Doutrinas Fundamentais

Proposições a respeito de assuntos fundamentais da fé cristã.

Matheus Nóbrega
21 min readSep 15, 2023
Tradução: O Criador, autor de todas as coisas, maneja com destreza aquilo que criou

Introdução

Esse estudo aborda alguns assuntos centrais da fé cristã como salvação, batismo nas águas, batismo no Espírito e o dom de línguas em uma perspectiva pentecostal. A premissa é apresentar o fundamento desses assuntos e abrir espaço para estudos mais aprofundados, sem correr o risco de acabar desconsiderando as doutrinas fundamentais. A imagem de capa é o Quadrado Sator, um palíndromo usado pelos cristãos do primeiro século como símbolo da presença de Deus em seu meio, usado aqui para lembrar que embora tenhamos conceitos próprios a respeito de muitos assuntos, é o Criador que decide sobre sua própria criação.

Capítulo I: Sobre a Salvação

Esse capítulo vai apresentar os aspectos da salvação em Cristo, suas características e evidências, bem como as semelhanças e diferenças entre as principais correntes teológicas que estudam esse tema — também chamado de soteriologia ou doutrina da salvação.

Proposição 1: Cristo morreu por todos, mas sua obra salvífica é levada a efeito somente naqueles que se arrependem e creem.

A expiação limitada, ou particularismo, afirma que Cristo morreu somente pelas pessoas soberanamente eleitas por Deus. Por sua vez, a expiação ilimitada, também chamado de universalismo qualificado, afirma que a obra salvífica de Jesus Cristo alcança toda a humanidade, mas só tem efeito sobre quem se arrepende e crê. Nesse sentido, é preciso entender que a linguagem universal na Bíblia nem sempre é absoluta. Isso não quer dizer que apenas alguns serão salvos, mas que a salvação está disponível a todos, mas apenas torna-se efetiva naqueles que se arrependem e creem em Jesus Cristo, isto é, os eleitos: aqueles que Deus em sua presciência sabia que iriam crer. Estes, por sua vez, mediante a fé e pela graça, perseveram até o final. Portanto, tem-se que a expiação é ilimitada no sentido de estar a disposição de todos; é limitada no sentido de ser eficaz somente para aqueles que se arrependem e creem. Logo, está a disposição de todos, mas é eficiente apenas para os eleitos.

Proposição 2: Somente aquele que perseverar até o fim será salvo.

Mateus 24:13 vai afirmar que “aquele que perseverar até o fim será salvo”. O termo original para a palavra “perseverar” nesse texto é ὑπομένω e tem o significado de permanecer, ficar, manter-se firme na fé em Cristo. Logo, uma vez que você creu em Jesus e foi salvo, você é seguro em sua salvação enquanto ὑπομένω, isto é, permanecer, na fé e na obediência a Cristo.

Proposição 3: É necessário crer para ser salvo.

A expiação ilimitada seria injusta e tenderia ao universalismo se não houvesse a necessidade de crer. Até mesmo os eleitos precisam crer para ser salvos. Marcos 16:16 vai afirmar que “quem crer e for batizado será salvo, quem, porém não crer será condenado”. A palavra original no grego para crer é πιστεύω e tem o sentido de acreditar, depositar confiança, ter convicção e verdade. Logo, é necessário crer para ser salvo pois todo aquele que depositar sua confiança e ter plena convicção que Jesus Cristo é capaz de salvar estará seguro nessa verdade, e será salvo.

Proposição 4: Não há mérito humano no processo de salvação.

A salvação é somente pela graça mediante a fé em Jesus Cristo (Efésios 2:8). Essa afirmação paulina é suficiente para provar que a salvação não tem origem no ser humano, mas em Deus — por isso uma dádiva. Logo, o homem não pode salvar a si mesmo. Nesse sentido, também é possível afirmar que não há qualquer mérito humano no processo de salvação. Há, porém, responsabilidade. Ressaltar a soberania de Deus, sem afirmar, ao mesmo tempo, a responsabilidade do homem, tende ao fatalismo, do mesmo modo que preocupar-se em manter a responsabilidade do homem, ao ponto de perder de vista a soberania de Deus no processo de salvação, tende ao pelagianismo. É necessário um equilíbrio. Portanto, a salvação depende inteiramente da graça divina, provendo única e inteiramente de Deus. Ao ser humano, por sua vez, cabe a responsabilidade neste processo.

Proposição 5: A responsabilidade humana no processo de salvação consiste no fato de aceitar ou não a dádiva divina.

A salvação não é imposta, mas sim oferecida a toda a humanidade. O ser humano não é coagido a aceitar a graça divina, ele assim o faz por escolha própria. Essa escolha provém do Espírito Santo de Deus que o convence do pecado e o faz reconhecer o seu estado. Nesse ponto, cabe a ele decidir arrepender-se e tornar-se seguidor de Cristo ou rejeitá-lo, sucumbindo-se ao seus próprios pecados. Assim, é de sua responsabilidade aceitar ou rejeitar a graça oferecida. Portanto, a salvação é oferecida a todos, mas apenas torna-se efetiva àqueles que verdadeiramente se arrependem e aceitam a dádiva da salvação.

Proposição 6: A conversão é um ato humano a partir do convencimento do Espírito Santo.

A conversão é a primeira etapa do processo de Salvação. É nesse ponto que o Espírito Santo convence o pecador de seu estado de calamidade e morte. Contudo, a conversão se dará no instante em que o pecador reconhecer seu estado de total separação de Deus e verdadeiramente arrepender-se, passando a crer em Deus e tornar-se livre do pecado e da morte.

Proposição 7: A partir da conversão inicia-se processo de salvação constituindo-se da regeneração, justificação, santificação e glorificação.

A partir do momento em que o pecador é convencido de seu estado e decide arrepender-se e crer em Jesus Cristo é iniciado, de forma imediata, o processo de regeneração. Nessa etapa, o novo cristão recebe o Espírito Santo, dando-lhe uma nova vida. É aqui que acontece o novo nascimento. Uma vez nascido de novo, o cristão é considerado justo, aceito diante de Deus por meio da fé em Jesus Cristo. Na justificação, somos salvos do castigo do pecado que nos separou de Deus, por meio daquilo que Jesus Cristo fez. Agora, não há mais condenação alguma: fomos inocentados. Por sua vez, o processo de santificação consiste em nos tornar santos, isto é, separados do pecado. Nesse sentido, a santidade se trata da separação e da renúncia daquilo que é pecado, a partir da dedicação a uma vida de devoção e consagração total a Deus. Nesse processo, o caráter de Cristo passa a ser moldado em nós, e começamos a sermos salvos do domínio do pecado, passando a viver uma vida de santificação, separados do pecado e vivendo em fé e obediência a Deus. Por fim, vem a glorificação, que é a última etapa do processo de salvação. Aqui, receberemos um corpo glorificado, capaz de viver a eternidade na presença de Deus. Se na justificação somos salvos do castigo do pecado e na santificação somos salvos do domínio do pecado, na glorificação seremos salvos da presença do pecado. Nessa última etapa o processo de salvação será plenamente concluído e estaremos na presença do Autor da Salvação para sempre.

Proposição 8: É necessário compreender o contexto quando a Bíblia usa as palavras “mundo” e “todos”.

Essas palavras são usadas em vários sentidos nas Escrituras, sendo necessário um exercício hermenêutico para compreender o termo em sua forma correta para aquele texto. De fato, é preciso compreender que a linguagem universal na Bíblia nem sempre é absoluta, mas em alguns casos é. O contexto é importante. Além disso, também é preciso levar em conta que a expiação ilimitada consegue abranger um segmento maior do texto bíblico com menos distorção do que a expiação limitada. Nesse sentido, nos casos em que a passagem indica um sentido universal como em 1Timóteo 2:4–6 o contexto indica claramente isso: a totalidade da humanidade. Por sua vez, em 1João 2:1–2 há uma separação explícita entre os crentes e “todo o mundo”. No entanto, em ambos os contextos e significados, João vai afirmar que Jesus é a propiciação para ambos, correlacionando-os através da obra salvífica de Cristo. Com relação a mundo, quando a Bíblia usa o termo em passagens como João 3:16, João 1:29 e 1Jo 4:14, textos de um mesmo autor, o significado é qualitativo, referindo-se as pessoas que fazem parte desse sistema — uma vez que Cristo não morreu por um sistema, mas sim por pessoas. Logo, o termo não se refere apenas aos eleitos, mas a toda a humanidade. Portanto, para compreensão desses termos nas Escrituras o contexto é de suma importância.

Proposição 9: Nem todos serão salvos.

As principais correntes teológicas que estudam o alcance da obra salvífica de Cristo afirmam que nem todos serão salvos. Logo, essa afirmação pode ser tomada como base para ressaltar que uma das principais questões sobre a Salvação não está na aplicação, mas na intenção divina: a salvação só é possível para os eleitos ou está disponível a toda a humanidade? Para essa questão retorna-se a preposição 1: a dádiva divina está a disposição de todos, mas é eficiente apenas para os eleitos, isto é, aqueles que Deus sabia que iriam crer em Jesus Cristo.

Preposição 10: A predestinação se refere a um povo e não a pessoas.

Uma das principais questões sobre salvação está no conceito de predestinação. Em todas as passagens bíblicas que a predestinação aparece, ela se refere a um povo e não a pessoas: a predestinação tem sentido coletivo e não individual. Existe um povo predestinado, isto é, a Igreja de Cristo, e não pessoas específicas predestinadas ao céu e outras ao inferno. Todos os textos bíblicos, principalmente a carta de Paulo aos romanos, aborda a predestinação para um povo e não a indivíduos específicos. Tanto que, todo aquele que crer, é enxertado na família de Deus e será salvo (Romanos 11:11–24). De fato, a Igreja é feita de pessoas, e essas pessoas compõem a Igreja. Logo, quem vai para o céu são as pessoas que fazem parte da Igreja de Cristo. Portanto, quem fazer parte desse povo predestinado a eternidade na presença de Deus, isto é, a Igreja, será salvo.

Capítulo II: Sobre o Batismo Cristão

O presente capítulo aborda o batismo cristão, suas formas, procedimentos e significados, em uma correlação direta com o ato batismal de Cristo e o sacramento instituído no Novo Testamento.

Proposição 1: O batismo é a imersão em água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não como meio de salvação, mas como parte integrante dela.

O batismo é um sacramento instituído por Cristo que simboliza a morte da velha criatura e o nascimento de uma nova criatura, isto é, a morte para o pecado, e o nascimento de uma nova vida em Cristo (Romanos 6:4; 1Coríntios 5:17). Após receber a dádiva da salvação, o próximo passo é o batismo.

Proposição 2: As três formas de batismo apresentadas nas Escrituras são válidas, contudo, uma tem preferência sobre as outras.

O capítulo 7 da Didaqué descreve a forma do batismo cristão. Nele, instruí que a pessoa seja batizada em água corrente por imersão, caso não tenha, batize em outra água, por imersão ou efusão, e caso ainda não tenha derrame água sobre a cabeça, isto é, aspersão. Isso mostra que as três formas são válidas e praticadas, uma em preferência as outras. Também mostra que não é a forma do batismo o principal, mas a “forma” do batizado, isto é, se ele de fato está instruído e pronto para confessar publicamente a sua fé. E principalmente: pronto para praticar a sua fé. Isso quer dizer que a essência do batismo não é a água, mas a fé. Uma vez que o batizado tem certeza de sua escolha e convicção para assim publicamente confessa-la. Inevitavelmente isso se faz a partir de sua própria consciência, de forma voluntária, em sua livre escolha. Portanto, nos primeiros séculos da Igreja Cristã o batismo era praticado, na maioria dos casos, por imersão, em um ato público de confissão seguido de prática da fé cristã.

Proposição 3: Não há continuidade do Antigo Testamento na relação circuncisão batismo.

Aliancistas afirmam que o batismo no Novo Testamento caracteriza-se como a continuidade da circuncisão do Antigo Testamento. Entretanto, Jesus Cristo estabeleceu um modelo de vida que deve ser seguido: batize-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mateus 28:19). A circuncisão não caracterizava um modelo de vida, mas um modelo de povo. Em Gênesis 17:24–27 Deus estabelece a circuncisão na Aliança com Abraão quando ordena que realizasse o procedimento nele e em seus filhos e escravos. De Abraão, origina-se as três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Os judeus, em sua maioria, realizam a circuncisão até os dias de hoje, enquanto os muçulmanos, quase em sua totalidade, seguem esse procedimento. Ao longo dos anos, adequou-se realizar a circuncisão em recém nascidos a fim de reduzir o sofrimento do procedimento “cirúrgico”. Entretanto os cristãos não realizam a circuncisão, pois em Cristo um novo modelo foi instituído: o batismo. Esse novo modo de vida não continua uma prática estabelecida para um povo, mas estabelece um rito que simboliza o pertencimento a um corpo. Além disso, após o cristianismo tornar-se também gentio, essa prática não foi estendida a eles — uma das questões centrais na controvérsia judaizante que resultou no Concílio de Jerusalém (Atos 15). Nesse concílio, definiu-se que os gentios eram aceitáveis perante Deus sem as exigências da Lei de Moisés e práticas judaizantes. Por fim, o batismo não configura-se como a continuidade da circuncisão do Antigo Testamento, mas como um símbolo da morte para uma velha vida e o nascimento para uma nova em Cristo Jesus.

Preposição 4: Na tradição judaica o batismo é um rito de purificação.

Para os judeus, o batismo tem o objetivo de purificar o indivíduo dos pecados cometidos. De fato, limpá-lo. Marcos 1:4 vai afirmar que João administrava um batismo de arrependimento para remissão de pecados. Esse batismo tinha dois enfoques. Primeiro, marcava um retorno de um judeu para Deus, garantindo o recebimento de perdão e purificação e associando-o novamente ao povo. Segundo, tipificava o batismo messiânico no Espírito Santo, antecipando o batismo instituído por Jesus Cristo. Após o batismo de Jesus e a revelação de seu ministério como o Messias Prometido, o ministério de João estava concluído, e o batismo, não mais como rito de purificação, mas como símbolo de uma nova vida em Cristo, foi instituído.

Capítulo III: Sobre o batismo no Espírito Santo

Esse capítulo apresenta uma perspectiva pentecostal sobre o batismo no Espírito Santo, suas evidências, significados e sentidos. Além da relação do Primeiro e do Segundo Testamento sobre a manifestação do Espírito Santo e o cumprimento dessa promessa.

Proposição 1: O batismo no Espírito Santo é um revestimento de poder para proclamação do Evangelho.

O dia de pentecostes em Atos 2 narra a manifestação do Espírito Santo e o cumprimento do revestimento de poder prometido por Jesus em Atos 1:8. Esse texto, por sua vez, deixa claro que o batismo no Espírito Santo consiste em um revestimento de poder para proclamação do Evangelho: “mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra”. Aqui, Jesus explica que os cristãos serão revestidos de um poder celestial capaz de equipa-los para serem suas testemunhas em todos os lugares da terra. De fato, um ímpeto missionário, a ousadia para levar as palavras de Cristo aonde for. Portanto, o batismo no Espírito Santo é a capacitação espiritual, um revestimento de poder, para proclamação do Evangelho.

Proposição 2: Atos 2 narra o nascimento da Igreja.

A Igreja nasceu com Jesus Cristo, em Atos 2 ela recebeu vida. Aqui se cumpriu a promessa direta de Jesus que instruiu os discípulos a permanecerem em Jerusalém, até que do alto fossem revestidos de poder para serem testemunhas de Cristo por onde quer que forem (Atos 1:8). Dessa forma, imediatamente após a manifestação do Espírito Santo em Atos 2 e o revestimento de poder para proclamação do Evangelho, a Igreja começou a propagar poderosamente as palavras de Cristo e o Evangelho do Reino de Deus se espalhou por Jerusalém e toda a Judeia e Samaria, até os confins da terra. A partir desse dia, a Igreja ganhou vida e continuou a propagar-se e a aumentar no mundo inteiro, conforme o poder e orientação desse mesmo Espírito Santo que os capacitou.

Proposição 3: Não há manifestação de línguas estranhas em Atos 2.

A manifestação do Espírito Santo no surgimento da Igreja é caracterizada pela xenolalia, isto é, o falar em outros idiomas e dialetos. Nessa ocasião, o Espírito Santo capacitou os discípulos para falar línguas das quais os não tinham conhecimento prévio. Foi dado a eles o idioma e as palavras apropriadas, conforme o Espírito concedia que falassem. Como se cada apóstolo falasse para um grupo ou a indivíduos específicos. Além disso, o discurso geral à multidão veio com Pedro, que explicou que aquela manifestação do Espírito Santo era o cumprimento da profecia de Joel 2:28.

Proposição 4: O dia de Pentecostes refere-se a uma festa celebrada anualmente pelos judeus.

A palavra pentecoste deriva do grego πεντηκοστή e significa quinquagésimo dia, relativo a segunda das três grandes festas judaicas, celebrada anualmente em Jerusalém 50 dias após a Páscoa, como um ato de reconhecimento e gratidão pelas colheitas. No Antigo Testamento essa festividade se chamava Festa das Semanas e foi instituída em Êxodo 23:14–17 e 34:18–23, também citada em Levítico 23:10 e relembrada em Deuteronômio 16:10. O texto de Êxodo define as três grandes festas no calendário judaico: a principal é a Páscoa, celebrada junto à festa dos Ázimos ou Asmos, pães sem fermento. A segunda é a Festa das Semanas que, a partir do domínio grego, recebeu o nome de Pentecostes, e por fim a festa dos Tabernáculos ou Cabanas, que relembrava o tempo em que os israelitas viviam em tendas no deserto. A festa de Pentecostes inclui a festa das Primícias e a festa das Semanas. Nas Primícias, no primeiro sábado após as primeiras colheitas, traziam os primeiros frutos e feixes. Após 50 dias celebravam a festa das Semanas (ou Pentecostes), quando se traziam pães e se faziam ofertas de comunhão em comemoração das colheitas.

Proposição 5: O dia de Pentecostes também relaciona-se com a entrega da Lei.

Ao longo dos anos o dia de pentecostes ou Festa das Semanas também começou a ser celebrado como a entrega da Lei no Monte Sinai. Isso aconteceu porque o texto de Êxodo 19:1 vai afirmar que no dia em que se completaram três meses que os israelitas saíram do Egito, eles chegaram ao deserto do Sinai. O terceiro mês após a saída do Egito é o mês de Sivã, o mês em que se celebra o Pentecostes (Levítico 23:10). Contudo, este mês também é chamado de שבועות, isto é, Shavout, do hebraico “semanas”. Por isso, os judeus deduziram que o Senhor entregou a Lei no mês de Shavout. Logo, a tradição judaica instituiu o mês de Sivã como a entrega da Lei e o dia de Pentecostes, também chamado de Festa das Semanas, passou a ser celebrado também como o dia da entrega da Lei no Monte Sinai.

Proposição 6: No Antigo Testamento o dia de Pentecostes relaciona-se com o recebimento da Lei. No Novo Testamento relaciona-se com o recebimento do Espírito Santo.

A manifestação do Espírito Santo em Atos 2 marca o surgimento da Igreja. Aqui, judeus vindos de todas as partes do mundo estavam reunidos em Jerusalém para celebrar o dia de Pentecostes. Além de judeus, essa festa atraia povos de várias nações que iam para Jerusalém no dia de Pentecostes. A Bíblia vai narrar que no meio dessa celebração o Espírito Santo manifestou-se aos que estavam reunidos e todos começaram a falar em outras línguas, cheios do Espírito Santo.

Proposição 7: Os sinais do vento e do fogo em Atos 2:2–3 são uma tipologia das caraterísticas da manifestação divina.

Atos 2:2 vai afirmar que veio do céu um som como de um vento impetuoso, que encheu toda a casa. Esse sinal é apenas introdutório para o virá acontecer, atraindo a atenção de todos. Contudo, o vento e o fogo também enfatizam a grandeza da ocasião e são evidências audíveis e visíveis da presença do Espírito Santo. O vento significa que o Espírito está com os discípulos. O fogo, é a manifestação da glória de Deus, acrescentando esplendor à ocasião. Além disso, o fogo representava a presença do próprio Deus. Logo, os sinais do vento e do fogo são uma tipologia, isto é, uma representação, da manifestação divina.

Proposição 8: O batismo no Espírito Santo é evidenciado pelo falar em línguas ou profetizar.

Por muito tempo o batismo no Espírito Santo foi caracterizado apenas pela evidência do falar em línguas. No entanto, essa experiência também é evidenciada pelo profetizar, isto é, pela proclamação do Evangelho em uma forma real e intensa, com coragem e ousadia. Visto que o batismo no Espírito Santo é um revestimento de poder para proclamação do Evangelho, o profetizar configura-se como uma de suas evidências.

Capítulo IV: Sobre o falar em línguas

Esse capítulo vai tratar sobre o dom de línguas em uma perspectiva pentecostal, abordando tanto o falar em outros idiomas e dialetos, como o falar em línguas estranhas. Além disso, apresentará a correlação e continuidade do Antigo para o Novo Testamento sobre o falar em línguas e o profetizar.

Proposição 1: O batismo no Espírito Santo é evidenciado pelo falar em línguas ou profetizar.

Da mesma forma que o profetizar constituiu-se evidência do batismo no Espírito Santo, o falar em línguas também. Por muito tempo, essa característica foi tomada como a única evidência do batismo no Espírito Santo, talvez por ser mais visível que o profetizar. Contudo, é uma das. O falar em línguas é uma capacitação do Espírito Santo para proclamação do Evangelho, ao ser capaz de falar em outros idiomas e dialetos desconhecidos, ou falar em línguas estranhas, para sua própria edificação, constituindo uma das evidências do batismo no Espírito Santo.

Proposição 2: O ato de falar em outras línguas constitui-se de um dom, e não deve ser tomado como o maior deles ou motivo de menosprezo àqueles que não o possuem.

Em 1Coríntios 12:1–11 Paulo apresenta a lista de dons de manifestação, isto é, aqueles que são dados pelo Espírito Santo e que se manifestam em cada um para que sirvam a Deus e a Igreja de acordo com as suas necessidades. É nessa lista de dons que o falar em outras línguas aparece, bem como o profetizar e a interpretação das línguas. Paulo deixa claro que não há um dom maior que o outro, no mesmo tempo que exorta a buscar com zelos os melhores dons, isto é, aqueles que serão úteis nesse momento para edificação do Corpo de Cristo. Isso quer dizer que todos os dons provêm de um mesmo Deus e devem ser usados para o mesmo propósito. Logo, a manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil, da mesma maneira que há diversidade de dons, mas um mesmo Espírito que opera tudo em todos para glorificar a Cristo e edificar a Igreja.

Proposição 3: Existem várias evidências do falar em línguas no Novo Testamento e nenhuma delas proíbe a prática.

Muitos cristãos não acreditam na evidência do falar em línguas pelos relatos dessa manifestação serem supostamente inexistentes ou experimentada muito raramente por poucas pessoas. Contudo, uma análise cuidadosa dos textos bíblicos deixa claro que os autores inspirados pelo Espírito Santo registram várias manifestações do falar em línguas, bem como a história do cristianismo após o movimento pentecostal evidencia consideráveis vezes essa prática. Paulo cita o dom de falar em línguas em 1Coríntios ao longo dos capítulos 12 a 14 e o livro de Atos cita diretamente a prática em três momentos: nos capítulos 2:1–13, 10:46 e 19:6. Além disso, Jesus Cristo também fala sobre essa prática em Marcos 16:17, como uma promessa aos cristãos.

Proposição 4: As passagens bíblicas que descrevem o falar em línguas referem-se a novos dialetos e idiomas e também a falas ininteligíveis inspiradas pelo Espírito Santo.

As referências bíblicas que descrevem o falar em línguas no Novo Testamento não se referem apenas ao falar em outros idiomas e dialetos, o que é chamado de xenolalia, mas também ao falar em línguas estranhas, pela inspiração do Espírito Santo, isto é, a glossolalia. Nos capítulos 12 a 14 da primeira carta aos Coríntios Paulo vai falar sobre o dom de línguas e usa a expressão λαλέω γλῶσσα para designar falas ininteligíveis inspiradas pelo Espírito. De fato, esse dom de línguas se refere a falas ininteligíveis em vez de línguas existentes desconhecidas previamente. Isso é confirmado pelo fato de que Paulo declara explicitamente a necessidade de interpretação dessas línguas para que sejam entendidas (1Coríntios 12:10,30; 14:6–19, 28). Essa interpretação não provém de alguém com conhecimento prévio neste idioma, mas só pode ser interpretada por quem tiver o dom de interpretação de línguas (1Coríntios 12:10). Logo, não se trata de um idioma ou dialeto humano conhecido, mas sim de falas ininteligíveis inspiradas pelo Espírito Santo.

Proposição 5: A expressão usada por Lucas em Atos 10:46 e 19:6 é a mesma usada por Paulo em 1Coríntios 12–14.

Em Atos 10:46 e 19:6 Lucas utiliza a expressão λαλέω γλῶσσα para designar falar inspiradas pelo Espírito, a mesma expressão que Paulo vai utilizar em sua carta à igreja de Corinto. Ambos os textos de Atos 10:46; 19:6 e 1Coríntios 12–14 associam o falar em línguas com a inspiração do Espírito Santo e utilizam o mesmo vocábulo λαλέω γλῶσσα para descrever o falar em línguas. Além disso, ambos os textos narram um discurso inspirado associado com adoração e pronunciamentos proféticos.

Proposição 6: Lucas utiliza duas expressões ao longo do capítulo 2 de Atos para se referir ao falar em línguas.

A primeira ocorrência do falar em línguas é encontrada em Atos 2:3 onde Lucas usa o termo γλῶσσα para se referir à visão das línguas de fogo que aparecem, se separam e repousam sobre cada um dos discípulos presentes. Depois, em Atos 2:4 vai afirmar que aqueles presentes foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas conforme o Espírito os capacitava, usando o mesmo termo γλῶσσα para se referir a essas línguas. Contudo, em Atos 2:6, Lucas vai usar o termo διάλεκτος para afirmar que cada um os ouvia falar em sua própria língua ou dialeto. Da mesma maneira Lucas usa o mesmo διάλεκτος no versículo 8 e γλῶσσα no versículo 11. Dessa forma, Lucas usa o γλῶσσα em Atos 2:11 para se referir às várias línguas humanas daqueles presentes na multidão. Nesse capítulo, os discípulos são capacitados pelo Espírito Santo a falar em idiomas desconhecidos. Embora haja o uso de dois termos diferentes no capítulo 2 de Atos e o termo γλῶσσα é usado em Atos 10:46 e 19:6 também, esses textos se referem à atividades diferentes: xenolalia em Atos 2:1–13 e glossolalia em Atos 10:46 e 19:6. Em Atos 2 Lucas estabelece um modelo e uma ligação direta da manifestação do Espírito Santo com o cumprimento da promessa de Jesus, da mesma maneira que relaciona a manifestação do Espírito Santo em Atos 2 com o falar em línguas em outras partes do livro de Atos.

Proposição 7: Lucas estabelece Atos 2 como um modelo o qual o falar em línguas é um tipo de profecia.

Lucas vê o falar em línguas como um tipo especial de discurso profético, ou seja, um tipo de profecia. Falar em línguas está associado com profecias em cada uma das três passagens que Lucas narra esse fenômeno no livro de Atos: 2:1–13, 10:46, 19:6. Em Atos 2:17–18 o falar em línguas é descrito por Pedro como o cumprimento da profecia de Joel, que nos últimos dias todo o povo de Deus profetizará (Joel 2:28). Dessa forma, durante o sermão de Pedro a Cornélio e sua família em Atos 10:42–48, o Espírito Santo veio sobre todos os que ouviam a mensagem e os amigos de Pedro ficaram espantados com o dom do Espírito Santo que tinha sido derramado sobre os gentios, que falavam em outras línguas e louvavam a Deus. Da mesma maneira que em Atos 19:6 quando Paulo colocou as mãos sobre os discípulos em Éfeso o Espírito Santo veio sobre eles e eles falaram em línguas e profetizaram. Portanto, Atos 2 é o cumprimento da promessa de Joel 2:28 e a vinda do consolador prometido por Cristo em Atos 1:8, o modelo ao qual deve-se seguir, relacionando o falar em línguas com essa promessa.

Proposição 8: Não há nenhuma evidência direta do falar em línguas no Antigo Testamento, contudo, alguns teólogos relacionam Números 11:24–30 com este fenômeno.

O texto de Números 11 vai afirmar que Moisés reuniu 70 autoridades dentre o povo israelita, e os colocou em volta da Tenda. Nesse momento, o Senhor desceu sobre eles e colocou o mesmo Espírito que estava sobre Moisés nas 70 autoridades e elas começaram a profetizar. Moisés não os proibiu de falar, pelo contrário, desejava que todo o povo israelita pudesse profetizar e que o Espírito ficasse continuamente sobre eles. Após isso, o Senhor retirou o seu Espírito do meio deles e nunca mais tornaram a profetizar. Muitos teólogos afirmam que esse texto trata-se do falar em línguas estranhas como uma forma especial de discurso profético, da mesma forma que Lucas afirma no livro de Atos. Logo, embora não haja nenhuma referência direta ao falar em línguas no Antigo Testamento, tem-se o texto de Números 11:24–30 como um provável episódio dessa manifestação do Espírito Santo.

Proposição 9: Lucas estabelece Jesus Cristo como modelo de profeta e parece relacionar alguns discursos proféticos de Cristo com o falar em línguas.

Lucas não vê o falar em línguas apenas como um tipo especial de discurso profético que tem papel contínuo na vida da Igreja de Cristo, há indicações de que ele vê o falar em línguas presente na vida do próprio Jesus. Lucas 10:21 vai afirmar que “naquele momento, Jesus, cheio de alegria pelo Espírito Santo, disse: Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra”. O contexto desse texto é uma referência direta ao texto de Números 11:24–30, no qual as 70 autoridades israelitas profetizam quando o Senhor coloca o seu Espírito sobre elas. Em Lucas 10, Jesus envia 70 discípulos para evangelizar as cidades dali. Ao voltarem, afirmam com êxito que até os demônios se submetem ao Nome de Jesus Cristo. Jesus afirma que toda autoridade pertence a Ele e foi dada aos discípulos. Além disso, que eles possam se alegrar não porque os espíritos se submetem a eles, mas porque seus nomes estavam escritos nos céus. Diante de uma verdade poderosa como essa Jesus se alegrou de maneira exuberante no Espírito e louvou a Deus. A essa fala de Cristo, Lucas parece associar ao mesmo discurso profético por meio do falar em línguas presente no livro de Atos.

Proposição 10: O falar em línguas e profetizar não estão restritos ao período apostólico apenas, mas possuem um papel contínuo na vida da Igreja de Cristo.

O falar em línguas era conhecido e amplamente praticado na igreja primitiva desde o seu nascimento. Dessa forma, as referências de Lucas ao falar em línguas com os termos λαλέω γλῶσσα em Atos 2:4, 10:46 e 19:6 para designar falar inspiradas pelo Espírito Santo não podem ser menosprezadas. Lucas estabelece Atos 2 como um modelo o qual o falar em línguas é um tipo especial de discurso profético. Logo, como uma manifestação especial de profecia, associada nessas três passagens, Lucas indica que o falar em línguas tem um papel contínuo a desempenhar na vida da Igreja de Cristo. Isso é evidenciado pela relação direta de Atos 2 com a profecia de Joel 2:28, relacionando o falar em línguas como um sinal dos últimos dias (Atos 2:17–21), da ressurreição e senhorio de Cristo (Atos 2:33–36) e como um sinal visível do recebimento do Espírito Santo (Atos 10:44–48; 19:6–7). Portanto, o falar em línguas não está restrito a um período apenas, mas continuará como uma das características da Igreja de Cristo até a volta de Jesus (cf Atos 2:17–21).

Referências

Todos os textos bíblicos seguem a NVI. In: Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamentos. Nova Versão Internacional (NVI). Tradução de Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2001.

Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora (NVT). Tradução de NLT Study Bible. São Paulo: Mundo Cristão, 2016

Seminário Evangélico Avivamento Bíblico, Curso de Capacitação Ministerial, São Paulo, 2021.

Seminário Evangélico Avivamento Bíblico, Curso de Formação Teológica, São Paulo, 2023.

Igreja Evangélica Avivamento Bíblico, Manual de Doutrinas, São Paulo: Publicações Avivamento, 2018.

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