O livro dos cachimbos

CONVOCATÓRIA EM FOCO
4 min readJun 14, 2023

Ensaio Pré-selecionado de Léo Chaves

O LIVRO DOS CACHIMBOS: UMA CARTOGRAFIA DA CRACOLÂNDIA PAULISTA.

Tenho uma coleção de cachimbos de crack e de estórias. Tenho cachimbo bolinha, cachimbo fogãozinho. Há em casa cachimbo feito com peça de placa eletrônica e aqueles produzidos com antena de carro.

Hoje estou limpo. São quase 15 anos sem usar drogas e o tempo tratou de apaziguar a falta que faz meu grande amor-assassino.

Ano passado as drogas voltaram a fazer parte de meu cotidiano com a mudança de estratégia da secretaria de segurança. Eu não tive uma recaída, calma! Mas um grande número de usuários de drogas (também conhecidos por “nóias”), vieram aqui para minha rua, no coração de São Paulo. A operação Caronte, o barqueiro da morte na mitologia antiga, levou à todos na região aonde habito um pouco de drogas lícitas e ilícitas; com ela vieram os cheiros, os barulhos, as dores.

Nasceu assim, na elaboração do que vivia, a ideia de me aprofundar em uma pesquisa sobre a experiência de viver junto à cracolândia paulistana.

Diante desse fato precisei me organizar para conseguir seguir adiante. A morada festa have pago de abrigo ali quedou, avizinhou-se de minha varanda, mas havia a criança para levar à escola, o trabalho que paga as contas, a faculdade, o esporte a praticar; havia a vida que não me permitia parar.

Tive uma professora de psicopatologia que disse em uma conversa que o crack era a droga dos miseráveis e ali, diante de meus olhos, eu os sentia inteiros: o fluxo (nome dado aos locais aonde se estabelece uma cracolândia) tem cheiro e cor. Ao longo dos meses fui buscando compreender quem eram aquelas pessoas que distantes pareciam tão feias e perigosas, mas ali, na minha portaria, me saldavam com bons dias e boas noites. Vi que são quase todos pretos ou pardos, usam roupas puídas e cobertores; eles dão risadas, ouvem muita música e gritam e dormem no chão imundo, brigam, comem e fazem sexo, tudo ali, a céu aberto, com o testemunho das estrelas.

Há uma estimativa de que 90% da população mundial não tem problemas com drogas, estariam pois, aptas ao uso regular de substâncias, de qualquer substância que altere o humor, do álcool à heroína. Contudo, no grupo de moradores de rua, em especial aqueles que estão no fluxo, ouvimos histórias de quem perde o controle, de pessoas que flertam com a morte. Segundo Paulo Dalgalarrondo o “abuso” de drogas ocorre quando há um uso de uma substância psicoativa que é lesivo ou excessivo” e meus vizinhos espelham essa condição. Seus corpos estão marcados pelo abuso de álcool e drogas.

Gostaria muito de fazer parte do Festival, mostrar meu olhar diante dos objetos simbólicos que atravessam a cracolândia. Os cachimbos são cachimbos, mas muito mais se pode ver diante deles; os vestígios desse drama-urbano contemporâneo para são índices do corpo-cidade, mergulhada no desejo irrefreável de flertar com o abismo. O Livro dos Cachimbos é uma ponte que ergui para buscar aliar meu trabalho de psicólogo clínico com dependentes químicos com minha história pessoal.

Exposição Convocatória em Foco na Quadra da Matriz, é uma das atrações do Festival. Venha conferir e participar inscrevendo seus trabalhos.

A Convocatória em Foco 2023 está com inscrições abertas até 13 de agosto e o resultado será apresentado no dia 03 de setembro. Agradecemos mais uma vez a participação de todos e confiança no trabalho do Paraty em Foco e sua Equipe. Participe, não deixe para a última hora. Você poderá ser um dos protagonistas desta edição da maioridade do Festival. Confira o regulamento: https://www.pefparatyemfoco.com.br/regulamento-convocatoria-pef2023

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CONVOCATÓRIA EM FOCO

Convocatória PEF, continua sendo, uma vitrine aberta para profissionais consagrados ou talentos emergentes.