Columbiners: como o massacre de Columbine criou uma subcultura de interesse e inspiração

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Por Giovanna Simonetti

Este texto faz parte da série de reportagens sobre os impactos do massacre de Columbine na sociedade mundial. Para ler os outros textos, clique aqui.

Fan art de Eric Harris e Dylan Klebold feita por columbiners. Foto: Tumblr

A tragédia de Columbine não apenas deixou mortos e feridos, mas também interessados. Aqueles curiosos por detalhes do crime, que buscam saber mais sobre a vida dos atiradores, e até mesmo glorificam suas ações, são chamados de columbiners. Alguns somente são obcecados com detalhes da criminologia. Outros são apaixonados por Eric Harris e Dylan Klebold, os responsáveis por matar 13 pessoas na escola secundária de Columbine, nos Estados Unidos. É uma linha tênue entre interesse e admiração.

Essa subcultura surgiu logo após o acontecimento, em 1999, e é popular até hoje na internet. Milhares de blogs e Tumblrs são dedicados ao evento, aos autores e às vítimas. A hashtag #columbiners é uma das ferramentas de encontro da comunidade global de interessados. Encontra-se de tudo: cronologias do ataques, imagens das câmeras de segurança da escola, declarações de amor, desenhos dos atiradores e até produtos. No Mercado Livre, é possível comprar muito facilmente roupas parecidas com a dos atiradores e até mesmo camisetas com frases como “Meninos Suicidas”, “Seleção Natural” e “FTP” (foda-se a população, em inglês).

Exemplo de camiseta inspirada pelos assassinos de Columbine vendida no Mercado Livre

Em entrevista para a Vice, algumas autoras de Tumblrs explicaram suas motivações. Uma delas é obcecada por assassinos e serial killers, enquanto outra afirma querer saber mais sobre a natureza humana e a morte. Como ponto comum, percebem a quantidade massiva de posts sobre suicídio e automutilação. Elas ressaltam: existem as pessoas apenas interessadas no crime como também aqueles que querem copiá-los — tanto fisicamente, com as mesmas roupas e acessórios, quanto às ações. Porém, de dentro da comunidade, é difícil identificar as pessoas realmente más intencionadas ou as que realmente podem concretizar alguns pensamentos.

Outra menina diz que seu interesse veio da identificação com os problemas pelos quais Dylan estava passando. Eric e Dylan eram jovens, com 18 e 17 anos respectivamente, que sofriam com o bullying, com a solidão e a depressão. A maioria dos columbiners são jovens da mesma idade, que reconhecem-se com os mesmos problemas que os atiradores passaram e, por isso, reúnem-se nas redes sociais para buscar ajuda.

A empatia pelos problemas mentais e as dificuldades sofridas pelos dois é o sentimento mais recorrente da comunidade. Para além do fascínio mórbido pela vida dos responsáveis, existe a identificação. A partir dos diários e dos vídeos caseiros de Dylan, por exemplo, o público percebe a dor por trás da violência e, por passarem por experiências similares (como o bullying e a depressão), alguns columbiners afirmam sentir uma conexão.

Para além da empatia, existe também o romance. Dentro da comunidade de fãs, existem aquelas apaixonadas — ou realmente obcecadas — por Eric e Dylan, como descrito na Broadly. Eric era descolado, rebelde e charmoso. Dylan era depressivo e solitário. O primeiro era o badboy que atraía as meninas. O segundo era o exemplo de menino com problemas mentais que as meninas identificam-se. As narrativas foram criadas: fanfics — histórias criadas por fãs — até hoje são divulgadas nas redes sociais e envolvem cenas de romance, erotização e sensualidade. Elogios físicos são comuns, assim como desenhos e apelidos carinhosos. Encontros românticos são constantemente imaginados. “Quero beijar Eric. Também quero beijar o Dylan”, escreve alguém em seu blog. Outra adiciona, em uma declaração idealizada: “Às vezes eu tenho esse amor pelo Dylan, que quase toda vez que eu penso nele, eu sinto borboletas no estômago”.

A razão dessa atração é plural. A obsessão erótica pode ser relacionada com uma espécie de fantasia de violência: a atração por pessoas que já cometeram crimes ou a admiração pela coragem de realizar algo que elas até gostariam, mas não conseguiriam. Por sua vez, a idealização mais romanesca e fantasiosa vem, principalmente, do sentimento de empatia. Essas meninas gostariam de ajudar e confortar Eric e Dylan. “Vocês também gostariam de poder voltar para 1999, achar Dylan Klebold e o dar um abraço? Ou dizer o quanto ele é precioso e lindo ele é?”, alguém comenta.

Apesar da curiosidade, a grande parte dos columbiners são inofensivos, quase sempre apenas jovens buscando ajuda e amizades na internet. Porém, não é sempre assim que a mídia os trata. Na realidade, os meios de comunicação arquitetaram uma narrativa de vilania e obsessão. Pela grande repercussão do caso e o tamanho de sua brutalidade, a mídia constrói a ideia de que essas pessoas estariam de acordo com os atos violentos de Eric e Dylan, ou que todas estariam a ponto de reproduzi-los. Os columbiners insistem: “Não somos loucos ou futuros assassinos”. Como dito, muitos são jovens que lidam com sérios problemas de saúde mental e procuram nestes sites uma maneira de auxílio ou desabafo.

Influências para novos crimes

Muitos columbiners tem uma visão idealizada de Eric e Dylan, vendo-os como heróis e aqueles que conseguiram tomar uma atitude frente ao bullying e aos problemas que sofriam. Alguns os admiram e até mesmo querem copiá-los. Buscam referências culturais e estilísticas parecidas com as deles, como roupas, acessórios, gestos e, nos extremos dos casos, ações. Os sobretudos pretos e os óculos escuros que usaram no dia do tiroteio transformarem-se em representações icônicas do massacre, sendo um dos pontos mais imitados por seus fãs.

Imagem da câmera de segurança mostram Eric e Dylan. Columbiners usam essas imagens como inspiração, principalmente de vestimentas

Dois adolescentes no Connecticut, por exemplo, fantasiaram-se com essas roupas para o Halloween, em 2015. Ao personificar os atiradores, começaram a ameaçar alunos de sua escola. Por fim, foram suspensos, acusados de ameaça à violência e de quebra da paz, e levados para um centro de detenção juvenil.

O tamanho de informações detalhadas do crime também contribuem na construção de fantasias. Particularidades do tiroteio, como o descrição passo a passo da ação de Eric e Dylan, foram divulgadas irresponsavelmente pela mídia. Na internet, trechos do diário e alguns vídeos de Dylan são facilmente encontrados e auxiliam na “imitação” de seus trejeitos. É fácil internalizar seus pensamentos e sentimentos a partir desses elementos visuais. Portanto, não podemos isentar a imprensa e a internet por colaborem com a popularização deste culto descomedido.

James Gamble era um columbiner. Dono de um Tumblr totalmente dedicado ao Eric e Dylan, quem o conhecia não diria que seria capaz de cometer um “verdadeiro crime”. Porém, a polícia alega que James seria um dos idealizadores de um tiroteio frustrado em um shopping no Canadá. Ele se suicidou. Mas virou exemplo concreto de como essa subcultura pode ser nociva.

E as influências não concentram-se apenas na América do Norte. Na Rússia, alguns ataques em escolas foram inspirados por sites dedicados ao massacre de Columbine. Os responsáveis realizaram seus atos vestindo camisetas que mostravam o grupo de rock KMFDM, assim como a usada por Eric e Dylan. Até mesmo no Brasil, o atirador de uma escola em Goiânia disse que seu “interesse em matar” foi despertado pelas tragédias de Columbine e Realengo.

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