Introdução ao Public Choice como Ferramenta de Estudo do Estatismo

Sobre as origens, principais autores e ideias e uma aplicação das teorias da escolha pública para compreensão do estatismo e do crescimento do estado

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
23 min readFeb 14, 2016

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Embora sejam tradicionalmente campos separados de pesquisa, a economia e a ciência política nunca foram, de fato, universos verdadeiramente distantes.

A própria análise econômica da política é o estudo das interações entre os processos políticos e econômicos. Ela busca apreender como as decisões econômicas podem ser influenciadas por determinantes políticos, e têm desta forma uma dimensão política e, reciprocamente, como as decisões políticas podem ser influenciadas por determinantes econômicos, e têm desta forma uma dimensão econômica.

A análise econômica dos processos de decisão política é um objeto de estudo do Public Choice, que aparece então como uma subdisciplina situada na fronteira entre a economia e a ciência política.

Knut Wicksell: Regras e Despesas Públicas

Historicamente, a abordagem do Public Choice encontrou origem e inspiração na antiga análise das finanças públicas, notadamente em obras como Studies in Theory of Public Financie, de Knut Wicksell (1896)[i].

Knutt Wicksell

Para compreender verdadeiramente as questões envolvendo as finanças públicas e os respectivos problemas orçamentários dos governos, sugerira Wicksell, seria necessário ir além dos dados presentes nos livros da contabilidade nacional: déficits, superávits, a progressão e o conteúdo das despesas orçamentárias envolvem uma análise mais abrangente incluindo tanto a natureza das decisões dando origem ás despesas e receitas quanto o próprio modelo institucional e o funcionamento do sistema de regras de decisão. É necessário compreender desde a escolha das regras de decisão política até as instituições enquadrando as próprias decisões políticas e orçamentárias.

Uma reforma política influenciando as decisões orçamentárias seria apenas uma mudança no quadro geral de regras. A própria regra apontando como as políticas podem prevalecer acaba influenciando a natureza da organização social, a forma de progressão das decisões políticas e, consequentemente, as despesas orçamentárias.

Existem então, do ponto de vista puramente analítico, locais onde prevalece uma espécie de simbiose entre a esfera política e a esfera econômica. Logo, seria importante incentivar os estudiosos políticos e os economistas a se interrogarem vantajosamente sobre essa interação, para que se possa analisar esta relação entre as escolhas sociais e os respectivos quadros institucionais as envolvendo.

A análise do Public Choice se inscreve, justamente, nesta mudança de paradigma: ao invés de concentrar-se apenas nas questões relativas às consequências das decisões públicas — e mudanças na direção destas decisões –, sua perspectiva se concentra também nas causas da fiscalidade, das despesas dos governos, da dívida pública e de todas as decisões políticas tendo consequências orçamentárias e econômicas. A análise moderna da escolha pública remete aos desenvolvimentos teóricos mais recentes e advindos depois do final da segunda guerra.

Tendo por intuito apreender melhor as contribuições dando início a esses desenvolvimentos teóricos, faremos uma incursão nas principais ideias, teorias e aplicações encontradas nas obras e em autores compondo o 'esqueleto' dos principais questionamentos levantados pelo Public Choice.

O objetivo desta revisão é, em primeiro lugar, familiarizar os leitores com alguns dos principais elementos argumentativos da análise econômica da política, mas em seguida, ilustrar como essas ferramentas de análise enriquecem o estudo de questões importantes de sociedade, como o crescimento do Estado e o estatismo.

Joseph Schumpeter

Joseph Schumpeter: Teoria sobre a Democracia

Em Capitalism, Socialism and Democracy, além de apresentar um estudo geral sobre a organização das sociedades humanas e dos respectivos sistemas socioeconômicos, Joseph Schumpeter (1942) coloca questões importantes sobre o funcionamento das democracias representativas e dos sistemas políticos contemporâneos.

Schumpeter realiza contribuições importantes sobre a natureza das motivações dos agentes atuando no campo da política, sobre a validade do ideal de interesse geral e sobre a possibilidade de assimilarmos racionalidade aos processos de decisão política.

Schumpeter focaliza sobre a natureza humana da política, dissociada ou não forçosamente atrelada a qualquer estima por ideais benevolentes. Temos uma análise dos homens políticos como agentes motivados, em princípio, por interesses compatíveis com os interesses de quaisquer outros homens, não incarnando em si uma ilusória e irreal vontade comum.[ii]

O instrumento democrático não assegura qualquer garantia de racionalidade na tomada de decisões coletivas, e não assegura também que as decisões políticas caminham para a satisfação de algum interesse comum.

O que recobre a noção de “bem comum” varia em cada indivíduo, os próprios sujeitos não tendo uma visão clara sobre isso: eles não sabem precisamente descrever tal estado de coisas e nem apontar como se organizaria este ideal. Ainda que tivessem, seria impossível que estas visões fossem compatíveis e assimiláveis entre si, da mesma forma que é impraticável fazer convergir estas diversas concepções obscuras de interesse geral em algo que poderia ser descrito como “vontade popular”.

Os próprios tomadores de decisão em democracias representativas são movidos por interesses políticos não forçosamente dissociados de interesses pessoais. Como qualquer outro indivíduo, os políticos procurariam atingir objetivos próprios que não coincidem forçosamente com algum interesse comum em particular, interesse geral, ou com a vontade do povo. Ao invés disso, eles se concentram em estabelecer estratégias de ação política procurando atingir metas privadas e satisfazer objetivos pessoais.

No ambiente político e de irresponsabilização, interesses comuns são fabricados e, como ocorre com a publicidade de mercadorias na esfera de produção, na esfera da predação ideais sociais e bens coletivos são propagandeados aos cidadãos por líderes políticos em busca de ascensão.

A democracia, na teoria schumpeteriana, “é um sistema institucional para a tomada de decisões políticas no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (p. 321). Há sempre uma concorrência pela liderança na esfera política. A política remete a uma profissão consistindo em potencializar sua capacidade de angariar e negociar votos para autopromoção.

Schumpeter questiona, então, os limites da concepção tradicional da democracia, nos lembrando que a democracia nunca foi nem um ideal supremo e nem um fim em si.

Trata-se, na verdade, de um simples método político. Isto quer dizer, uma forma de organização institucional procurando garantir a tomada de decisões políticas. Schumpeter questiona, mesmo, a hipótese de “vontade”, avançando que na esfera política os indivíduos muitas vezes não conhecem e não têm, necessariamente, uma visão clara do que um governo deveria ou não fazer, ou mesmo do que eles próprios conceberiam como ideal de organização social e arranjo ideal na política.

Em democracia, as decisões políticas jamais são um reflexo exato do que os cidadãos desejam realmente, e eles próprios não têm uma ideia precisa do que querem. Na teoria schumpeteriana a democracia é apenas um sistema institucional resultando em decisões políticas.

Ela é um lugar onde os indivíduos adquirem o poder de influenciar estas decisões através do voto e ao final de uma luta concorrencial que é o voto. O partido político é um grupo interessado, seus membros agem estrategicamente em conjunto para ter mais força política nesta luta concorrencial pelo voto. Seu objetivo é dominar os outros grupos, atingir o poder e aí se manter.

Kenneth Arrow

Kenneth Arrow: Teorema da Impossibilidade

Tal qual a crítica schumpeteriana, uma das contribuições mais relevantes do trabalho de Kenneth Arrow para a análise econômica da política pode também ser vista como uma crítica à ideia de soberania popular ou racionalidade na escolha política.

O teorema da impossibilidade de Arrow se concentra na análise das propriedades de coerência do processo democrático de decisão e resulta da tentativa de solução do problema da racionalidade nas escolhas sociais. Admitindo que, do ponto de vista puramente analítico e matemático dos critérios de racionalidade, as escolhas em ditaduras (baseadas na vontade única) e em teocracias (baseadas na unanimidade) podem ser facilmente concebidas como racionais, Arrow se interroga se, sob os mesmos critérios de racionalidade, seria possível encontrar uma função de escolha social ligando coerentemente preferências/escolhas individuais e decisões sociais.

A Difficulty in the Concept of Social Welfare (1950) demonstra o teorema da impossibilidade de Arrow, ele apresenta a confirmação no campo da análise econômica da política do que já descrevera o paradoxo do Marquês de Condorcet na esfera puramente decisional.[iii]

Excluídas as comparações interpessoais de preferência e utilidade, não existe um método racional capaz de passar das preferências individuais às preferências sociais ou coletivas. Através das ferramentas conceituais da análise econômica o economista americano demonstrou a impossibilidade que prevaleça o que poderia ser descrito como escolha social racional. Assimilável á busca por uma função de “racionalidade social”, o problema levantado por Arrow busca responder se é possível construir um procedimento todavia coerente de passagem das escolhas individuais ás escolhas sociais, e a resposta é negativa.

Se a “vontade popular” representa na política o que os economistas descreveriam como função de bem estar social, e se o problema da escolha social em regime democrático descreve um sistema onde as preferencias individuais seriam transmitidas pelos escrutínios em políticas satisfazendo o bem comum, é então formalmente demonstrável a impossibilidade que exista uma função de escolha social permitindo agregar satisfatoriamente preferências políticas individuais em preferências políticas sociais.

Ou seja, a ideia de vontade popular em política é destituída de sentido consistente. Para Arrow, a única possibilidade que isto pudesse ocorrer seria em situações onde as preferências sociais, ou função de escolha social, fossem universalmente compatíveis ou coincidissem, como no caso da ditadura e da teocracia.

Existiriam, então, contradições lógicas irremediáveis e inconciliáveis no processo de agregação das preferências individuais e nas decisões coletivas. Sob os olhos da análise econômica e em termos de bem estar, não é possível atrelar racionalidade formal ao processo democrático e nem é possível generalizar a desejabilidade das decisões políticas no simples fato delas serem realizadas mediante procedimentos democraticos.

Anthony Downs

Anthony Downs e Duncan Black: Análise Espacial do Voto

Admitindo que os eleitores conhecem efetivamente todas as características dos respectivos candidatos e propostas das agendas políticas, e por mais que saibamos que não exista qualquer racionalidade intrínseca aos processos reveladores de preferência e de escolha social em democracias, qual seria a lógica do voto ou por que motivos os eleitores votam, simplesmente? Se são conscientes que dificilmente podem influenciar em definitivo o resultado dos escrutínios, por que os eleitores perdem tempo com o jogo político?

Em An Economic Theory of Democracy, Anthony Downs essencialmente sugere que, motivados por interesses particularmente egoístas, os atores políticos buscam sobretudo estratégias para vencer eleições e fazer perpetuar esquemas de poder favorecendo suas preferências pessoais. O objetivo dos atores da esfera política não é diferente do objetivo de consumidores ou empreendedores, ou seja, eles procuram maximizar uma função de utilidade individual.

Downs foi um dos primeiros a aplicar de maneira sistemática a teoria microeconômica de racionalidade substantiva para explicar o comportamento dos atores participando do ambiente de decisões e do jogo político. Ou seja, os indivíduos participando do jogo político dispõem de informações suficientemente abundantes e claras a respeito dos elementos sobre os quais buscam arbitrar.

O mercado político se apresenta como o lugar de encontro entre a oferta política dos candidatos e a demanda política dos eleitores. Existe um espaço de preferências políticas alinhando interesses privados. Se consideramos o Public Choice como uma aplicação do método do individualismo metodológico e da análise do homo œconomicus no campo da política, Anthony Downs é o “pai fundador” desta escola.

A teoria de Downs é fundadora do que descrevemos como análise espacial do voto, campo de pesquisa onde se procura entre outras coisas estudar os posicionamentos políticos dos candidatos e dos eleitores, e apontar então métodos de análise e de previsão eleitoral.

O campo da política seria povoado por indivíduos racionais cujo objetivo prático consiste, de um lado, em maximizar a quantidade de votos e, do outro lado, em maximizar suas respectivas preferências políticas pessoais.

Os eleitores racionais escolhem a agenda política que maximiza os benefícios pessoais e querem a vitória de um candidato defendendo seus próprios interesses. Os candidatos políticos não propõem agendas políticas de maneira inocente ou fundamentadas em critérios puramente políticos, mas levando em consideração a cadeia de preferência dos eleitores a fim de poder maximizar seu potencial de vencer as eleições.

A barganha política consiste no jogo onde, de um lado, temos uma oferta de diversos tipos de bens coletivos através e pelo monopólio estatal, e onde cada agenda política busca satisfazer as preferências de determinados grupos de eleitores e atores políticos, e do outro lado uma demanda de bens coletivos e agendas políticas pautadas nas preferências individuais ou de grupos organizados.

A teoria da escolha pública requer, então, uma extensão e generalização dos preceitos do homo œconomicus a toda cadeia de participantes do processo político: eleitores, grupos de interesse, partidos políticos, homens políticos e burocratas.

Os participantes da vida pública percebem, no Estado, uma entidade capaz de melhorar seus respectivos níveis de bem estar e, por consequência, entendem também o jogo político da democracia como sistema análogo ás trocas de mercado.

O objetivo da análise da política não se restringe a desmistificar se existe uma racionalidade nos processos de escolha social, e nem em entender qual a natureza da racionalidade presente nas decisões coletivas de eleitores. Incorporando um mínimo de questões de ideologia no campo da política, a análise de Downs se interessa no processo eleitoral e ás estratégias políticas adotadas pelos candidatos, á sua agenda política e á repartição das preferências políticas, á tendência de alinhamento das agendas políticas nos períodos de escrutínio, ou ainda, á ideia de força política de determinadas preferencias e agendas.

Em qualquer escala retomando as conclusões aportadas por Duncan Black em On the Rationale of Group Decision Making (1948), existiriam determinantes políticos corroborando a estabilidade de decisão de determinadas agendas políticas em um mundo onde vigora a regra simples da maioria. Ou seja, existiria uma convergência das agendas de decisões em torno das preferencias do que denominam eleitor mediano.

Gordon Tullock

James Buchanan e Gordon Tullock: Teoria Econômica da Constituição

Sabendo que a esfera política é composta por indivíduos auto-interessados, e que a agenda das decisões políticas representa um esquema análogo a um processo de mercado político, e independente da possibilidade de atribuição de critérios de racionalidade para escolhas sociais, quais seriam, então, as propriedades, em termos de custos e benefícios, associadas a cada regra de decisão?

Como se organizariam em função dos respectivos custos e benefícios intrínsecos e externos ás regras de decisão política as Constituições ou sistema de formalização e legitimação das regras de decisão? Qual o impacto em termos de custos das mudanças das regras de decisão coletiva? Quais as relações entre as regras de decisão, as escolhas sociais e a ideia de bem estar? Se a unanimidade e a unilateralidade são os métodos referenciais da racionalidade e do consenso, qual o custo do abandono deste consenso?

O principal objetivo de James Buchanan e Gordon Tullock em The Calculus of Consent (1962) era sugerir uma teoria consistente da regra de escolha coletiva á partir dos preceitos já conhecidos do individualismo metodológico utilizados na análise econômica.

Rejeitando qualquer teoria geral do Estado como simples mecanismo onde prevalece a exploração de classes, e ignorando igualmente a ação política como empreendimento de busca do bem comum, Tullock e Buchanan buscam uma teoria da escolha pública fundamentada exclusivamente nos respectivos sistemas de custos e benefícios intrínsecos e externos ás regras constitucionais (ou regras de decisão política) e nas motivações individuais e no comportamento auto-interessado dos agentes participando da vida pública.

As regras constitucionais descrevem o conjunto de normas enquadrando tanto os mecanismos legítmos de validação de decisões políticas quanto o escopo de influência destas decisões sobre a sociedade civil.

Em princípio, as regras constitucionais influenciam e são influenciadas pelo processo de decisões políticas. A própria norma servindo de critério para inscrição das regras constitucionais requer um sistema próprio de escolhas e de decisão.

Na esfera coletiva, consequentemente, indivíduos racionais escolhem os campos de intervenção das escolhas públicas e as regras de validação das escolhas sociais. Sob o véu da ignorância, quando desconhecem e temem a relação entre suas escolhas e os respectivos impactos que elas acarretariam sobre seus destinos, os indivíduos são naturalmente conduzidos a adotar regras constitucionais que prejudicam o quanto menos possível.

Sendo assim, a adesão e o consentimento dos indivíduos ás normas constitucionais se estabelecem, naturalmente, em função de seu potencial em engendrar benefícios líquidos em termos de bem estar. Ou seja, se os custos associados á norma política e regra de decisão não excedem os benefícios, eles a preferem.

Se na esfera de mercado dois indivíduos decidem realizar trocas comerciais quando percebem que podem tirar benefício, na esfera política os indivíduos adotam um comportamento comparável.[iv]

Ao nível individual, conseguem estabelecer listas de preferências em função de custos e benefícios para tudo o que diz respeito ás regras de decisão e para agendas políticas em particular. A própria escolha de resolver problemas coletivamente ou dar preferência aos mecanismos políticos de cooperação repousa nos respectivos custos e benefícios atrelados ás normas sociais.

Em função de suas preferências, os indivíduos são capazes de se posicionar e de se organizar politicamente. Existe então um jogo de avaliações de custos e benefícios associados ás decisões e fazendo com que os indivíduos sejam naturalmente conduzidos a tomar determinadas decisões na esfera do mercado, e determinadas outras decisões na esfera coletiva.

O cálculo referente ao consenso diz respeito á ideia de que, partindo de avaliações subjetivas associadas ás normas de decisão e ás políticas em particular, os indivíduos conseguem estabelecer racionalmente seu consentimento ou adesão a determinadas regras, formalizando consenso sobre as regras constitucionais que enquadram os critérios de decisão coletiva.

Quanto menor o número necessário de pessoas para um acordo político, menores os custos externos associados ás consequências e impactos que determinada norma representaria ao nível da coletividade.

Quanto maior o número de indivíduos necessários para o estabelecimento de um acordo político sobre a escolha da regra de decisão, maiores os custos de interdependência associados ao tempo de busca de informação, negociações políticas, barganha das agendas políticas e realização de coalizões.

A tomada eficiente de decisões políticas e o estabelecimento da regra eficiente de decisão corresponde a estas que minimizam o conjunto de custos sociais de decisão.

Por um lado, a regra da unanimidade apresenta custos externos baixos e altos custos de interdependência, afinal, um indivíduo tem poder de veto sobre qualquer política mas, ao mesmo tempo, necessita da busca do consentimento universal. Por outro lado, a tirania unilateral representa custos externos importantes e baixos custos de interdependência, afinal um indivíduo decide unilateralmente sobre a regra mas os impactos em termos de bem estar e sobre os demais são consequentes.

A regra que minimiza os custos de decisão certamente se encontra, naturalmente, entre essas duas.

Resumidamente, o mercado político envolve agentes auto-interessados que abandonam a regra da unanimidade ou da unilateralidade para superar os eventuais impasses políticos referentes ás regras de decisão e o escopo de atuação do Estado.

Periodicamente, e para solucionar através da cooperação e organização política problemas frequentemente associados aos conflitos políticos, os indivíduos são conduzidos a opinar sobre decisões referentes á regras enquadrando as decisões coletivas.

Quando determinadas decisões aportam mais benefícios se tomadas coletivamente os indivíduos tomam por escolha a via política. Quando os indivíduos compreendem que, ao realizar determinadas alianças e coalizões políticas, eles conseguem ou maximizar os ganhos potenciais associados ás decisões coletivas ou minimizar as perdas, eles assim o fazem.

Para Buchanan, a principal contribuição da teoria econômica à ciência política foi mostrar que a política é também um lugar de trocas e de cooperação.

Da obra de Buchanan e Tullock derivou um conjunto importante de trabalhos sobre as propriedades das regras de decisão e sobre as instituições enquadrando as escolhas político-econômicas (Constitutional Political Economy).

Mancur Olson

Mancur Olson: Paradoxo da Ação Coletiva

Como vimos, a adesão e participação a qualquer ação política representa custos. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que os custos são essencialmente privados, a ação política frequentemente busca benefícios sociais ou privilégios independentes da contribuição e dos esforços realizados por cada um.

Um sindicato de trabalhadores se organiza politicamente para implementação de um salário mínimo que “beneficiará” todos os trabalhadores, inclusive os que não participaram da ação sindical, se comportando então como passageiros clandestinos (free riders).

Uma associação de pais de alunos que se mobiliza para pressionar o governo por melhoras na educação estará beneficiando todas as crianças e não somente os seus filhos. Geralmente, quando uma iniciativa de pressão acarreta resultados concretos e que uma lei governamental passa a beneficiar uma categoria, independentemente da intensidade de participação e adesão dos envolvidos, todos os sujeitos do grupo serão beneficiados.

O que acontece é que os benefícios sociais e bens políticos e econômicos engendrados e angariados pela ação coletiva adquirem o mesmo status dos bens coletivos, ou seja, a ação coletiva e a ação de grupos de interesse está constantemente ameaçada a desaparecer se muitas pessoas podem se beneficiar dos bens engendrados pelo empreendimento político sem não obstante contribuir em esforço ou ao seu financiamento, ou mesmo sem qualquer participação efetiva.

Os benefícios da ação política estão difusos e os custos concentrados. Uma ação coletiva e empreendimento político está fadado ao fracasso caso não consiga resolver de maneira satisfatória este que é o paradoxo da ação coletiva.

Como explicou de maneira marcante Mancur Olson em The Logic of Collective Action (1965), o sucesso da ação coletiva depende do tamanho do grupo e da capacidade que o grupo de pressão tem em transformar os benefícios obtidos em bens de clube: menor o grupo, maior a probabilidade que os benefícios sejam concentrados nas mãos de poucos, mais restrito é o acesso ao bem engendrado pela ação coletiva, mais os indivíduos terão incentivo em participar da ação coletiva.

O ideal é então que os benefícios sejam concentrados no grupo e os custos difusos aos demais. A mobilização ocorrerá se o bem engendrado pela ação política permitirá ao menos reembolsar o custo da ação política e angariar benefícios exclusivos aos participantes. Melhor ainda, o poder que um grupo de pressão tem em atrair depende da capacidade de fazer que os custos de produção e manutenção do bem engendrado sejam repassados a estes que não fazem parte do grupo de interesse.

A razão da pressão política exercida é a busca pela manutenção do privilégio, e o sucesso da empreitada política está nas discrepâncias entre os custos e benefícios econômicos e políticos.

Por um lado, na margem, os benefícios concentrados individualmente serão maiores do que os custos acrescidos á sociedade. Por outro lado, e como uma consequência lógica, o custo relativo da ação política será menor — na margem — para os privilegiados pela restrição. Isto quer dizer que, na margem, dados os ganhos econômicos e os custos despendidos na empreitada política, os indivíduos vão arbitrar sobre a vantagem relativa afetada a uma norma representando um privilégio.

Foi assim que Olson procurou responder à questão da participação política de indivíduos racionais. Sua teoria da ação coletiva, suas conclusões e suas propostas deram origem a boa parte dos desenvolvimentos da análise econômica das decisões políticas individuais e da lógica da mobilização coletiva, e da organização de grupos de interesse, sendo então fundamentais na teoria da decisão social e da análise da pressão política.

Frédéric Bastiat

Escolha Pública como Ferramenta de Estudo do Estatismo

Estes cinco trabalhos e contribuições compõem a base conceitual comum dando origem as principais temáticas de estudo da escolha pública. Seus desenvolvimentos nos fornecem ideias, conceitos, ferramentas de análise e teorias essenciais para o entendimento dos processos políticos.

A aplicação da hipótese de egoísmo racional nos conduz a supor que não existe nenhuma razão para acreditar que as decisões e escolhas políticas sejam por definição dotadas de qualquer superioridade em termos de racionalidade ou eficiência. As próprias relações políticas são conduzidas por interesses individuais representados por diversos grupos de pressão defendendo interesses de classe ou pedindo privilégios específicos.

O conflito de interesses e os conflitos políticos aparecem como um motor das decisões públicas, e estes conflitos de interesses se transmitem na esfera pública através da democracia representativa e das ações dos partidos em governos. Seu resultado e consequência mais palpável é o crescimento irresistível do Estado.

A dimensão coletiva de certas medidas não seria mais do que um meio — ou efeito secundário — da busca por satisfação de objetivos individuais. A escolha pública fornece então meios preciosos de estudo do estatismo, ou das ideias e fenómenos associados á lógica apontando o Estado como protagonista ou centro das decisões econômicas e políticas.

Na perspectiva da escolha pública o Estado aparece naturalmente como um mecanismo através do qual os homens tentam realizar seus próprios objetivos. Ao invés de presumir que os governantes perseguem objetivos comuns, ou buscam exclusivamente algo como o bem coletivo, eles têm por principal alvo a satisfação de sua própria utilidade, isto quer dizer, servir seus interesses pessoais e de grupo dentro de um limite estabelecido pelo arranjo das instituições.

Assim como um empreendedor no mercado, o empreendimento político busca alcançar uma renda, uma transferência artificialmente criada: este é o objetivo implícito (e escondido) de quase toda ação política. A conquista e conservação do poder atende um objetivo de estima pessoal ou enriquecimento: os grupos que controlam os políticos procuram enriquecer-se ou proteger-se da concorrência política, modificando as instituições se isto for necessário.

A desconfiança vis-à-vis da política nasce da incapacidade das instituições existentes de estruturar corretamente os incentivos. Em um mercado político onde transitam grupos buscando privilégios, um determinado quadro institucional pode fazer com que, através do uso do aparato compulsório do Estado, e ao invés de buscarem unicamente a realização de trocas mutuamente vantajosas, os indivíduos sejam incentivados à realizar trocas à somas nulas (um ganha outro perde), ou trocas à somas negativas devido aos custos (de transação) das trocas políticas.

Todos os produtores e consumidores sem distinção de classe estão em concorrência para obter estas transferências artificialmente criadas. O Estado é composto de homens nem melhores nem piores que os outros, homens cuja tendência lógica e natural é interpretar o "interesse geral" à luz da concepção pessoal que eles têm disto.

Os recursos destinados à busca de favores poderiam ser empregados de maneira produtiva, ao invés de serem investidos em atividades improdutivas que buscam apenas corromper ou adquirir força política para satisfazer privilégios individuais. Neste sentido, as trocas políticas dão origem às transferências compulsórias de recursos. Elas não são criadoras de valor, ao contrário, elas dão origem a um desperdício de recursos. As trocas políticas buscando privilégios geram perdas sociais.

As expectativas individuais dos eleitores não têm nenhuma chance de se realizar se estes eleitores não se organizarem em grupos de pressão. No sistema de democracia representativa a tendência, mesmo, e em decorrência dos custos e benefícios da ação coletiva, é que os interesses minoritários sejam solapados em casos onde não exista um aparato institucional suficientemente claro e sólido.

Um candidato político não tem tempo de escutar cada eleitor e, além disso, se seu objetivo egoísta é o de vencer as eleições, a voz de um eleitor não conta muito, ainda que o dinheiro de um eleitor possa contar bastante. Isto explica de certa forma o poder de sindicatos, agricultores, grupos industriais ou associações de toda sorte que, embora representem apenas uma fração pequena dos eleitores, se tornaram nas sociedades contemporâneas interlocutores privilegiados por terem se organizado com sucesso em grupo.

Os grupos de pressão são formados por pessoas cujo o interesse é que o Estado faça novas e cada vez mais despesas em seu favor. Enquanto os benefícios do grupo serão significativos — caso sua empreitada política tenha sucesso — os custos estarão difusos e, muitas vezes, escondidos atrás de uma massa de impostos que pesa sobre todos os contribuintes.

Os funcionários públicos são também motivados por interesses pessoais e, não com rara frequência, tendem a superestimar a importância de seu trabalho. Ao alinhar sus aspirações individuais ao futuro de sua repartição, suas pastas ou ministérios necessitam certamente e cada vez mais de recursos, e mais empregados. Eles aspiram certamente um lugar mais importante na hierarquia burocrática. Todo o processo político acabaria sendo influenciado ou pautado por fenômenos degenerativos.

Estatismo, Lógica da Pressão e Corrupção Moral

O estudo do estatismo, da natureza das decisões políticas e de suas consequências extrapola o campo da política e da economia. Fica fácil entender, a partir deste quadro de análise, alguns dos motivos explicando o crescimento incontrolável das despesas públicas, ou mesmo, algumas das consequências éticas e impactos sobre a "moral coletiva" das organizações políticas pautadas no sistema democrático.

Na verdade é praticamente impossível reverter esta tendência, não fosse por aceitarmos que é extremamente difícil que os eleitores possam saber qual a real motivação de tal ou tal outra decisão político-administrativa, por fazerem irremediavelmente parte de grupos buscando privilégios, por não serem capazes de superar as assimetrias informacionais e incertezas relativas ás ações políticas, ou pela impossibilidade de prever com precisão as estratégias do ciclo eleitoral ou ainda, simplesmente, por não acreditarem ou depositarem qualquer fé que seja nas regras constitucionais e instituições.

O próprio eleitor comum sabe que sua voz, sozinha, não pesa, e com frequência racionalmente se desinteressa de qualquer participação ativa.

E mesmo que os veículos da mídia pudessem transmitir com precisão a real motivação e o conteúdo verdadeiro do que está em jogo a cada tomada de decisão, e a cada troca que ocorre no mercado político — o que é forçosamente impossível — , ainda assim não haveria meios nem fundos para responder satisfatoriamente ás expectativas políticas de todos.

Não somente pela dificuldade de produzir, transmitir e comunicar tais informações a todos ao mesmo tempo mas ainda porque inúmeras destas informações não são “conhecíeis”. Seria necessário um montante demasiadamente importante de energia, recursos e imaginação para que um eleitor qualquer se mantivesse devidamente informado a todo instante.

E é por isso que o jogo político que representa a democracia conduz ao favorecimento de aproveitadores em detrimento dos interesses dos produtores de riquezas. Ao favorecimento dos que preferem melhorar de situação às custas dos outros.

Uma vez eleitos, os políticos se comportarão de maneira que possam manter-se no poder. Eles negociam acordos entre si para satisfazer seus próprios eleitores ou quem quer que lhes forneça meios de ganhar eleições.

O “logrolling” é este processo de negociação de leis e acordos entre políticos tendo em vista a perpetuação no poder. O Public Choice ajuda a compreender como os governos modernos se tornaram imensas máquinas de transferências de recursos.

O mecanismo de transferência não somente é ineficiente do ponto de vista econômico, ele é sobretudo um terrível corruptor da moral sã.

As trocas políticas fundamentadas nas transferências corrompem os melhores valores éticos presentes na sociedade. Em meio a toda a bagunça eleitoreira e jogo de interesses, mesmo entre os indivíduos que se opõem duramente à espoliação alheia, começarão a surgir pessoas que não mais se incomodarão em pedir um pequeno privilégio, ou uma pequena subvenção para si ou para suas associações, não fosse por aliviar o peso do fardo fiscal que já sobrecarrega em suas costas. E em pleno uso da razão tal ação lhe parece justificável. Ele participa da degeneração.

Mesmo entre as pessoas dotadas de valores éticos contrários à intempestiva intromissão dos governos e pesados impostos aparecerão aqueles que chegam á conclusão que, por serem surrupiados e pagarem também sua parte, não teriam grandes motivos para negar que estas despesas pudessem eventualmente propiciar algum tipo de vantagem pessoal: se todos o fazem, por que não faremos nós?

Desta forma acontecerá não somente para as leis tendo caráter “puramente econômico”, acontecerá, também, com leis e decisões tendo caráter puramente moral: se tal ou tal privilégio de classe é concedido a tal ou tal grupo, por que isto não poderia ser feito na direção de tal ou tal outro grupo, visto que todos pagam seus devidos tributos.

Esta parece ser uma das lógicas regendo a inflação normativa e a generalização da intromissão estatal (estatismo) nos diversos campos da vida social. Ou seja, ao crescimento exacerbado do Estado. Sua oscilação e tamanho é comparável a relação entre um parasita e um hospedeiro, onde o primeiro vai até o limite que a fronteira da vida do segundo permite.

A teoria da escolha pública será sempre de atualidade para entendermos como os processos políticos se iniciam e terminam prevalecendo entre os mecanismos de cooperação social. Em seguida olharemos mais de perto as questões vinculadas ao crescimento do governo.

Notas

[i] Dois dos principais autores das teorias do Public Choice, James Buchanan e Gordon Tullock (1962, p. 8), sublinharam que muitas ideias que desenvolveram encontraram, de fato, inspiração na obra do autor sueco: “Knut Wicksell, in his original and highly provocative work on the organization of the fiscal system, must be given much credit for inspiring many of the ideas that we develop here. His work preceded by several decades the final construction of the Paretian 'new' welfare economics, which is closely related although independently developed. The merit of Wicksell is that he states directly the implications of his analysis for the institutions of collective choice, a subject upon which the modern welfare economists have been rather strangely silent. Only within the last decade have serious attempts been made to analyze collective-choice processes from what may be called an 'economic' approach.”

[ii] Esta ideia é na verdade compatível com a própria visão que Schumpeter tem da democracia. Para Schumpeter, fundamentar o ideal democrático sobre noções de “bem comum” ou de “vontade do povo” é algo muito inocente. Encontramos todo o respectivo raciocínio em Capitalism, Socialism and Democracy, p. 302–314.

[iii] O teorema da impossibilidade de Arrow faz alusão à quatro condições. O domínio não restrito é a ideia de que todo tipo de preferências individuais deve ser tomado em consideração, mesmo as mais bizarras. A hipótese fraca de Pareto indica a ideia relativa à agregação das preferências, ou seja, se todos os indivíduos da sociedade preferem x à y então a sociedade também prefere x à y. A independência das escolhas alternativas não pertinentes indica que as escolhas feitas e estabelecidas entre duas alternativas (ou possibilidades) não toma em consideração uma terceira alternativa. E finalmente a hipótese de ‘não-ditador’ indica que nenhum indivíduo pode tomar uma decisão no lugar de outro. Note que, assim como fez Condorcet, a hipótese de transitividade das escolhas individuais é também fundamental.

[iv] “At base, political or collective action under individualistic view of the state is much the same. Two or more individuals find it mutually advantageous to join forces to accomplish certain common purposes. In a very real sense, the “exchange” inputs in the securing of commonly shared output.” (p. 18)

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