos eu percebi que é uma área bastante operacional. Por vezes, bastante engessada, monótona e até solitária. Isso pode soar óbvio para alguns, mas é comum que se tenha uma imagem glamourizada de como é trabalhar com uma área criativa. E como alguém que passou por diferentes setores de vários escritórios, eu posso dizer: o dia-a-dia trabalhando com criação não é tão diferente do cotidiano administrativo.

E isso pra mim foi um baque. Apesar de nunca ter ingressado em uma empresa especializada nisso, já participei de vários projetos de branding — que ainda continua sendo uma das minhas áreas favoritas — mas percebi que a rotina não era tão diferente assim da que eu já tinha.

Mesmo estando em uma situação financeira bastante confortável, minha estrutura emocional ruiu ao descobrir que o caminho que eu trilhava não iria me trazer a realização que eu esperava. E provavelmente essa não é a primeira vez que você já ouviu algo do tipo: pessoas estabilizadas na carreira que não só mudaram de cargo como migraram para áreas completamente não relacionadas. Mas… como é esse processo?

Geralmente, essa narrativa termina com uma vitória: por meio da determinação e planejamento, a pessoa conseguiu estruturar-se e “correr atrás dos seus sonhos”, em uma área que ela talvez já fosse apaixonada, mas que sempre negligenciou porque achava que não tinha vocação, ou uma em que ela acabou, eventualmente, descobrindo uma paixão. Mas e quando essa história não acontece de uma forma tão bonita?

Apesar de estar numa situação estável e promissora, eu me sentia culpado por ser incapaz de apreciar essa prosperidade enquanto tantos outros talvez quisessem ter acesso às mesmíssimas oportunidades que eu tive, e não conseguia encontrar uma resposta para a pergunta “se não isso, trabalhar com o quê?”. Depois de uma decepção tão grande, eu era incapaz de imaginar qualquer outro cenário sem o medo de “escolher errado” de novo. E o peso fica ainda maior quando se coloca na balança que para estar ali eu tinha feito uma faculdade privada — que eu não teria qualquer condição de fazer outra tão cedo.

Eu ainda sou novo, sei disso. 25 anos pode parecer nada tendo em vista tantas histórias de pessoas décadas mais velhas que mudaram (ou até mesmo iniciaram) suas carreiras. Mas aqui não se trata de ser fatalista, de achar que não existiriam outras chances.

O ponto aqui é que situações como essa geram frustração, sensação de culpa, insuficiência, altíssimo desgaste emocional. E estar nesse local é bastante solitário.

Em meio a histórias de conquistas e vitórias, se sentir frustrado e impotente é também se sentir deslocado, alienígena. Nós já temos o hábito de compartilhar — sobretudo nas mídias sociais — apenas as melhores partes das nossas histórias, aquilo que queremos que os outros vejam para que construam uma imagem estritamente positiva da gente, mas no mundo do trabalho isso ainda se intensifica, em prol de ser (ou parecer) não apenas uma pessoa ideal, mas um profissional ideal: uma posição que demanda uma performance ainda mais impecável. O que você comunica e como você comunica influenciam diretamente na credibilidade que você projeta nos outros, e esse é o atributo que todos querem agregar às suas imagens. Mas a pergunta que eu faço é: a que custo?

Eu não sou contra comemorar as nossas conquistas. Pelo contrário. Eu mesmo, inclusive, fico empolgado sempre que termino um novo curso e saio não só com mais conhecimento na mente, mas também com mais um “achievement” para colocar no meu perfil, currículo, ou seja lá mais onde eu vá registrar a minha trajetória. Mas é preciso fazer isso com responsabilidade.

Ao reproduzir (e exigir) essa dinâmica em que apenas as celebrações são compartilhadas, criamos mais um ambiente que rejeita adversidades. Levando em conta que a vulnerabilidade financeira, as hierarquias e relações de poder em locais de trabalho já fazem com que os indivíduos tenham que reprimir suas insatisfações, faltam espaços para que possamos todos expressar e discutir nossas realidades sem todo esse medo de retaliação. Foi isso que me levou a querer publicar esse texto aqui.

E como eu disse, essa não é uma história motivacional de superação.

O que eu tive, no fim das contas, foi um Burnout. Por me forçar a continuar em uma rotina que me exigia um grande esforço mental, mas que não me retornava qualquer sensação de satisfação, eu desenvolvi níveis de ansiedade e estresse que prejudicaram minha saúde e que me fizeram passar meses sem conseguir trabalhar. Apesar de isso já fazer alguns anos, até hoje eu lido com as consequências desse período: fisicamente, emocionalmente e, até pouco tempo, financeiramente. Isso não está no meu currículo e não está no meu perfil do LinkedIn, mas foi um divisor de águas na minha vida enquanto profissional.

Essa frustração me forçou a mudar a forma como eu encaro o trabalho. Acabei por não exatamente mudar de área — continuo na comunicação e com um projeto que estou trabalhando há algum tempo e que em breve gostaria de compartilhar por aqui — mas houve uma grande cisão entre minhas expectativas de realização pessoal e profissional. Tive que dar vários passos para trás e reconsiderar a relação entre meu trabalho e meu hobby (ilustração foi o que me motivou a me profissionalizar em linguagem visual), focar mais no pragmatismo da rotina de trabalho do que nas ambições de um plano de carreira e respeitar, na marra, os limites do meu corpo para preservar minha saúde mental e física (e que eu ainda estou em curso de me adequar a isso).

E eu queria ter ouvido relatos como esse. Eu queria ter visto mais pessoas compartilhando seus sentimentos, suas considerações e críticas sobre as práticas de mercado, para desmistificar as adversidades e construir repertório, amadurecer as expectativas, colocar o pé no chão e nos fazer sentir menos sozinho nessas situações. Então, vou tentar ser o exemplo que eu gostaria de ter tido.

Por trás de todo profissional e de suas histórias edificantes há uma pessoa complexa, com altos e baixos, e apesar de compartilhar vulnerabilidades ser malvisto e questionar as dinâmicas da tal “positividade tóxica” em plataformas como o LinkedIn talvez seja um tiro no pé, eu me disponho e te convido a fazer isso, em prol de espaços mais humanos e acolhedores.

pew pew.

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