Michel, um exemplo de brasileiro.

Mateus Bernardes
4 min readOct 27, 2017

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No último mês tive a oportunidade de conhecer um brasileiro de sucesso. Compartilho nesse texto um pouco da surpreendente história dele.

Henri Michel, apesar do nome francês sugerir, não nasceu em berço de ouro, muito pelo contrário, sempre teve que batalhar para conquistar as coisas na vida.

Nascido em comunidade carente, Michel criou seus dois filhos em uma casa de somente um cômodo. A casa costumava alagar, até que ele sozinho foi e subiu o nível do terreno, ele conta com certa dor.

Para alimentar as crianças, Michel pegava um carrinho de mão e caminhava 10 km até chegar à CEASA do RJ. Lá, enchia o carrinho com os restos da feira e caminhava os 10 km de volta para casa. Com o que trazia, conseguia encher a geladeira sem gastar um centavo. No início ele chamava alguns amigos para irem junto com ele, depois, passou a ir sozinho, todos desistiam da jornada dizendo que era muito longe, cansativo. A imagem da geladeira vazia em casa nunca deixou Michel se render, não era o sol na cabeça ou a chuva que iam fazer ele parar.

Na porta de sua casa, havia uma pintura de um sambista da Vila Isabel, ele conta. Viu a foto em um jornal, pintou em uma tábua de madeira para colocar de decoração e o resultado ficou muito bom no final. Fez até uma pintura para um amigo na época, que acabou pendurada por anos na parede de casa.

Pela lógica de Michel, se você está vendo uma pessoa, você consegue pintá-la. Nunca viu a pintura como um dom pessoal. E esse raciocínio ele usava para tudo, quando conseguia acesso a internet de um vizinho fazia suas rimas e lançava na internet. Misturava funk com pop e em seus primeiros vídeos já se imaginava cantando no Rei do Bacalhau, famosa casa de shows da Baixada Fluminense. Sempre sonhando alto e sem medo de ser taxado de louco por aqueles que o rodeavam.

Mas o dom verdadeiro desse cara que fazia de tudo estava na junção das mãos com a tesoura. Ele era cabeleireiro! E dos bons, como ele mesmo se reconhecia desde o início. Fazia a sobrancelha dos homens e da mulherada na comunidade, reflexo no cabelo, cortes diversos, era só mostrar a foto que ele fazia.

Chegou a trabalhar em alguns salões da região, mas nunca conseguiu aceitar as ordens dos donos. Se era ele o grande artista, porque não poderia dar as ordens em seu salão próprio?

Foi aí que veio o grande momento de virada em sua vida. Com tanta determinação, sem nunca deixar nenhum obstáculo derrubá-lo e sempre sonhando alto, Michel um dia enfim atingiu o sucesso que merecia.

Conseguiu um pedacinho de terra em sua comunidade para abrir seu sonhado salão. E, sem nunca reclamar do trabalho e das dificuldades, o resto da história é previsível. O homem de vida sofrida conseguiu dar a volta por cima e fazer do pequeno salão uma grande franquia. Trazendo assim, uma qualidade de vida digna para seus filhos e provando que quem quer e batalha consegue alcançar tudo.

Calma!

Os dois parágrafos entre as duas fotos acima são mentirosos, pura ilusão, devaneio.

O salão de Michel não virou uma referência.

Michel não conseguiu nem construir seu primeiro salão.

Michel continua tendo que andar 20 km para poder trazer comida para seus filhos em casa.

Michel ainda mora na mesma casa de um cômodo, se é que podemos chamá-la de casa.

A determinação de Michel é inegável, mas o lugar ao sol para ele ainda não chegou. É aqui que eu gostaria de trazer algumas reflexões que são um pouco do que penso hoje.

Vivemos em um país extremamente desigual e juntamente com a desigualdade de renda, temos também a desigualdade de oportunidades.

É claro que todos devem se esforçar para atingir seus objetivos. Porém, a corrida não é igual para todo mundo. Enquanto alguns podem se candidatar a milhares de empregos, outros precisam calcular se vale mais a pena gastar o dinheiro com transporte para ir a uma entrevista ou se é melhor usar esse dinheiro para colocar comida em casa. Enquanto alguns podem facilmente colocar o inglês no currículo, outros não tiveram a oportunidade nem de aprender português de forma adequada.

E esse ciclo se perpetua. Quando poucas exceções ganham a mídia e comovem, fazem o resto acreditar que aquilo pode ser uma regra, só dependendo do esforço individual de cada um.

Para encerrar deixo alguns questionamentos que não sei responder e meu objetivo com isso é que você que leu até aqui possa me dizer o que pensa do assunto.

O que aconteceu de errado? O que faltou Michel fazer? Ele teve o que merecia? Isso tudo é justo?

PS1: A pessoa retratada no texto existe e seus feitos são reais, o nome usado é falso.

PS2: As opiniões e reflexões são pessoais e baseadas em leituras e experiências e estão em constante (re)construção. Seus comentários, críticas e sugestões são extremamente bem-vindo.

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