Voluptuos Quarantine
Ensaio Pré-selecionado de Nelson González Leal
A realidade com a qual o vírus SARS-CoV-2 nos confrontou é esmagadoramente voluptuosa. Isto pode parecer uma perversão, mas não há dúvida de que a defesa contra o vírus, a quarentena, nos levou de volta às nossas necessidades básicas e até tornou a natureza muito mais presente, pois nos mostrou quanta força ela tem na determinação final do destino do mundo. É precisamente nossa predação que tem minado sua estabilidade. O sensorial é elevado diante de crises como esta, e como uma salvação nos agarramos ao poder de nosso imaginário pessoal e íntimo. Há também uma espécie de deleite psíquico, uma morbidez concupiscente que nos aprisiona na probabilidade de mudanças constantes e inesperadas, mesmo que insistamos em negar isso. Voluptuoso é também a possibilidade de delírio absoluto diante de um término iminente, e talvez seja por isso que nossa realidade se reduz a nos observar através de uma folha transparente, pois de outra forma tal volúpia nos consumiria muito mais do que qualquer infecção.
Abrigados atrás das janelas, nos perguntamos silenciosamente: estamos diante de um futuro apocalíptico? Mas a realidade é que sempre foi um presente. Um apocalipse psíquico,
constantemente jogado através da literatura, do cinema, da arte, da imaginação. A imaginação sempre ficará aquém do real, do concreto. Somente a imaginação a interpreta e a reinventa com nuances muito mais leves, nobres e heróicas, para tentar digerir melhor o que somos, o que representamos neste mundo. No ano de 2020, a realidade nos esbofeteou nacara na tentativa de nos sacudir de nossa grande imbecilidade. Escondido, ausência de sono,janelas indiscretas, solidão, medo, desconfiança, isolamento, vírus, doença, necessidade dooutro, fome, fome de sexo, fome de amor, fome de respeito, fome, voluptuosidade do medo em do risco, quarentena.
O apocalipse é agora. No momento, a pandemia da COVID-19 aflige e compromete nosso futuro. A imaginação, que sempre ficará aquém da realidade, também pode nos pregar partidas e nos esbofetear na cara. Estamos sob ataque de um vírus com baixa letalidade, mas com uma ampla capacidade de propagação. Isto nos faz sentir vulneráveis. O vírus pode ser transportado e transmitido por qualquer pessoa, em qualquer lugar. A confiança tem sido abalada e isso também faz parte de nossa grande imbecilidade. Portanto, recorremos ao confinamento e à desconfiança. As folhas que nos isolam e através das quais observamos — e continuamos a julgar — o mundo são agora nossa linha de vida e talvez nossa nova carteira de identidade. Esquecemos até mesmo que eles sempre foram um portal que nos despoja e abre o caminho para o fraco reflexo do que sempre nos recusamos a ver.
É sobre isso que trata este ensaio fotográfico, Voluptuos Quarantine, feito com a técnica de fotomontagem entre 2020 e 2021.
A Convocatória em Foco 2022 está com inscrições abertas até 20 de agosto e o resultado será apresentado no dia 4 de setembro. Agradecemos a participação de todos e confiança no trabalho do Paraty em Foco e sua Equipe.
Participe, não deixe para a última hora. Você poderá ser um dos protagonistas desta edição da maioridade do Festival. Confira o regulamento: https://www.pefparatyemfoco.com.br/regulamento-convocat%C3%B3ria-pef-2022
