Imagem panorâmica de uma conferência do movimento político alemão Ação Antifascista em 1932.
Conferência da Ação Antifascista em 1932

Antifascismo não é moldura para o seu perfil!

Matheus Mota
7 min readJun 1, 2020

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Depois dos protestos antifascistas de domingo e da resposta violenta da polícia aos manifestantes, a internet parece ter se tornado um grande grupo antifascista. Parece que absolutamente todo mundo decidiu colocar uma moldura ou postar uma versão alterada da bandeira da Ação Antifascista. Apesar de bem intencionada essa apropriação acrítica e ignorante —enquanto pura e simples falta de conhecimento — é muito perigosa e danosa à luta contra o fascismo. Sendo assim, tentarei contar um pouquinho sobre o que é e de onde vem a luta antifascista.

É extremamente importante ressaltar que nada do que vou dizer aqui é uma verdade absoluta. É o que eu aprendi enquanto alguém que busca lutar contra o fascismo. Deixarei fontes no final do texto para que todos possam criar a própria opinião sobre.

O que é Antifascismo?

Desde que o primeiro fascista pisou na terra e abriu a boca pra falar bobagem, um antifascista se moveu para combatê-lo. Porém o antifascismo como movimento político surgiu enquanto resistência ao fascismo italiano.

Bandeira da Arditi del Popolo. Mostra o simbolo do partido fascista italiano sendo cortado por um machado.
Bandeira da Arditi del Popolo, sessão de Civitavecchia

Em meados dos anos 20 grupos como a Unione Anarchica Italiana e a Arditi del Popolo começaram a se organizar e agir enquanto grupos antifascistas.

Logo em seguida essas organizações surgiram em outros países europeus. Na então Eslovênia surgiram o Fronte de Libertação da Nação Eslovena (Osvobodilna fronta slovenskega naroda) e o Fronte Anti-imperialista (Protiimperialistična fronta). Na Alemanha surgiu dentro de um braço do Partido Comunista Alemão a Ação Antifascista (Antifaschistische Aktion), grupo cuja bandeira é utilizada até hoje (e essa semana tem sido descaracterizada) por grupos antifascistas.

Apesar de diferenças relacionadas às táticas e particularidades dos fascismos enfrentados por esses grupos, todos eles tinham (assim como os grupos ANTIFA atuais) um único objetivo: combater o fascismo por QUALQUER MEIO NECESSÁRIO (sim, isso inclui violência).

Hoje, o antifascismo não tem líder, não é um grupo do qual você pode se tornar membro, não tem site oficial e nem uniforme. ANTIFA é um movimento descentralizado, é uma teoria política, uma prática e ética. Antifascismo não é algo que você É, e sim algo que você FAZ.

Nesse sentido, uma prática antifascista busca combater geral e localmente práticas que propiciem o crescimento do fascismo. Nessas práticas estão inclusos, por exemplo, o sistema econômico que sustenta ações de um governo fascista e pessoas que não necessariamente sejam fascistas convictas, mas tomem atitudes que possam ser consideradas fascistas. É justamente por essas razões que o movimento antifascista é parte da esquerda radical e, enquanto existir, continuará sendo.

De onde veio a bandeira ANTIFA?

A bandeira que os movimentos antifascistas utilizam hoje é uma reprodução, geralmente traduzida para o inglês, da bandeira da Ação Antifascista.

Símbolo da Ação Antifascista. Mostra duas bandeiras nas cores preta e vermelha balançando juntas para esquerda
Símbolo da Ação Antifascista

Como sempre a história não é tão simples assim.

Como dito anteriormente, a Ação Antifascista surgiu enquanto um braço do Partido Comunista Alemão e portanto a cor da bandeira refletia isso. Originalmente a bandeira era inteiramente vermelha e com a rápida adesão de militantes anarquistas ao grupo a bandeira foi alterada e passou a ser como utilizamos hoje. Duas bandeiras, uma preta e outra vermelha balançando juntas e voltadas para a esquerda.

Assim como todo símbolo, a bandeira da Ação Antifascista é carregada de história e significado. Sob esse símbolo inúmeras pessoas foram mortas em defesa da nossa liberdade hoje. Sendo assim, é de extrema importância preservar esse sentido e essa memória.

Por que não devemos mudar as cores da bandeira ANTIFA?

Com esse aumento gigante de pessoas se declarando antifascistas algumas pessoas começaram a mudar as cores da bandeira sem levar em conta a história do símbolo. Esse ato aparentemente simples é muito perigoso.

Como dito acima, as cores da bandeira ANTIFA não são aleatórias, elas remetem às posições políticas daqueles que durante a Segunda Guerra Mundial fundaram a Ação Antifascista. O problema de mudar as cores está justamente no apagamento desse sentido e dessa história.

Imagem mostra as várias cores de movimentos anarquistas
As várias cores do Anarquismo

Além disso, outras cores representam outros grupos políticos. Por exemplo, Anarco-capitalistas utilizam as cores preto e amarelo enquanto anarco primitivistas utilizam preto e verde.

Alterar as cores da bandeira é esvaziar uma luta que utiliza as cores preta e vermelha bem antes de ser antifascista. Grupos anarquistas utilizam essas cores desde o século XIX.

Esse tipo de atitude é despolitizante. Esvazia o símbolo de sentido e alimenta discursos conservadores contra uma luta organizada cheia de história. Antifascismo é coisa séria! Não é moldura de foto de perfil ou um desenho bonito para editarmos nas cores que mais nos agradam. Uma brincadeira inocente ou uma demonstração ignorante, porém sincera de apoio podem servir de munição para fascistas se mobilizarem contra grupos ANTIFA.

Devemos lembrar que o fascismo é conhecido pelo seu uso eficiente de uma máquina de propaganda e justamente por isso não podemos facilitar o trabalho deles. A luta antifascista, assim como a luta do movimento negro, LGBTQI+ e tantos outros, já teve sua história apagada diversas vezes por conta do controle que grupos conservadores e fascistas tem sobre o discurso que chega às massas. Diluir mais ainda o valor do símbolo é facilitar esse apagamento e dificultar o trabalho de tantas pessoas que militam dentro de grupos ANTIFA. Para ilustrar e deixar bem claro o que está acontecendo com a bandeira Antifascista podemos comparar essa mudança de cor com uma versão branca do punho cerrado utilizado pelo movimento negro ou uma alteração nas cores da bandeira LGBTQI+. É óbvio que essas mudanças transformam de maneira negativa esses símbolos, assim como o fazem com a bandeira ANTIFA.

Você pode ser contra o fascismo sem ser ANTIFA

É importantíssimo destacar que a luta contra o fascismo não se resume a prática do antifascismo. Durante a história vários outros movimentos políticos, inclusive fora da esquerda, se posicionaram contra práticas fascistas sem necessariamente se identificarem enquanto ANTIFA. Nós podemos fazer o mesmo, não precisamos nos apropriar e distorcer o símbolo de uma luta para nos afirmarmos contra um Estado ou indivíduo fascista.

Sendo assim, caso não se identifique com toda a história e ideologia da luta antifascista, não utilize o símbolo para se opor ao fascismo. Identificar-se enquanto ANTIFA — e mais importante ainda, ter práticas antifascistas — é se posicionar em concordância com essa história, é assumir pra si essa linhagem de militância. Antifascismo não é moda, é luta política!

Mas e a violência??

[Esse trecho foi editado devido à politica de uso do Medium sobre a abordagem do tema violência na plataforma. Uma discussão mais próxima da original está disponível no video referenciado com link no fim do texto]

no início do texto eu disse que o antifascismo busca combater o fascismo através de qualquer meio necessário, incluindo a violência. Acredito que algumas pessoas possam estar se perguntando se todo movimento antifascista é violento.

A resposta que consigo dar, e faz sentido para mim, é a seguinte: não, nem toda ação antifascista é violenta, mas as vezes a violência é utilizada. Partindo do princípio de que política é distribuição de poder, e que esse poder é utilizado e garantido através da violência do Estado. Afinal de contas nós temos uma FORÇA Policial, não uma “vamos nos abraçar e trocar ideia policial” podemos considerar que nem sempre uma resposta pacifica é levada a cabo.

O Fascismo mata, a polícia fascista mata, o cidadão de bem fascista mata. Para o fascismo a única vez que alguém contra o fascismo e suas definições de pureza estará correto é quando estiver morto. Por definição a existência de um fascista é violenta. Sendo assim, não é surpresa que alguns apelem para a violência na luta contra o fascismo.

Isso não quer dizer que toda violência perpetrada por grupos de esquerda é legítima, mas é preciso lembrar que o fascismo enquanto ideologia é baseado na violência e no extermínio. É claro que a relação é mais complexa, nem sempre as fronteiras são definidas de maneira clara e isso não implica em dizer que devemos ser violentos.

Caso ainda não tenha ficado claro, não estou dizendo que toda violência vinda da esquerda é legítima, mas que essa violência não é igual nem simétrica àquela perpetrada por um fascista. Cabe ao indivíduo pensar criticamente e se posicionar em relação ao uso da violência, além de arcar com as consequências de seu uso.

E se eu não quiser sair na rua em meio a pandemia e apanhar de PM?

A luta antifascista não se dá exclusivamente em manifestações nas ruas, da mesma maneira que o fascismo não se dá apenas nas ações do Estado. Portanto, podemos praticar o antifascismo em outras esferas das nossas vidas.

Por exemplo, podemos denunciar posts e perfis de pessoas que espalhem discurso fascista, podemos não apoiar empresas que reproduzam esses discursos ou apoiem Estados fascistas, podemos não eleger e fazer campanha contra políticos fascistas e — mais importante que tudo isso — podemos nos policiar para não reproduzir práticas fascistas no nosso cotidiano. Assim como racismo e homofobia a nossa sociedade capitalista atual tem fortes raízes nas diversas formas de fascismo que já experimentamos e, por isso, precisamos combatê-lo diariamente.

De onde veio o texto e onde aprender mais sobre?

Manual dos intelectuais antifascistas escrito por Benedetto Croce (disponível apenas em italiano)

O video produzido pelo Oliver Thorn do Philosophy Tube sobre filosofia Antifascista (com legendas em português)

Um artigo publicado no site da Jacobin sobre a história do movimento antifascista

— O livro ANTIFA: o manual antifascista escrito pelo Mark Bray (disponível em português em várias livrarias)

Além disso, interaja com conhecidos antifascistas e pessoas online. É sempre importante conhecer antes de agir.

Só juntos iremos acabar com o fascismo!

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Matheus Mota

Arqueólogo, apaixonado por música, arte e artesanato. || Archaeologist, lover of music, art and making things.