Romaria

Ensaio Pré-selecionado de Roberta Ponde

Nasci em Trindade, Goiás.

Cresci ouvindo os sinos da igreja na alvorada, às 5:30, a anunciar o início da procissão na festa em louvor ao Divino Pai Eterno.

Já fiz o percurso de Goiânia a Trindade a pé, fui a novenas, vi anjos caminhando pelas ruas, pagadores de promessas carregando cruz, fieis subindo as escadarias do santuário de joelhos. Vi gente a agradecer e outros tantos a pedir. Muitos a rezar e outros a ganhar o pão. Já recebi graças. E apesar de ser tudo isso tão familiar a mim, sempre me emociono quando ouço um som intermitente, quase um lamento, ao longe, dando conta da chegada dos carreiros na terra do Pai Eterno.

As comitivas de carros de bois saem de diversas cidades do interior do Estado e peregrinam 3, 7, 14 dias até Trindade, todos os anos, sempre na última semana do mês de junho.

Neste ano, acompanhei em parte uma dessas comitivas, a maior delas, da cidade de Damolândia. Foram três dias de caminhada por um cerrado seco, daqueles que quando a boiada passa, o pó sobe e turva as vistas da gente. No fim da tarde, céu amarelo e vento frio assobiando, o pouso era feito nas fazendas, que abrem as porteiras para devotos, devotas e animais comerem, beberem, descansarem e seguirem a jornada.

A devoção à Santíssima Trindade teve início no século XIX, em meados de 1840, quando um casal encontrou em suas terras um medalhão, entalhado com as imagens do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ergueu no local uma capela. Logo, vizinhos começaram a vir para rezar. Não demorou muito para que as histórias de bênçãos e milagres surgissem e, com elas, a romaria foi tomando corpo. Numa época em que as distâncias eram bem mais difíceis de vencer, o carro de bois era, por excelência, o transporte do romeiro.

Hoje, os milhares de carreiros e carreiras do Pai Eterno que aportam em Trindade todos os anos carregam consigo muito mais que mantimentos, colchão de dormir, coberta, tamborete e um bule de café.

Eles trazem consigo a identidade cultural do povo do interior do Brasil.

A Romaria de Carros de Bois da Festa do Divino Pai Eterno foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro em 2016, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN.

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