Marília Levacov, a mais antiga moradora do Edifício Santa Cruz

Desde 1965, quando o prédio ainda estava em obras, Levacov possui apartamento no andar mais alto da construção.

Matheus Leandro
4 min readOct 21, 2017
A professora aposentada e os seus dois companheiros, Sépia e Moishe

Por Eduardo Dorneles e Matheus Leandro

Uma das pessoas mais icônicas do edifício é a moradora do mais alto andar residencial da construção: Marília Levacov. Hoje professora aposentada e aos 65 anos de idade, ela recorda muito bem o momento em que veio com sua família para o Santa Cruz.

“Era adolescente quando vim com meus pais para cá, o prédio ainda estava em obras naquele ano, 1964/1965, e por quase um ano fomos os únicos moradores do prédio”, diz Levacov.

Uma das reportagens feitas com Paulo Levacov, pai de Marília

Ela é filha do renomado engenheiro-arquiteto Paulo Ricardo Levacov, que, em inúmeras entrevistas, dizia que conversava com Deus de sua sacada, de sua janela, tamanha a altura do edifício.

Quando completou a maioridade, deixou a casa da família e jurou nunca mais morar no Centro. Mas, após ficar um tempo em Israel e viajar duas vezes aos Estados Unidos para a obtenção do seu mestrado e doutorado — na área de Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação –, teve um motivo maior para voltar para a casa. Há 10 anos atrás, sua mãe adoeceu e lutava contra o Alzheimer. Então, Marilia Levacov se aposentou da UFRGS, onde trabalhava, e voltou a morar no edifício, achando que era apenas uma situação temporária. Sozinha hoje, ela ainda não conseguiu se desfazer do apartamento.

Marília Levacov não se vê feliz como moradora do Centro Histórico de Porto Alegre

Apesar de se dizer casada com o apartamento, Levacov gostaria muito de deixa-lo porque hoje, em sua opinião, o Centro é algo sórdido, mal frequentado e perigoso. Mas apesar do Edifício Santa Cruz possuir apartamentos grandiosos, absolutamente confortáveis, e com uma infraestrutura muito boa, a dificuldade da venda se dá pela falta de garagem.

“Toda a geração dos meus pais morreu ou está morrendo. Seus herdeiros não querem morar aqui e estão tentando vender. Em todos os andares tem apartamentos a venda ou alugados e por preços que chegam a ¼ do valor de mercado”, declara a aposentada.

Levacov acredita que nunca teve um período em que o Centro fosse tão ruim como agora. Após voltar ao Brasil, ela encontrou um cenário sujo, degradado pela frequência, pelos moradores de rua, pelos assaltantes, pelo tráfico e pela prostituição. Para ela, grande culpa está no fraco planejamento do último governo, que transformou o Centro em um local de atividades sociais da classe baixa, sem nunca providenciar infraestrutura para que isso acontecesse. O que comprova isso é a ausência de mictórios nesses eventos, resultando na impregnação do cheiro de urina e de fezes. Outra reclamação de Levacov é o alto número de manifestos e discursos em megafones que ocorrem na região.

Mas a principal queixa da moradora é a escassa segurança no Centro.

“Só nesse ano, fui assaltada três vezes, o que nunca tinha me acontecido antes. E não fui mais vezes porque sou chapa de todo mundo que trafega aqui de noite, dos traficantes, dos drogados, das prostitutas”, diz.

Todos os transeuntes são amigos de Sépia, um dos goldens retrievers que fizeram com que a professora se tornasse icônica no edifício. Aliás, essa relação humana x canina originou uma grande pesquisa etnográfica de Levacov, publicada sob o nome de “Luna na Praça da Alfândega”. No livro, a autora analisa os invisíveis pela sociedade que trafegam pela praça entre uma Feira do Livro e outra. Tudo isso através da aproximação que as pessoas tinham com a labradora Luna, falecida em 2012.

O livro “Luna na Praça da Alfândega”, escrito por Marília Levacov em 2009

Além desses cachorros, Marília Levcov teve outro golden retriever, o Moishe. Esse era um cão já mais velho quando foi adotado e sofria para se locomover devido a um atropelamento.

“Por 5 anos ele viveu aqui e foi um cachorro muito amoroso comigo. Eu tive um cachorro especial, tive esse privilégio, mas nos dois últimos anos da vida dele a artrose foi tão severa que ele deixou de caminhar”, relata a moradora.

Moishe em sua cadeira de rodas

Por isso, ela criou cadeiras de rodas adaptadas que foram se aperfeiçoando aos poucos e que fazia com que os moradores do edifício acompanhassem a vida deste cão. Infelizmente, o animal também faleceu neste ano. Vinda de um lar que já teve 21 cães, Levcov vê nesses companheirinhos uma amizade verdadeira e um novo significado para família.

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Matheus Leandro

Jornalista | Gremista | Apaixonado por cinema | Amante da literatura | Crítico cético da política