Coisas que eu gostaria de ter dito à mim mesmo quando terminei o meu namoro

Matheus Serafim
8 min readOct 13, 2016

--

Antes de digitar as primeiras palavras de qualquer texto, eu faço um pequeno “ritual”: encho uma caneca com café fresquinho e faço um prato com uma variedade de comidinhas aleatórias que foram desprezadas anteriormente no café da manhã. Mas, só dessa vez, sentado em frente ao notebook, com o ritual feito e o título desse texto já digitado, me peguei olhando pra composição a minha frente por alguns minutos, em silêncio, reflexivo…

“Eu nem acredito que estou finalmente escrevendo isso aqui”, pensei.

Foto ‘A World Alone’, de Neville Caulfield

Meus amigos costumam dizer que, se os fatos da minha vida fossem redigidos e agrupados, poderiam facilmente gerar uma fanfic. Isso se deve ao número de coincidências deliciosamente desagradáveis, perturbadoras e engraçadas que insistem em acontecer na minha vida num período muito curto de tempo entre si.

Como nessa noite específica em que eu estava pegando uma carona com o meu ex… pra ir à um evento onde eu encontraria o meu namorado da época… e terminaria o namoro.

O tal evento ia acontecer na empresa desse meu namorado. Eu sabia que ele ia estar lá. E apesar dele ter passado o dia me esnobando no whatsapp, eu o conhecia o suficiente pra saber que ele seria educado pessoalmente e conversaria comigo por uns minutos se eu assim pedisse. Quando o evento acabou e quase todo mundo tinha ido embora, encontrei ele sentado numa mesa, no canto do salão, sozinho com seu copo de Coca… quase como quem pede pra ser encurralado. Fui até ele e pedi cinco minutos pra conversar (os quais ele cedeu, como eu já tinha previsto).

De uma forma assustadoramente civilizada, conversamos. Ele explicou os motivos pra achar que a gente não daria mais certo e… por fim, eu aceitei o fim do namoro. Eu o abracei e desejei à ele tudo de melhor. Em seguida, perguntei se ele não se importava de esperar o Uber comigo.

Fomos pro lado de fora do edifício e ele acendeu um cigarro. Passamos alguns minutos um do lado do outro dividindo o silêncio da madrugada, enquanto eu aproveitava aqueles últimos minutos da companhia dele do mesmo jeito que eu aproveitava o silêncio que se sucedia depois das nossas fodas. Vendo a tranquilidade no rosto dele, comentei: “você tá tão desencanado já… queria ser assim”. Ele suspirou, sem me olhar nos olhos, e respondeu: “o segredo é se foder muito na vida”. Embora magoado com o fato dele ter me superado tão rápido, não tirei a razão dele — ele já tinha vencido um câncer, era onze anos mais velho e mil vezes mais experiente.

Enquanto o Uber acelerava pra longe do Pavilhão (e consequentemente dele), senti um vazio se formando dentro de mim a cada quilômetro rodado. Mas não era um vazio qualquer; eu nunca tinha me sentido daquele jeito antes. Tanto por que eu o amei como eu nunca tinha amado ninguém antes, tanto por que eu sabia o que me esperava a seguir: eu estava prestes a fazer um funeral pra enterrar alguém que ainda estava vivo — e que era importante pra mim.

Os psicólogos tem um consenso de que, quando terminamos um namoro, passamos por um processo de despersonalização. Isso porque aquela pessoa que você convivia todos os dias, de repente, não está mais lá. E leva um tempo até você perceber que é inteiro sozinho. Eu sabia que esse ciclo de superação já tinha se iniciado, mas o pior de tudo pra mim naquela época era saber que eu era incapaz de visualizar o tempo que seria necessário para que aquele ciclo se completasse — sendo eu uma pessoa extremamente ansiosa e imediatista, que vive num mundo que te acostuma com a previsibilidade.

No início eu acreditei que, se eu fingisse que não me importava com o término, em algum momento eu acreditaria na mentira que eu mesmo criei e ela viraria a minha verdade. Passei uma semana comentando sobre como “superei” o término para os meus amigos, que pareciam pouco surpresos com a minha habilidade de tê-lo feito. “É porque você tem Vênus em Áries!”, eles diziam, “daqui a pouco cê já tá sarrando com outro, tenho certeza!”. Hoje em dia eu entendo porque todo mundo “comprou” aquela máscara social que eu estava vestindo: primeiro porque era mais fácil, e segundo porque ninguém gosta muito de falar sobre fracassos ou perdas.

Até que, numa dessas tardes em que eu estava sem aula, minha ex foi me ver na UnB. Enquanto eu fazia pra ela o mesmo discurso de superação que eu havia feito pra todo mundo, ela me olhava com aquele olharzinho cético, típico de leonina quando sabe que tem razão em algum assunto e está prestes a jogar a merda na sua cara. “E você acha que tá enganando quem com essa história?”, ela disse. E puff!, minha pequena e frágil bolha estourou.

Permiti que ela visse aquele meu lado que, até então, eu não tinha permitido que ninguém visse. Abri meu coração, chorei e contei como aquilo tudo tava sendo uma barra do caralho. No fundo, eu queria que ela se sentisse vingada (já que eu sabia que ela tinha ficado mal quando eu terminei o nosso namoro), mas ela só foi capaz de me oferecer o ombro, chorar junto e me aconselhar.

Nesse dia, ela compartilhou comigo uma das maiores lições que aprendi na vida: segundo ela, todas as pessoas que cruzamos e que acabam entrando nas nossas vidas não entram nelas por acaso; elas tem um papel importante a cumprir e uma lição a nos ensinar. Quando alguma pessoa sai das nossas vidas, seja por uma briga, um acidente ou simplesmente porque cada um acabou seguindo um caminho diferente, é porque nós já aprendemos tudo que tínhamos pra aprender com ela — assim como essa pessoa aprendeu tudo que tinha que aprender conosco — e chegou esse momento em que ambos precisavam se separar para conseguirem evoluir sozinhos. Mas conforme a minha conversa com ela se desdobrava e nós compartilhávamos nossas experiências e ideologias, fomos capazes de enxergar uma outra lição: “as vezes, a dor precisa ser sentida”.

Então, eu decidi que iria sentí-la.

Me permiti chorar e ficar na bad, matei mais aulas do que realmente me orgulho de ter matado e obriguei minhas amigas a ouvir a mesma história sobre término todos os dias que voltávamos pra casa com alguém diferente que não tinha ouvido sobre a minha sofrência antes.

Mas depois de algum tempo… eu parei de me lembrar só dos momentos bons que tive com ele e comecei a focar no que teria acontecido se eu tivesse insistido numa relação com um cara que se limitou a dizer que eu “tava fazendo drama” e que eu “precisava de porrada” num dia em que eu passei mal e fui parar no hospital. Tudo isso sem pedir desculpas depois pois ele “estava num dia ruim” e “eu sabia disso”.

A partir desse ponto, eu comecei a me perguntar se eu ia poder contar com uma pessoa que não se importou com o fato de eu estar no hospital só porque não fumava um baseado há três dias e estava estressado

Não sei exatamente quando se deu essa ruptura pois ela ocorreu muito naturalmente, mas depois de algum tempo voltei pro Tinder com a meta de conhecer aquelas pessoas extremamente entediadas que só entram no aplicativo uma vez por mês. Queria sair com pessoas que estivessem tão incrédulas com a possibilidade de achar alguém novo ali quanto eu estava incrédulo no amor. E consegui. Saí com várias pessoas incríveis, fiz muitos amigos, dei vários beijinhos na boca e, atualmente, tô saindo com um libriano que conheci lá que é a coisa mais fofa desse mundo.

Por fim, eu só percebi que o tal ciclo de superação se completou quando esse meu ex veio falar comigo no Facebook. Ele estava prestes a se mudar de volta pra São Paulo e “queria se despedir”. Ao me deparar com a sensação de vê-lo partir mais uma vez, não consegui sentir nada além de um enorme sentimento de gratidão — por todas as lições que ele me ensinou e me tornou apto a aprender — e carinho — por todos os momentos que ele me proporcionou.

Ele foi a primeira pessoa que fez com que eu me sentisse amado: desde o primeiro jantar romântico (no início do namoro), até o dia em que ele me fez tomar um banho, me enxugou e me fez um misto-quente quando cheguei na casa dele podre de cansado depois de um set em que passei 12 horas gravando (a última vez em que estive na casa dele). Foi por causa dele que finalmente me assumi bissexual pros meus pais (meu pai nos viu andando de mãos dadas no shopping, rs) e foi ele quem mais me motivou a procurar um crescimento espiritual e psicológico que me permitiram ser uma pessoa melhor hoje.

Hoje sinto orgulho de mim mesmo por conseguir olhar pra todas essas coisas e reconhecer que ele foi um ciclo que se iniciou e se encerrou, e que me ensinou lições que eu provavelmente não teria aprendido de outra maneira. E mesmo que o término tenha sido uma época bem chata da minha vida, isso não anula as coisas boas que aconteceram e as que vieram como consequência do término.

Sendo bem sincero, quando terminei o namoro com esse cara, pensei que jamais encontraria alguém pra amar de novo. Tinha medo de virar uma daquelas pessoas que se casa, tem filhos, mas no fundo sofre por uma pessoa que conheceu há muito tempo. Tinha medo de passar o resto da minha vida beijando alguém que eu amava, mas não amava tanto quanto amei ele. Tinha medo de ser o maior fracassado da história por ter deixado minha felicidade pra trás, fumando um cigarro — mas pior do que isso, tinha medo de ter depositado minha felicidade numa pessoa que me assistiu partir com uma serenidade ímpar.

Mas se tem algo que aprendi recentemente, é que não existe uma “metade da laranja” ou uma “alma gêmea”. Na verdade, existem várias pessoas com as quais podemos dar certo, e certamente vamos esbarrar com muitas delas no decorrer da nossa vida. Cabe a nós reconhecê-las e preservá-las — sempre cientes de que, como tudo na vida, ciclos se iniciam e eventualmente terminam; mesmo aqueles ciclos que duram muito, muito, muito tempo.

Pensando em todas as coisas que eu gostaria de dizer a mim mesmo naquela madrugada em que terminei meu namoro e achei que meu mundo tinha acabado, me surpreendi ao perceber que, naquele instante, eu tive a sorte de ouvir exatamente aquilo que eu precisava e que resume magnificamente bem tudo que eu diria a mim mesmo, se tivesse a oportunidade:

O segredo é se foder muito na vida.

--

--

Matheus Serafim

mais ambíguo que borracha lápis-caneta. o tipo de pessoa que mexe o drinque enquanto conversa.