Paisagem Interior

CONVOCATÓRIA EM FOCO
4 min readJul 20, 2022

Ensaio Pré-selecionado de Gizele Lima

No mundo contemporâneo, onde prevalece o imediatismo e o efêmero, já paramos para nos perguntar o que fica de nós?

O que podemos deixar? Será que é possível registrar pensamentos, ideias, percepções e emoções?

O mundo está cada vez mais automático e buscar a consciência de nossas ações, através do entendimento da maneira que ocupamos nosso lugar no mundo e da forma como o percebemos pode ser uma grande ferramenta capaz de nos levar a deixar um rastro de nossa existência na Terra.

Por muito tempo, muitos artistas têm demonstrado os meios adotados pela arte, desde o fim do século XIX até hoje, signos, imagens, histórias, vestígios, como modo de transmissão do seu lado mais pessoal e íntimo, com o objetivo de criar um canal de comunicação com o mundo exterior.

Todo esse caminho tem sido útil para a construção de si, através da autoanálise.

Retratar a nós mesmos é uma das coisas mais instintivas e ao mesmo tempo, mais difíceis e delicadas de se fazer. Pois, para isso, precisamos tomar consciência de nós e de nossos corpos, além de nos expor ao outro, ao expectador, deixando de lado barreiras e filtros.

As perguntas como: Quem sou? Como me vejo? O que faço? Implicaram em uma cisão entre o sentido subjetivo (como me via como indivíduo) e o sentimento de como sou vista (objetivamente falando). Na verdade, isso pressupõe a existência de duas entidades distintas respondendo ao mesmo nome e, aparentemente, pertencentes à mesma identidade.

Mas será que a fotografia consegue traduzir o que é tantas vezes subtraído às nossas vistas? Será que ela é capaz de comunicar o que é intangível, sensível, perceptível, invisível?

Paisagem Interior é uma série de fotografias que vem sendo desenvolvida desde 2021 e ainda está em andamento.

As imagens que originaram esta série foram retiradas do acervo fotográfico pessoal, onde, inicialmente não tinham relação entre si, e construídas através de colagem manual.

Esta série se concentra no resgate da minha identidade e de meus reconhecimentos, dilacerados após um episódio cirúrgico que restringiu minha mobilidade, lançando-me em uma situação de extrema vulnerabilidade. Parto, portanto, da premissa de uma condição de dor física e psicológica, deixando-me em companhia de memórias até então em repouso e que operam como extrato poético. Converto toda a minha obra nessa pulsão de vida e de morte, de consciência e inconsciência, com traumas, dramas, sonhos, segredos e confissões.

Na impossibilidade de me reconhecer nas imagens, passei a trabalhar com restos de um passado adormecido que é rememorado e conduz a outras visualidades. Busco reelaborar o passado, traçando uma recuperação dememórias, para sobreviver à dor em uma narrativa eternamente recomeçada. Para tanto, lanço mão da linguagem fotográfica e faço uso de autorretratos no espaço doméstico e íntimo. Tenho necessidade de exteriorizar os fantasmas e reativá-los como presença substanciada através de minha exposição como objeto. Além disso, utilizo de intervenções às fotografias, em direção ao resgate da imagem de mim mesma. A persistência do tema do corpo e a escolha estética do preto e branco nesta série tem uma representação expressiva, por conferir certo distanciamento e reorientação de horizontes: as fissuras feitas em várias imagens são reconectadas com outros elementos/cenas/figuras e, assim, crio outras visualidades que não são mais familiares.

Diante desta narrativa, a série procura colocar em xeque o apagamento de mulheres, de suas identidades e os papéis endereçados socialmente a elas: mãe, esposa e dona de casa. Nesse sentido, trato também da violência e de sofrimentos silenciosos da mulher dentro do contexto político-cultural, marcado desde sua origem pela lógica patriarcal, com hostilidade. Busco, portanto, estabelecer diálogo com aspectos mais sutis e comuns ao contexto feminino, partindo de minhas experiências íntimas.

Exposição Convocatória em Foco na Quadra da Matriz, é uma das atrações do Festival. Venha conferir e participar inscrevendo seus trabalhos.

A Convocatória em Foco 2022 está com inscrições abertas até 20 de agosto e o resultado será apresentado no dia 4 de setembro. Agradecemos a participação de todos e confiança no trabalho do Paraty em Foco e sua Equipe.Participe, não deixe para a última hora. Você poderá ser um dos protagonistas desta edição da maioridade do Festival. Confira o regulamento: https://www.pefparatyemfoco.com.br/regulamento-convocat%C3%B3ria-pef-2022

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CONVOCATÓRIA EM FOCO

Convocatória PEF, continua sendo, uma vitrine aberta para profissionais consagrados ou talentos emergentes.