Com razão, manifestantes afirmam o seu direito de protestar (Mauro Pimentel/Trombone)

Um desfile do absurdo

Como muita gente transformou o protesto legítimo contra Dilma num exercício de esquizofrenia

Mauro Pimentel

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Não há nada de errado em protestar. É um direito garantido na Constituição Federal inclusive. Há inúmeros motivos para se protestar hoje em dia no Brasil. A corrupção em todas as esferas — desde o fura-fila até o político que recebe propina para viabilizar uma licitação — é um câncer nacional e um motivo justo para ir às ruas reclamar. Pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff também é válido, concorde eu com isso ou não. Afinal, ela era a presidente do conselho da Petrobras durante boa parte do esquema de corrupção da Operação Lava Jato. Numa empresa normal, o ocupante de tal posto poderia ser deposto e responder processo civil dos acionistas da empresa. Mas nada disso dá motivo à esquizofrenia. E muita gente abusou dela durante os protestos do último domingo (16/8) no Rio de Janeiro e em todo o Brasil.

Aqui vai uma lista do que vimos de absurdo nas ruas de Copacabana durante o protesto. A gente acha que não precisa de muita explicação, mas a gente até explica mais, se você discordar da gente e insistir.

1. Pedidos de intervenção militar

Um pessoal quer a volta dos militares ao poder. Sério. Décadas de luta foram necessárias para acabarmos com o regime que torturou, matou e endividou o país. Fizemos a transição para uma democracia — onde o povo tem direito a dar sua opinião e votar nos governantes. Agora vem um povo pedir que seus direitos políticos voltem a ser limitados. Como é que é?

Manifestante pede intervenção militar durante protesto na praia de Copacabana (Mauro Pimentel/Trombone)

2. Partidários do regime militar cantam músicas compostas contra a ditadura

Escutamos música do Cazuza vinda de um grupo que pedia intervenção militar. A mesma galera tocou Geraldo Vandré e quanto perceberam que a música era contra a ditadura abaixaram o som. Isso foi só depois de tocarem muitas vezes os seguintes versos: “Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição. De morrer pela pátria e viver sem razão.” Oi?

3. A perseguição à imprensa (inclusive a Globo)

A esquerda já questiona a Rede Globo há tempos. É fato que a empresa ficou ao lado da ditadura e se beneficiou dela para se tornar o maior império midiático do país. OK. De junho de 2013 para cá, o ódio à emissora dos Marinho só cresceu e jornalistas da empresa foram impedidos de acompanhar manifestações. A novidade é que a direita também não morre de amores pela Globo. Durante o protesto em Copacabana, seguidas vezes ouvimos o coro "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Talvez por que o vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho, tenha pedido calma a políticos do país com receio de que um impeachment possa agravar a crise econômica do país. Enfim, o que não pode é agredir jornalistas e impedi-los de trabalhar — o que já virou rotina em manifestações. Imprensa livre é um dos pilares de um país democrático. Bom, os caras pedem intervenção militar… talvez aí exista certa coerência. O engraçado é que quem puxou boa parte do protesto foi o humorista Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta, programa que era veiculado pela… Globo.

O humorista Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta, puxando o coro do protesto

4. A mistura de religião com política

Para boa parte dos manifestantes, um dos grandes pecados de Dilma foi ter "retirado todos os símbolos religiosos do gabinete da presidência" quando assumiu o poder. Sim, teve gente dizendo que isso era uma prova cabal de que a presidente estava tentando implementar o comunismo. Para eles — que rezaram o pai nosso no ritmo do hino nacional diversas vezes — , a "laicidade é coisa dos vermelhos". Mamma mia! Não sei nem por onde começar a questionar essa aí…

5. A ONU é uma inimiga

Sobrou até pra ONU. Nada a ver com a dívida de quase R$ 1 bilhão que o país tem com a organização. O problema de parte dos manifestantes é o fato da ONU ser contra a desmilitarização da polícia. Têm uma tara por militar esses manifestantes, não?

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