Rock na Praça como sinônimo de democratização e visibilidade cultural
Tido como um dos maiores festivais de rock underground do sul do país, o evento debutou neste final de semana
Um festival de bandas locais que ocorre numa praça na menor cidade do Rio Grande do Sul tem como dar certo? Os 15 anos do Rock na Praça, em Esteio, nos prova que sim, e muito! No último dia 21 o evento debutou de casa cheia. Teve muito rock n’ roll, dança, teatro, oficinas, e mais rock n’ roll , e tudo isso de graça para quem quisesse chegar.
Ricardo Varela, um dos organizadores do evento, conta que a estimativa é de que cerca de 4 mil pessoas passaram pela Praça Coração de Maria durante o dia, isso representa um recorde de público. “A nossa média de público é entre 1500 e 2000 pessoas. Ontem tinha o dobro da média. Aniversário junta mais gente, mas vamos trabalhar para subir a média dos outros para 3 mil pessoas”. Além disso, Varela conta como funciona a organização do Festival e a seleção para as bandas. “A gente tenta fazer uma rotatividade legal para que toque o maior número de bandas possíveis. Em 2016 foram 68 bandas diferentes e em 2015 foram 74 bandas diferentes. Mas a gente sempre acaba repetindo bandas locais por achar importante dar visibilidade pro que é feito aqui”.
“A praça sempre foi palco de eventos, dizem que a inauguração dela em 1989 foi com show de rock. Até 2001 tinha um evento que rolava ali organizado pela prefeitura com diversos estilos musicais, mas depois parou. Ficou mais de ano sem nada. Na época a gente organizava uns shows em associações de.moradores aqui na cidade e recebemos o convite do secretário de cultura da época para fazer um evento na praça. Era o Dia do Desafio. Fizemos um evento na praça em uma quarta-feira pro Dia do Desafio e divulgamos um monte, em todas as escolas. Na época, saiu uma matéria falando que colocamos 2 mil pessoas na praça em uma quarta-feira. Foi exagero, devia ter umas 800. Mas a partir disso deu respaldo pro evento continuar, e tá aí até hoje”, explica ele.
Ricardo também nos conta que fazer o evento já é um vício e que o dinheiro para garantir o festival é bem escasso. “Faço pois ainda dá o mesmo frio na barriga do que 15 anos atrás. Pois os amigos ainda são os mesmos e seguem indo e participando, muitos hoje com os filhos e também porquê acho que cultura em espaço público sempre vai ser democrático e uma ferramenta de transformação. A gente tem alguns apoiadores, mas rola mais permuta do que dinheiro. A receita principal vem da praça de alimentação. E a gente tem um acordo com a prefeitura a uns 6 anos mais ou menos”.
O último domingo também foi noite de gravação do DVD dos 15 anos do Rock na Praça. “O DVD é só dos shows de ontem no palco principal. E ainda tem mais duas ações para o ano além do DVD de ontem: um documentário que começa a ser gravado mês que vem; e uma coletânea ao vivo que vai ser gravada em setembro”, conta Ricardo.
O dia histórico
O festival se dividiu em dois palcos: alternativo e principal, o que rendeu música o dia todo. Bandas “underground” — que tem um público considerável, mas que não têm sucesso comercial — inauguraram o palco alternativo a partir das 13h30min. Samsara Voyeur, Ferrolho, Grantezuma e a Banda Bloco esquentaram ainda mais a tarde de domingo. Para encerrar o palco alternativo, o Grupo de Dança indiana Samah e o Grupo Teatral Melhor Não trouxeram ainda mais cultura para quem estava presente.
A partir das 17h, abriu-se o palco principal. Bandas consideradas “meiostream” — que têm um bom público e conseguem viver de sua música — chamaram o público para as arquibancadas. A primeira a se apresentar foi a Cactus Flor. Foi a segunda vez que a banda, formada há um ano e meio, na cidade vizinha, se apresentou no evento.
Thiago Selliach, baixista e compositor, nos conta que, embora a banda exista há pouco tempo, ele sempre esteve envolvido com o Rock na Praça e que tocar para um público tão grande foi uma sensação única. “Eu faço parte da história do Rock na Praça há um bom tempo. Já ajudei a organizar em outros anos quando era organizado por um coletivo chamado Tomada Rock e tenho ajudado sempre que posso desde então. Tocar para aquele público foi visceral. E aqui posso dizer por todos, foi o grande show das nossas vidas. Meu Deus, foi aterrador. Deu medo, mas foi uma sensação incrível de paixão por tudo o que construímos, resposta imediata do público. Olhei no horizonte e vi gente por tudo o que é lado”.
Thiago aproveita para enfatizar a importância e a visibilidade que o evento tem para as bandas locais. Eu vejo o Rock na Praça como o graal das bandas, não só locais, mas do Brasil. Além de que é um lugar democrático. Já vi todo o tipo de banda tocar lá. Seja iniciantes, seja bandas enormes. Mas, as vezes o pessoal não entende que para tocar, tem que participar antes se qualquer coisa. Tem que ir aos shows. Os pagos também. Não é só de amor que o pessoal da organização vive. Não tenho dúvidas que é muito difícil tu encontrar um palco com uma energia, com toda a magia, como o Rock na Praça. Além de toda a divulgação, seja no Facebook, seja no dia do show, que a banda ganha. É um palco que digo, sem sombra de dúvidas, histórico para o Estado. Um Araújo Vianna da Grande Porto Alegre”.
Em seguida, quem se apresentou no palco principal foi a banda esteiense Lokos d’Bira. Gilson Loss, vocalista, nos explica que o grupo existe há 16 anos e que vem crescendo junto com o festival. “Quando tocamos pela primeira vez na Praça tínhamos um ano de banda, isso há 15 anos atrás.. Na época foi uma experiência muito boa pois não tínhamos feito muitos shows, então foi lá que começamos a ficar conhecidos na cidade e tocar agora depois de 15 anos e junto com bandas que somos fãs tipo Replicantes é algo que achávamos que não iria acontecer. O Festival, sem dúvidas, está consolidado como um dos mais importantes do Estado. Sobre o show estou sem palavras até agora. O público estava cantando as nossas músicas!”, exclama.
Um dos shows mais aguardados da noite foi o da banda Os Replicantes, que encerrou o festival. Julia Barth é vocalista do grupo e nos conta que considera o Rock na Praça um dos eventos mais legais dos quais já participou. “Já toquei lá com a banda umas três ou quatro vezes. Acho incrível a ocupação do espaço. A praça por si só já um lugar muito legal, ela tem aquele anfiteatro, e como artista estar na frente daquela galera ali é muito emocionante. Meu amor pelo projeto começa aí, com ele me proporcionando estar neste espaço com estas pessoas. E é bacana que exista um lugar onde as pessoas possam ouvir as bandas dos amigos, que as pessoas se encontrem, com preços acessíveis, coisa que hoje em dia está tão difícil. Que seja democrático, onde pessoas pobres e pessoas ricas possam estar juntas. Isso é revolucionário. União entre um monte de gente diferente”, explica.
“Eu diria que é o tipo de show que eu mais gosto de fazer. Os Replicantes existem há 36 anos então muita gente conhece as músicas. É legal tocar em um pub, casa de show, com camarim e tal, porém odeio a frieza da distância do público. Ontem não foi diferente das outras vezes no sentido da emoção, e como estávamos gravando esse DVD ao vivo, estava tudo caprichado, então foi tudo muito especial. Vida longa ao projeto!”, finaliza ela.
Mas quem pensa que o Rock na Praça só é importante para quem toca está enganado. Fernando Luz, 27, administrador, explica que já frequenta a praça há anos e que o sonho de tocar lá já se tornou realidade. “Comecei a frequentar o evento lá por 2006, quando acompanhava as bandas locais e tinha um desejo muito grande de um dia tocar naquele palco. O tempo foi passando, veio a faculdade, trabalho, e aos poucos fui frequentando cada vez menos no início dessa década. Agora, completando 15 anos, o movimento parece estar mais maduro do que nunca, atraindo muitas bandas de qualidade, pessoas de outras cidades, adolescentes, jovens, adultos, comerciantes e muita gente comprometida em fazer a cena crescer.Em 2015 tive a oportunidade recentemente de tocar duas vezes, acompanhando a cantora Gisele Bloete. Foi incrível!”.
O Rock na Praça ocorre todos os meses no mesmo local e, segundo Ricardo, organizador do evento, a partir de junho o Rock na Praça não será mais apenas rock. “Estamos tentando abrir espaço para que outros ritmos musicais cheguem até a praça para que seja democrático MESMO. Isso vai ajudar o público do festival a aumentar e junto com ele a disseminação da cultura local. Quer coisa melhor que isso?”.