Síndrome da impostora e direito de expressão

Mayara Bortolotto
4 min readSep 20, 2019

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Foto: Hello I’m Nick . Unsplash

Me vi bloqueada, e agora? Sobre o que vou escrever?

Minha sabotadora interna me apontou o dedo e disse:

- Eu sabia! Te avisei que não era uma boa ideia publicar seus textos. Por que os outros leriam o que você escreve? Como vai sustentar o interesse do leitor apenas com reflexões e pontos de vista seus? O que eles têm de especial?

É assim que me (re)descubro meu próprio carrasco. Meu maior crítico vive aqui dentro e me faz sentir insuficiente e tola muitas vezes ao dia. Para ele, não há espaço para falhas ou para algo que não seja excelente, original e incrível.

- Se for para fazer alguma coisa que não seja brilhante, nem comece.

- Vai dar errado.

- Não está pronto ainda.

- Você precisa de mais conhecimento, cursos, títulos, vivências, dinheiro, beleza, tempo para fazer isso.

E seguimos com a autossabotagem.

Tenho inúmeras ideias, esboço dezenas de textos, mas nenhum parece ser bom o bastante para ser publicado. Falta algo, releio e concluo que precisa de amadurecimento, por isso deixo guardado até que venha a coragem de enviar para alguns poucos amigos lerem e me indicarem correções a serem feitas (sim, sempre suponho que precisam de correção).

A síndrome da impostora me atinge em cheio e sei que não é um fenômeno que acontece apenas comigo. Pensamentos como: “não sei se sou boa o suficiente”, “acho que não sou capaz de fazer isso” e “não sei se deveria estar onde estou” são alguns exemplos do que se passa na cabeça de pessoas ao redor do mundo, não importa o quão bem-sucedidas possam ser.

Quando acometido por essa síndrome, o indivíduo tem sua autopercepção distorcida e se enxerga como uma pessoa menos qualificada para exercer um cargo ou função. Baixa autoestima e autocobrança excessiva contribuem para piorar o caso. Me identifico e percebo que a sensação de “preciso me esforçar ao máximo e ser excelente” anda junto comigo há muito tempo. Diversas vezes, quando alcanço um bom resultado, dou crédito ao meu esforço e não a minha capacidade.

A vida exposta em redes sociais não ajuda a melhorar esse quadro. Fragmentos editados da vida dos usuários, compartilhados todos os dias (cerca de 100 milhões somente no Instagram), reforçam a comparação entre nós e impactam nossa autoestima. Também contribuem com o aumento de casos de transtornos mentais como depressão e ansiedade, números alarmantes que colocam o Brasil nas primeiras posições do ranking mundial.

As redes sociais se tornaram rapidamente um lugar onde não há muito espaço para dificuldades, tristezas, vulnerabilidades ou fracassos. Um espaço que muitas vezes contribui para o meu sentimento de insuficiência e fraude.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”

Trecho do Poema em Linha Reta de Fernando Pessoa (um dos meus favoritos)

De acordo com uma matéria lida no El País, a Síndrome da Impostora acomete mais mulheres do que homens devido à sociedade patriarcal e a cultura. A doutora em Ciências Humanas e especialista em Gênero e Comunicação, Coral Herrera, diz que:

“Nossa cultura patriarcal nos ensina que as habilidades femininas não têm tanta importância como as masculinas, por isso há trabalhos de cuidadora, com crianças e serviços domésticos que não são pagos, nem têm valor social, embora sejam imprescindíveis para a sobrevivência”. E complementa: “a síndrome da impostora tem muito a ver com essa ideia de que os homens fazem tudo melhor. Há estudos que explicam que as meninas, a partir dos 5 e 6 anos, já têm a sensação de pertencer a um grupo inferior. Para elas as mulheres podem fazer coisas boas, mas são os homens que se destacam”.

Nos momentos em que a voz da inquisidora interna me assola, procuro parar e olhar para mim mesma. “Quem aqui dentro está dizendo aquelas coisas horríveis?” Respiro fundo e digo: “está tudo bem, esse é o melhor que posso fazer com os recursos que tenho. Tenho o direito de me expressar nesse mundo”, quase um mantra em momentos de crise. Outra atitude que me mantém mentalmente sã é escolher o que ver e ler nas redes sociais, na internet e na televisão (cada vez menos utilizada por mim). Escolhendo o que entra através dos meus sentidos, consigo filtrar os estímulos negativos, a ideia não é se isolar do mundo real, mas na medida do possível, sofrer menos.

As opiniões e o apoio das pessoas que amo e admiro também me ajudam a continuar escrevendo. Há algum tempo, fiz uma breve pesquisa com alguns amigos e pessoas com quem trabalhei, entre os pontos a melhorar citados estavam: “mostre mais seu trabalho”, “exponha suas criações”, “confie no seu potencial”, “se coloque em evidência, assuma o protagonismo”. Foi essa série de feedbacks que me encorajou a tirar esse projeto antigo do papel.

Por fim, entender que minha autopercepção é diferente do modo como as pessoas veem a mim e meu trabalho, ajudam a me exigir menos e me deixam mais confiante para expressar minha vulnerabilidade através da escrita. Além disso, tento me levar menos a sério e recordar que nessa sociedade veloz e em constante transformação, nem os erros e nem os acertos duram muito tempo.

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Mayara Bortolotto

Multipotencial, apaixonada por artes e por aprender e ensinar. Escrevo sobre comportamento, emoções, educação, descobertas e feminino.