Austeridade e Crescimento nos Países da Zona do Euro

Breve exposição dos orçamentos dos países da Zona do Euro no período pós-crise de 2008

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
8 min readMay 12, 2016

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Zona do Euro

Por volta de sete meses atrás um artigo publicado no Instituto Liberal apresentou uma proposta de estudo em que a austeridade poderia perfeitamente ser concebida como uma política viável conciliando uma proposta de gestão responsável do orçamento e uma promoção de uma agenda de crescimento sustentável do produto, em vez de ser vista como um empecilho insuperável para o crescimento econômico.

Na verdade, naquela ocasião, não somente em teoria mas também segundo os próprios dados da OCDE referentes ao período de pós-crise de 2007-08 que foram apresentados ficou demonstrada uma coerência dessa análise, haja visto que os países desenvolvidos com melhores performances em termos de crescimento foram aqueles que conseguiram manter as contas públicas em ordem, ou sob uma disciplina minimamente sustentável no plano fiscal.

Essa via de raciocínio, portanto, pode funcionar no sentido inverso, ou seja, níveis de crescimento econômico sustentáveis podem colaborar bastante com metas fiscais e orçamentárias.

Hoje sugerimos uma despretensiosa análise das contas dos países compondo a Zona do Euro. Buscamos simplesmente apresentar alguns dados e resultados que poderiam ou descreditar ou corroborar um pouco mais aquela ideia geral e proposta do artigo mencionado mais acima: a proposta de que um país pode crescer mesmo se mantiver um controle restrito dos gastos de orçamento.

Aqui não pretendemos expor uma regressão estatística contestando ou comprovando uma relação explícita incontornável entre a intensidade dos cortes orçamentários e a performance em termos de crescimento.

Nosso objetivo é apenas verificar a compatibilidade de políticas fiscais saudáveis no longo prazo, e o desempenho econômico relativamente próspero em termos de crescimento do produto.

Dito de outra forma, se o crescimento sustentável do produto pode acontecer sem oscilações consideráveis de aumento das despesas públicas.

O grande enfoque é numa análise simplista das despesas e receitas nominais, do balanço dos orçamentos dos governos e do endividamento público em termos de produto, lembrando que um dos critérios de permanência na Zona do Euro é de certa forma o controle dessas variáveis.

Equilíbrio Fiscal, Despesas Nominais e Crescimento

Depois de analisar brevemente as contas dos países europeus aderindo á moeda única, os resultados parecem indicar que a lógica do desempenho em termos de crescimento se mantém: rigorosamente todos os países com os melhores índices em termos de crescimento tiveram sucesso em controlar a evolução das despesas nominais e os resultados dos orçamentos, eles conseguiram ou reduzir ou manter sob controle o peso das despesas públicas relativamente ao produto e o fardo da fiscalidade sobre o setor produtivo.

Tomando como corte a média de crescimento dos países da OCDE, os países liderando em termos de crescimento econômico na Zona do Euro entre 2010 e 2014 são, respectivamente: Estônia (3,8%), Luxemburgo (3,2%), Eslováquia (2,66%), Alemanha (2,04%) e Irlanda (1,94%).

Olhemos mais de perto a evolução das despesas públicas nominais desses países pelos dados disponibilizados pela OCDE.

Despesas Públicas dos Líderes em Crescimento da Zona do Euro

É possível notar que, em termos nominais, praticamente todos os governos dos líderes de crescimento ou mantiveram ou aumentaram apenas marginalmente o nível das despesas públicas, exceção feita para a Irlanda, onde houve nítida queda.

Por mais que o governo do Luxemburgo tenha sido o único que propôs um crescimento “anormal” das despesas per capita e na paridade do Dólar (Thousand US Dollars/Capita), não podemos dizer que, através da leitura que fizemos desses dados, houve um vastos programas de novos gastos/investimentos públicos nos países da Zona liderando em crescimento.

Geralmente, o mantimento a níveis constantes ou acréscimo nominalmente marginal das despesas é algo esperado em economias desenvolvidas, uma vez que os custos nominais (notadamente em mão de obra) da máquina pública evoluem na margem positivamente. Devemos sempre ter em mente a evolução do balanço orçamentário, a natureza das despesas e a evolução do produto.

Tomemos o caso de cada país em particular através dos dados Eurostat: o governo da Estônia aumentou suas despesas nominais em torno de 100 Milhões de Euros em 5 anos (25M/Ano), no Luxemburgo 300 Milhões de Euros (60M/Ano), a Irlanda manteve praticamente constante, a Alemanha acresceu em 8 Bilhões de Euros anualmente, e a Eslováquia em 200 Milhões (4M/Ano).

Evolução das Despesas Nominais

Quando olhamos mais de perto as despesas em termos do produto constatamos que em todas as economias houve queda, notadamente porque as taxas de crescimento do produto foram maiores do que as taxas de crescimento das despesas.

Na Irlanda as despesas passaram, respectivamente, de 65% em 2010 a 39% do produto em 2014, na Alemanha de 47,5% a 44,2%, no Luxemburgo de 45,28% a 42,38%, na Eslováquia de 43,94% a 41,6% (depois de terem caído a 40% em 2012), e na Estônia de 46,6% a 38%, uma das mais importantes reduções.

Despesas em termos de PIB

Do lado das receitas, esses governos apresentam geralmente um ritmo de crescimento anual menor que o crescimento do PIB. Houve uma manutenção ou um crescimento comedido da predação e da parte do orçamento público em termos de PIB em um período onde o ritmo de crescimento foi mais elevado.

Isto quer dizer que nestes países a pressão fiscal sobre as famílias e empresas ou se manteve estável ou aumentou em um ritmo menor que ao da criação de riqueza.

Esta informação corroboraria uma visão de que não há real possibilidade de manutenção de um crescimento sustentável concomitantemente a um crescimento desenfreado da predação.

Receitas em termos de PIB

Uma análise da dívida e do déficit dos respectivos orçamentos dos líderes em crescimento aponta uma redução dos rombos orçamentários e consequente diminuição no ritmo do endividamento público e em termos do PIB.

A Estônia, por exemplo, sempre manteve um orçamento relativamente equilibrado e sua divida pública jamais ultrapassou 12% do PIB, o país apresenta a maior média de crescimento na Zona do Euro e as taxas de desemprego da economia estão entre as mais baixas da Europa.

No caso da Alemanha, ocorreu um cenário de redução dos desequilíbrios orçamentários e da dívida pública. Depois de ter evoluído negativamente até 2010, e seguindo uma progressão de plena redução dos déficits orçamentários, entre 2010 e 2014, a dívida pública caiu de 80% para 70% em termos do produto.

Em outro artigo já publicado apresentamos brevemente alguns elementos explicativos sobre o que foi feito na Alemanha em termos de reformas para que sua economia ganhasse em dinamismo, e isto envolve um combo de políticas estruturais em diversos setores da economia.

No caso da Eslováquia houve um salto de aumento da progressão do endividamento após a crise de 2008 e uma estabilização da dívida em termos de PIB por volta dos 50%, o que ocorreu depois de uma redução do ritmo de evolução dos desequilíbrios orçamentários.

No caso do Luxemburgo, entre 2010 e 2014, houve uma evolução comedida do endividamento público malgrado controle e balanço orçamentário. Em 2015, a economia do país cresceu ao ritmo de 5% e os índices de desemprego estão entre os mais baixos da Zona do Euro, ao lado da Alemanha e da Áustria.

A curva da dívida pública da Irlanda tem a forma de (U) invertido, e depois de ter apresentado importantes desequilíbrios em termos de déficits e de endividamento, houve uma nítida redução da dívida em termos de PIB e dos déficits orçamentários.

Observações Conclusivas e o Caso da Estônia

A primeira colocação que geralmente remarcam os comentaristas desta análise simplista de variáveis é que elas sozinhas não conseguem descrever suficientemente bem a gestão fiscal e orçamentária dos governos, e que as despesas em termos de PIB em um cenário de crescimento econômico muitas vezes facilitaria a gestão das contas públicas.

E realmente, além de crescimento do produto, houve crescimento das despesas nominais em praticamente todos os líderes de crescimento na Zona do Euro, exceção feita á Irlanda – que apresentou uma redução constante das despesas per capita – e isto depois de desequilíbrios consideráveis.

Curiosamente, no caso da Europa, e tomando também em conta os períodos anteriores á crise, entre os países que apresentam os mais elevados níveis de despesas em termos de produto estão sempre estes que cujas taxas de crescimento são inferiores á média da OCDE, tal é o caso da França, Finlândia ou Bélgica. Em todos esses países as despesas e receitas públicas já atingiram mais de 50% do PIB.

A fim de concluir este breve comentário, e como uma forma de complementar as sugestões desta análise, tomaremos a iniciativa de apresentar mais detalhadamente a política fiscal de um dos líderes de crescimento da Zona do Euro, a Estônia.

Como vimos, a Estônia registrou superávit orçamentário já em 2010, e além de apresentar uma dívida pública baixíssima em termos de PIB, em decorrência da confiança engendrada por uma política fiscal sustentável houve aumento dos investimentos internacionais no país e um crescimento dos níveis de poupança da economia, o que engendrou uma espiral de altos índices de investimento.

Os resultados econômicos positivos da Estônia encontram fundamento entre outras coisas no ambiente favorável aos negócios e em uma organização tributária competitiva.

Na verdade a Estônia foi um dos primeiros países europeus a adotar um regime tributário compatível com os princípios de Flat Tax, antes da Eslováquia, e incialmente a alíquota era de 26%, hoje está em torno de 20%.

Finalmente, o que gostaríamos de ilustrar é que, ao contrário do que poderia sugerir uma leitura de boa parte dos comentários difundidos na grande mídia, não existe forçosamente nenhum empecilho ao crescimento econômico sustentável associado a uma política rigorosa de controle das despesas do governo.

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